Dom Darci José Nicioli, arcebispo de Diamantina (MG) e presidente da Comissão Episcopal Pastoral para a Comunicação da CNBB, em vista da preparação das comunidades para celebrar o Dia Mundial das Comunicações no próximo 2 de junho de 2019, faz uma análise dos principais pontos da Mensagem enviada pelo Papa Francisco para a ocasião. Ele insiste aindaa que cada comunidade tenha algum tipo de iniciativa para renovar o compromisso de todos com uma comunicação que possa demonstrar o compromisso da fé em Jesus Cristo e em seu Evangelho. Ele chama atenção para o modo como o Papa usa expressões de fácil entendimento na Mensagem.
Esta já é a 53ª Jornada Mundial das Comunicações. Para o senhor, qual tem sido a eficácia dessa celebração na vida das comunidades do Brasil?
A primeira coisa que precisamos recordar é que a dedicação, na Igreja, de um dia por ano para a realidade das comunicações no mundo é uma determinação do Concílio Vaticano II. Ela está expressa naquele maravilhoso fruto da reflexão conciliar simbolizado pelo decreto Inter Mirifica, publicado em 4 de dezembro de 1966. Um texto que merece uma releitura aprofundada em nossos dias. Esse documento traz em seu número 18: “Para que se revigore o apostolado da Igreja em relação com os meios de comunicação social, deve celebrar-se em cada ano em todas as dioceses do mundo, a juízo do Bispo, um dia em que os fiéis sejam doutrinados a respeito das suas obrigações nesta matéria, convidados a orar por esta causa e a dar uma esmola para este fim, a qual ser destinada a sustentar e a fomentar, segundo as necessidades do orbe católico, as instituições e as iniciativas promovidas pela Igreja nesta matéria”.
Entendemos, a partir da palavra do Concílio, que o Dia Mundial para as Comunicações tem essa tríplice tarefa: reflexão sobre a importância da comunicação e da atitude moral dos cristãos diante dessa realidade, oração pela causa, isto é, pelas pessoas que operam nesse meio, pelas empresas, pelas entidades, pela pastoral dedicada à comunicação e, certamente, para que as comunidades possam dar uma ajuda concreta e financeira para a manutenção desse trabalho. Eu penso, que no Brasil, temos que crescer nessas três dimensões. Temos muito ainda o que fazer, com criatividade e responsabilidade, tanto nas iniciativas de reflexão, quanto na oração como também na mobilização das comunidades para dar um suporte financeiro aos trabalhos desta natureza presentes nas paróquias e dioceses.
A CNBB tem feito bastante nesse sentido porque criou e mantém uma comissão de bispos para se dedicar a esse trabalho e a preparação para o Dia Mundial das Comunicações tem sido um dos projetos desenvolvido, todos os anos, por essa comissão. Houve um período em que se preparava um material impresso com livretos enviados para as dioceses e, mais recentemente, obedecendo as indicações da Encíclica Laudato Sì no sentido de evitar a multiplicação de impressos, e reconhecendo o poder das publicações digitais, temos preparado um roteiro com chaves de leitura da Mensagem do Papa e uma série de sugestões para a inserção do tema nas celebrações das comunidades. Eu imagino que o próximo mês de maio, que antecede o mês do Dia Mundial, seja bem propício para a o acolhimento dessas sugestões.
A mensagem do Papa Francisco para este ano tem a ver com as redes sociais. O que o senhor tem visto como desafio para os católicos no uso dessas redes e como a palavra do Papa pode ajudar no enfrentamento dessas questões?
Vamos por partes. Primeiro: rede social é, na verdade, aquela expressão do encontro de pessoas com propósitos comuns. Uma família e seus agregados formam uma rede social. Um grupo de amigos da escola forma uma rede social. Uma comunidade de igreja é uma bela rede social e assim por diante. Nessas redes, a comunicação costuma ser mais harmoniosa, contém mais valores de respeito e de tolerância, mesmo que também elas enfrentem riscos de dificuldades representadas pela malquerença, pela fofoca e por outras expressões do pecado. Hoje em dia, nos deparamos com as redes sociais digitais. E aí começam vários problemas para os quais o Papa oferece uma luz na de reflexão na Mensagem deste ano. Diferente das redes sociais básicas, nessas redes digitais encontramos, de forma substancial e perigosa, correntes de ódio, destruição de reputações, manipulações políticas e outros grandes males que povoam as sociedades do nosso tempo e encontraram nessas redes um lugar de fácil ação.
