Por ocasião do 50º aniversário do Conselho Indigenista Missionário (CIMI), celebrado no último dia 23 de abril de 2022, o seu presidente, também membro da Diretoria da Rede Eclesial Pan-Amazônica e arcebispo de Porto Velho-RO, dom Roque Paloschi, falou sobre a importância da data, os avanços e os apelos para este organismo da Igreja que atua em favor da causa indígena no Brasil.
A imagem, ao lado, revela dom Roque caminhando com indígenas, a passos largos, sandália franciscana, veste simples, como quem tem pressa pela vida, olhar atento, postura compassiva, – os verdadeiros conceitos de uma Igreja em saída.
Diante da solicitação de que falasse sobre esta imagem, dom Roque preferiu silenciar, mas balbuciou, humildemente, algumas palavras carregadas de conteúdo e ensinamentos que comove e contagia qualquer pessoa sensível e comprometida com as causas sociais assim como ele o é.
“É muito difícil falar de mim mesmo, a única coisa que eu suplico a Deus é que eu não seja indiferente diante da dor das pessoas, diante das injustiças. Que eu apreenda diariamente a ser manso e humilde de coração. Que eu seja um eterno aprendiz na escola de Jesus.” A passos largos, vestes simples, em meio ao povo e com olhar confiante, dom Roque continua e aposta na corrida em busca do prêmio: a realização do Reino de Deus, onde a haverá a paz, a justiça e todos viverão como irmãos”. Confira, abaixo, a íntegra da entrevista.
50 anos do Conselho Indigenista Missionário: O que celebrar?
Sem dúvida, há muitas coisas que celebrar: A doação e entrega de tantas e tantos missionários/as que deram suas vidas na defesa da causa dos povos indígenas e abriram novos caminhos para a Igreja em sua forma de estar junto a eles. Muitas conquistas dos povos indígenas e suas organizações. Demarcação de terras indígenas; fortalecimento de sua organização social e o reconhecimento da diversidade cultural que representam; O reconhecimento dos direitos dentro da Constituição Federal de 1988, principalmente o direito à terra como direito originário; Os avanços na educação e na saúde a partir das lutas das comunidades indígenas e do engajamento de professores e agentes de saúde. Quando o CIMI nasceu, a perspectiva do Estado brasileiro era de que já não haveria mais indígenas no ano 2000. E estamos aqui, em 2022, com 300 povos indígenas, firmes na defesa de seus direitos e de suas terras.
Na avaliação do senhor, o que ainda não avançou nestes 50 anos?
Não avançou ainda a convicção por parte do Estado brasileiro e das elites econômicas de que os territórios indígenas devem ser respeitados e que a exploração e depredação desses lugares é uma violência para os povos e também uma agressão à Casa Comum e aos direitos de toda a sociedade. Não avançou o reconhecimento e fortalecimento da diversidade linguística, da diversidade cultural e espiritual. O mais preocupante é que estamos, hoje, em um momento de grave retrocesso. Então, já não é só o que não avançou, mas o que foi conquistado e hoje está sendo questionado, pelo próprio estado, como é o caso dos direitos dos povos originários reconhecidos na Constituição Federal de 1988.
O CIMI, na sua finalidade e vocação, mudou o curso de atuação? Se sim ou não, por quê?
Depois de 50 anos, pensamos que o CIMI se manteve em sua finalidade e sua vocação particular. O CIMI nasceu em um momento muito especial para o Brasil (ditadura militar) e para a Igreja, que vinha do Concílio Vaticano II, da Conferência de Medellin, do Encontro dos Bispos da Amazônia em Santarém. E o CIMI nasce para romper uma perspectiva colonial que estava colocada sobre os povos indígenas, pela sociedade e também por setores da Igreja, e abrir novos caminhos, encarnados e proféticos, para uma nova forma de estar com os povos. E daí surgem as grades, intuições e linhas de atuação: a defesa da terra, o fortalecimento das comunidades e organizações, a importância das assembleias indígenas, o respeito profundo à identidade cultural dos povos. Essas linhas continuam vivas hoje, depois de 50 anos, com mudanças normais na metodologia, nas articulações, como é natural, mas sendo fiel à missão para a qual foi chamado.
