Imagine você diante de um amontoado de presentes, vésperas de Natal, amigos e parentes reunidos, todos celebrando a alegria, o simbolismo, o espírito de confraternização e renovação de propósitos que a festa nos inspira. Imagine que muitos daqueles presentes podem ser seus. Que, à medida que eles se revelam, se desvendam diante de seus olhos, o transbordamento de um significado muito mais precioso que o presente em si, a satisfação de ser lembrado e glorificado pela sua vida é o que mais o realiza naquele instante. Principalmente vindo daquela pessoa amada! Nada é mais precioso.
Mas, de repente, alguém acrescenta: “E não só isso”. Tem mais? Pois o “desembrulhar” daquelas revelações não termina ai. Então você vai se surpreendendo com outras manifestações de afeto e carinho, com “amigos secretos” dos quais nada esperava, com palavras de afeto e admiração procedentes daqueles que julgava indiferentes à sua vida, à sua existência, com promessas de reforço na caminhada conjunta, baseadas e motivadas unicamente pelo apreço de pessoas com as quais convive. Pelo longo silêncio só agora quebrado por palavras; traduzindo a alegria de muitos apenas pela alegria de sua convivência, seu estar sempre ao lado, apesar de tudo…
“E não só isso” não foi invenção desse pobre escriba, não. É um recurso de comunicação de Paulo, o apóstolo, para falar das promessas de Deus sobre nossas vidas. Em Romanos ele o usa diversas vezes, em especial quando expõe os motivos de nossa esperança. Nossos presentes hão de nos surpreender, em conteúdo, grau e graça, quando nossa esperança ultrapassar os limites do que julgamos merecer. Não, não é só isso. Deus nos dará muito mais do que imaginamos, esperamos dele. “Por meio dele e através da fé, nós temos acesso à graça, na qual nos mantemos e nos gloriamos na esperança da glória de Deus. E não só isso” – diz o apóstolo (Rom 5, 2-3). Acreditar e esperar; confiar que nossa recompensa, a premiação final será muito mais jubilosa do que esperamos ou merecemos, é o que nos revela. Na festa da realização das promessas (a vinda de Cristo) cada cristão há de ser recompensado com a manifestação de um Deus-criança, o maior dos presentes que poderíamos receber. Jesus menino, simplicidade e grandiosidade somadas pelo enigma de um Amor sem limites! “E não só isso. Também nos gloriamos em Deus por meio de nosso Senhor Jesus Cristo, do qual obtivemos agora a reconciliação” (Rom 5, 11).
Então, Natal não é só isso que muitos imaginam ser. Dia de Presentes. Dia da gula, da esbórnia, do desperdício, do exibicionismo, da ganância, do consumismo, da exploração, do… da… O conceito natalino há muito se perdeu no emaranhado das nossas ilusões. De festa cristã ainda sobra uma tênue recordação de um presépio franciscano, a gritar Hosana nas alturas diante das muitas baixezas do espírito mundano. “E não só isso”. Tornou-se a festa da desigualdade, enquanto uma minoria se empanturra com seus mimos e guloseimas de consumo, muitos ainda morrem de doenças outrora saneadas, de fome ou vítimas da violência pelo consumo de drogas ou controle de seu comercio. E muito mais…
Mas Natal não é isso. O motivo de nossa festa ainda há de reinar com seu poder e graça entre nós. É tempo de acreditar. É tempo de refazer nossos planos, confiar contra toda esperança (pois a contra esperança é própria dos desiludidos) e resgatar, dentre os muitos presentes que Deus já nos deu, um em especial: o dom da graça. “E não só isso” Porque o menino do Natal, mais que a caricatura da pobreza e simplicidade de um presente divino, representa a fartura e generosidade de Deus para nossas vidas. Porque, se através de Adão reinou o pecado entre nós, através do Cristo é que fomos reabilitados para “a abundância da graça e do dom da justiça” (Rom 5, 17), mesmo diante dum mundo em caos. Esse presente Deus nos oferece a cada natal de seu Filho. E não só isso.