Papa Francisco lembra que “Desde quando se tornou possível dispor da internet, a Igreja tem sempre procurado que o seu uso sirva o encontro das pessoas e a solidariedade entre todos”. Esse princípio se aplica ao modo como a Igreja se posiciona diante das redes sociais digitais, isto é, é preciso que todos nós usemos essas redes para promover o encontro das pessoas e que elas sejam, para nós, instrumentos eficazes para complementar a promoção de uma vida mais solidária entre os membros das redes sociais básicas, quer dizer, das famílias, das comunidades, da sociedade. Todo texto da Mensagem deste ano, portanto, serve a esse propósito do Papa Francisco, ou seja, o de “convidar uma vez mais a refletir sobre o fundamento e a importância do nosso ser-em-relação e descobrir, nos vastos desafios do atual panorama comunicativo, o desejo que o homem tem de não ficar encerrado na própria solidão”.
Notamos facilmente na leitura da Mensagem que o Papa faz uma ligação do que se faz hoje em redes digitais com a questão humana fundamental, a experiência de “ser-em-relação”. Esta é, na verdade, o centro da nossa experiência humana e cristã. Todo dia, somos convidados a crescer no entendimento de quem somos verdadeiramente e como esse nosso ser se abre para a relação com os outros e com o mundo, segundo a orientação de Deus. A comunicação é um veículo importante que transporta esse nosso desejo de realização pessoal e comunitária, a partir da experiência de fé que nos une no amor de Jesus Cristo e nos protege da solidão do egoísmo. Compreendemos assim, que a Mensagem sobre redes é uma mensagem sobre comunidades, sobre a vivência da fé.
Um dos temas da Mensagem é apresentação das metáforas da rede e da comunidade. O que a palavra do Papa nos chama atenção em particular nessa reflexão?
Nós precisamos reconhecer que o Papa Francisco é um comunicador excepcional. Os recursos que ele usa em suas declarações tem um poder muito grande que nos ajuda na compreensão rápida do que ele quer nos dizer. Eu sinto que uma simples leitura da Mensagem para o Dia Mundial das Comunicações já seria suficiente para o entendimento. Aliás, temos insistido, nas reuniões da Comissão na CNBB, para não multiplicarmos textos de mensagens sobre a Mensagem, o que poderia ser uma desatenção ao que o Papa nos diz, com toda clareza. A nós cabe uma tarefa muito especial: repercutir o que o Papa expressa na Mensagem. Levar a campo, repetir, aprofundar os aspectos que ele menciona no texto.
O Papa usa as metáforas para nos chamar a atenção e não nos confundirmos a respeito do que é uma coisa e do que é a outra. Ainda que as redes tenham se inserido muito na vida das comunidades, elas têm sido usadas para desinformar, distorcer com propósitos bem definidos por empresas e grupos políticos. Isso sem falar que a própria tecnologia digital tem sido um instrumento muito perigoso que pode resultar na formação de pensamento único, o que empobrece as relações humanas. Veja bem o que o tal algoritmo, por exemplo, tem feito com as redes sociais digitais. Se você manifesta algum interesse em certos temas ou produtos, daí em diante, a própria programação dos conteúdos de sua time line nas redes é bombardeada com ofertas e comentários naquela única direção. Dizem até que a internet passou a saber qual é a nossa intenção. E isso é muito grave, merece uma atenção especial.
“Esta tendência alimenta grupos que excluem a heterogeneidade, alimentam no próprio ambiente digital um individualismo desenfreado, acabando às vezes por fomentar espirais de ódio. E, assim, aquela que deveria ser uma janela aberta para o mundo, torna-se uma vitrine onde se exibe o próprio narcisismo”, adverte o Papa Francisco. E aí a metáfora da rede sem um centro norteador de sentido, como ocorre na comunidade pode ser um risco profundo para todos nós que nos comunicamos a partir de nossa fé. E tem mais, a frequência às redes sociais digitais pode promover o isolamento social e não um caminho para o fortalecimento das comunidades. Por isso o Papa lembra: “Enquanto cabe aos governos buscar as vias de regulamentação legal para salvar a visão originária duma rede livre, aberta e segura, é responsabilidade ao alcance de todos nós promover um uso positivo da mesma”.
O título da Mensagem, “somos membros uns dos outros”, retirado da Carta aos Efésios, teria um significado particular nessa Mensagem do Papa? Qual poderia ser?
