Disposição de Vida Cristã

    Na segunda leitura do vigésimo sexto domingo do Tempo comum, Paulo convida a comunidade para olhar dentro de si. Aí também há muita coisa que precisa ser transformada. A exortação é feita de forma solene: “Se há uma consolação em Cristo, se há um encorajamento no amor, se existe uma comunhão no Espírito, se existe ternura e compaixão, então tornem completa a minha alegria permanecendo unidos no mesmo sentimento, no mesmo amor, num só coração, num só pensamento. Nada façam por competição e vanglória, mas, com humildade, cada um julgue que o outro é superior e não cuide somente do que é seu, mas também do que é do outro.”
    Lido pelo avesso, esse trecho nos dá o retrato de uma comunidade envolvida em conflitos internos. O que estava acontecendo?  Temos a impressão de que não havia união de sentimentos. Pelo contrário, a competição e o desejo de receber elogios, o considerar-se superior aos outros, o desinteresse pelo bem comum, tudo isso estava presente na comunidade.
    São Paulo apresenta à comunidade o ponto de referência insubstituível: Cristo Jesus. E pede que todos tenham as mesmas disposições de vida que havia nele. Vem, a seguir, um dos hinos cristológicos mais importantes do Novo Testamento, que era provavelmente um canto litúrgico conhecido na comunidade de Filipos.
    O hino tem dois movimentos: o primeiro é de cima para baixo vê fala do esvaziamento de Jesus. Ele não se apegou a sua igualdade com Deus, esvaziou-se, tornou-se servo, fez-se obediente até a morte de cruz. O sujeito dessas ações é o próprio Jesus: consciente e livremente despoja-se de tudo. Seu lugar social é junto aos escravos, sem privilégios, marginalizados e condenados. Para Ele não há outra forma de revelar o projeto de Deus a não ser esvaziando-se daquelas realidades humanas das quais, com dificuldade, abrimos mão: prerrogativas, posição social, honra, dignidade, fama e, o que é mais precioso, a própria vida. Jesus perdeu todas essas coisas. Desceu ao poço mais fundo da miséria e solidão humanas. O primeiro movimento desse hino não fala de Deus. Tem-se a impressão de que Jesus, despojado de tudo, tenha sido inclusive abandonado por Deus. O preço da encarnação foi a Cruz. E o Evangelho de Paulo é exatamente o Evangelho de um crucificado. E nós nos perguntamos: onde foi parar a divindade de Jesus? Ficou escondida por um momento? Ou era justamente no fato de ser plenamente humano que revelava o ser de Deus?
    O segundo movimento é de baixo para cima. Aqui, o sujeito é Deus. É Ele quem exalta Jesus, ressuscitando-o e colocando-o no posto mais elevado que possa existir. O nome que Ele recebe é o título de Senhor, termo muito querido pelos primeiros cristãos.
    Deus Pai é glorificado quando as pessoas reconhecem em Jesus o humano que passou pela encarnação das realidades mais sofridas e humilhantes, culminando com a morte na cruz, condenação imposta a criminosos. E nós, quando aprenderemos a enfrentar o que nos espera, como Jesus?