Sobre a atuação do CIMI e recepção da própria Igreja a esse importante Organismo da CNBB
Já nas primeiras décadas do CIMI, houve Bispos muito corajosos e proféticos que não só acolheram, mas promoveram e apoiaram os novos caminhos que o CIMI ia abrindo junto às comunidades. A CNBB sempre foi um lar para o CIMI, um lugar de vínculo, de apoio e de sustento, com uma relação orgânica de pertença e, ao mesmo tempo, com a autonomia necessária para que os missionários e missionárias pudessem ir discernindo os novos caminhos e desafios junto às comunidades, nos territórios. Todo processo de abertura, de ampliar horizontes, de avançar para águas mais profundas, … principalmente todo processo de descolonização desperta algumas resistências em alguns setores; mas em termos gerais, se olharmos para estes 50 anos até os dias de hoje, a CNBB e o CIMI caminharam juntos, destemidos. Houve momentos de dificuldades, de perseguição aos missionários, que sempre encontraram na CNBB todo o apoio. Mas sobretudo, a CNBB acolheu as novas linhas de ação e de missionariedade com os povos indígenas que o CIMI abria como o caminho próprio da Igreja no Brasil.
À época da fundação do CIMI, qual era a seu ver, o grande apelo da Igreja? Em relação a estes apelos, mudou algumacoisa, ou permanecem os mesmos apelos ou se somaram outros?
Como disse antes, a Igreja vivia um momento muito intenso nesses primeiros anos da década de 1970. A Igreja universal estava vivendo os primeiros ecos do Concílio Vaticano II, uma Igreja em conversão e em saída que queria acolher os desafios da sociedade e ser luz e sal no meio dos desafios de seu tempo. A Igreja na América Latina acabava de celebrar a Conferência de Medellin, onde se reafirmava firmemente a opção preferencial pelos pobres. E na Igreja no Brasil, com uma CNBB ainda nova, um grupo de bispos como Dom Hélder Câmara, Dom Tomás Balduino, Dom Pedro Casaldáliga, … e outros animavam a toda a comunidade eclesial a assumir as grandes lutas e as grandes causas contra a pobreza e a exclusão, em favor da democracia, da igualdade e da justiça, da reforma agrária e da causa dos povos indígenas.
Hoje existem alguns paralelismos com aquele momento eclesial. O apelo a sermos uma Igreja em saída e missionária, samaritana, à escuta dos povos indígenas para aprender com eles, que denuncia a violação dos direitos humanos e defende os territórios e a urgência de cuidarmos da Casa Comum, …, tudo isso que se expressou de forma tão evidente no Sínodo da Amazônia, nos faz pensar que o momento eclesial de hoje é, de alguma forma, filho daquele contexto eclesial em que o CIMI nasceu.
Como presidente do Conselho, como o senhor assume esta missão que lhe foi confiada? O que significa para o Dom Roque, ter essa responsabilidade em mãos? Quanto a causa indígena te provoca, te inspira, te convoca ou lhe é cara?
Com muita humildade e ciente que cada território indígena é terra sagrada. Que devo, a exemplo de Moisés tirar as sandálias. Ciente de uma responsabilidade em dar continuidade a um trabalho marcado pela paixão de muitas irmãs, muitos irmãos que viveram apaixonadamente e de maneira material a missão de testemunhar a misericórdia de Deus por todas as criaturas e também o compromisso com o cuidado com a criação.
Em 1972 nasce o CIMI e documento de Santarém. Como se relacionam estes dois elementos?
Fazem parte de um mesmo processo. Uma Igreja que se compromete, de forma corajosa e profética, com as causas de povos indígenas, dos pequenos agricultores, dos empobrecidos, em um contexto político de ditadura e de opressão. São anos de em que muitas sementes começam frutificar. Um ano antes, Dom Pedro Casaldáliga escreveu a Carta Pastoral contra o latifúndio e em favor da Reforma Agrária. Em 1972 nasce o CIMI, os bispos se encontram em Santarém, pouco depois surgirá a CPT. Tudo faz parte da mesma manifestação do Espírito por uma Igreja comprometida, encarnada, solidária e com opções preferenciais muito claras.
Por Rosa M. Martins, Repam-Brasil