Ao contrário do que o mundo pensa, a doutrina cristã é um grito de liberdade, não escravidão. Ser cristão, mais que um seguimento de normas e condutas religiosas, é descobrir e vivenciar uma profunda experiência de vida em plenitude, cuja prática nada mais exige que a partilha dessa descoberta. Eis porque cristianismo não existe e não se pratica sem vida missionária. Eis aqui a razão de se considerar morta, inexistente ou gravemente enferma a fé sem abertura para o outro, para o mundo. Triste é o cristão ou a igreja fechada em si mesma. Pensa que evangeliza, mas retém para si uma doutrina sem efeitos, um conjunto de normas e leis incapazes de libertar alguém.
“Anunciar o evangelho não é motivo de glória, mas necessidade”. (1Cor 9,16) – desabafou São Paulo no auge de sua caminhada missionária. O mistério desse anúncio é hoje conhecido de todos os que praticam sua fé com o mesmo olhar do apóstolo. A mesma preocupação e necessidade de partilhar sua experiência de Deus com todos aqueles aos quais era enviado, não por força de um mandato humano, mas simplesmente pela experiência de um amor renovado que nutria sua existência. “Ai de mim se não evangelizar!” – suspirava em sua caminhada. Ai de mim…
Assumir para si essa necessidade é sempre uma atitude de maturidade na fé. Quanto mais gritante for essa necessidade, mais autêntica é a fé que professamos. Não se compreende um cristão que gasta seus joelhos em oração ou dedilha contas num interminável rosário de loas a Maria, mas conserva seu solado imune à poeira da estrada em direção ao outro. A fé só cresce ao caminhar. A oração exige ação. É lógico: uma atitude não dispensa a outra; são como termômetros naturais de uma fé adulta, amadurecida na necessidade de olhar o mundo com o olhar e a preocupação de Cristo. “Eu vim lançar fogo à terra, e que tenho eu a desejar se ele já está aceso?” (Lc 12,49).
Esse fogo é a paixão pela verdade que liberta. Aceso está, mas é preciso que este incendeie o mundo. Isso só se dará quando a doutrina que Ele nos confiou não seja propriedade de poucos; privilégio dos que se dizem escolhidos, eleitos, salvos da multidão que ainda desconhece a verdadeira liberdade. O recente sínodo dos Bispos já aponta novos caminhos. Mais que aceitar é preciso acolher. A Igreja de Cristo diante do mundo e de suas misérias, não coaduna com seus erros e distorções humanas inerentes à fraqueza e às limitações que lhes são próprias, mas deve abrir suas portas a todos. Deve acolher. Vejo aqui uma grande atitude de maturidade missionária. Exatamente no gesto de acolhimento está o princípio da transformação de todos os que se sentem atraídos pela doutrina do nazareno, mas também constrangidos pela consciência das misérias que rondam o espírito humano. O fogo das paixões que nos consome não é o mesmo que arde no coração de Deus. Este não consome, aquece.
Esse diferencial humano do divino é um grande segredo revelado por Cristo. Compete à Igreja apresentar e revelar ao mundo esse mistério. Compete aos cristãos missionários assumir com mais coragem aquilo que Isaias já preconizava como dever de fé: “Enviou-me a proclamar a libertação” (Lc 4, 18). Não se trata de mero trabalho doutrinal, mas condição sui generis de qualquer batizado. Não aceitamos o mundo que ai está, nem por isso vamos nos afastar da realidade, fugir do desafio, esconder-nos como avestruzes que enterram suas cabeças para não encararem as ameaças. Ao contrário, a mesma fé que liberta é geradora da fortaleza, da sabedoria e de todos os dons espirituais que fazem do cristão alguém imbatível, destemido.
Assuma essa fé. Só assim poderemos compreender que doutrinar é uma necessidade, uma missão que oferece liberdade plena a todo e qualquer ser humano, independente de cultura, raça ou civilização. A fé cristã ensina ao mundo que Deus respeita o ser humano e sua liberdade e não age sem seu consentimento.