São Paulo é conhecido nos primórdios da vida da Igreja como o “Apóstolo dos gentios”, isto é, aquele que leva o Evangelho de Jesus ao resto do mundo que não fazia parte do universo do judaísmo. Poderíamos dizer, hoje, que esse título dado a ele representa que o Apóstolo tem uma comunicação aberta, acolhedora, inclusiva e não apenas uma comunicação eficiente para para os iniciados na vida de fé. A expressão escolhida pelo Papa se encontra num contexto interessante porque São Paulo, no capítulo 4 da Carta aos Efésios, escrevendo da prisão, pede aos cristãos que levem uma vida digna da vocação à qual foram chamados. Ele faz uma série de exortações nesse sentido e, entre elas, pede que sejamos vítimas da mentira, mas verdadeiros uns com os outros, porque “somos membros uns dos outros”.
O tema da mentira, aliás, foi tratado pelo Papa na Mensagem do ano passado. Ele faloudas Fake News e do jornalismo de Paz. A reflexão deste ano está em perfeita harmonia com aquilo que aprofundamos em 2018. Eu destacaria também o fato do Papa nos trazer a ideia de que formamos apenas um corpo. Todo o meu trabalho na Comissão para a Comunicação da CNBB, nesses últimos quatro anos, foi realizado com essa bandeira: “somos um único corpo evangelizador”. Essa é uma metáfora poderosa e eficiente porque representa o que verdadeiramente somos na tarefa de evangelizar. Cada um com suas estratégias e funções específicas, mas todos com o mesmo propósito de levar ao coração das pessoas o amor de Cristo.
Outro destaque que eu faria está presente na seguinte expressão do Papa Francisco: “nós, cristãos, somos chamados a manifestar aquela comunhão que marca a nossa identidade de crentes. De fato, a própria fé é uma relação, um encontro; e nós, sob o impulso do amor de Deus, podemos comunicar, acolher e compreender o dom do outro e corresponder-lhe”. A vivência profunda da fé já é o caminho para uma comunicação eficaz. Desejo que isso seja lembrado por todos aqueles que postam conteúdos em redes sociais digitais. Que lembrem-se de seus compromisso com a fé que sempre incentivam a busca e a promoção da comunhão, da tolerância, do amor e da paz.
Precisamos ir do “Curti” ao “Amém”?
Gostei imensamente dessa adoção que o Papa faz na Mensagem deste ano de um termo muito conhecido dos frequentadores de redes sociais digitais: o “curti”, aportuguesado do “like” original. Quando alguém faz um clique sobre o “curti”, na verdade e guardando as devidas proporções, corresponde ao fato de que essa pessoa faz um ato de fé. É como se ela dissesse que acredita, que crê naquilo que acabou de ver ou de ler. E se é um ato de fé, é um ato de grande responsabilidade e compromisso. É uma adesão pessoal àquele conteúdo apresentado. Sair do “curti” para ir ao “amém”, ao meu ver é um caminho muito exigente porque o “amém” é uma declaração poderosa de como gostaríamos que as coisas acontecessem. Acho que essa palavra deve nos ajudar a ter maior consciência a respeito do que reforçamos nos conteúdos postados na internet.
As cinco conclusões do Papa sobre o uso das redes em nossas comunidades devem merecer toda a nossa atenção. Primeira: “A imagem do corpo e dos membros recorda-nos que o uso da social web é complementar do encontro em carne e osso, vivido através do corpo, do coração, dos olhos, da contemplação, da respiração do outro”. Segunda: “Se a rede for usada como prolongamento ou expetação de tal encontro, então não se atraiçoa a si mesma e permanece um recurso para a comunhão”. Terceira: “Se uma família utiliza a rede para estar mais conectada, para depois se encontrar à mesa e olhar-se olhos nos olhos, então é um recurso”. Quarta: “Se uma comunidade eclesial coordena a sua atividade através da rede, para depois celebrar juntos a Eucaristia, então é um recurso”. E a última: “Se a rede é uma oportunidade para me aproximar de casos e experiências de bondade ou de sofrimento distantes fisicamente de mim, para rezar juntos e, juntos, buscar o bem na descoberta daquilo que nos une, então é um recurso”.
E, claro, ir do “curti” ao “amém”, conforme o Papa Francisco nos ensina: “Esta é a rede que queremos: uma rede feita, não para capturar, mas para libertar, para preservar uma comunhão de pessoas livres. A própria Igreja é uma rede tecida pela Comunhão Eucarística, onde a união não se baseia nos gostos ‘like’, mas na verdade, no ‘amém’ com que cada um adere ao Corpo de Cristo, acolhendo os outros”.