Estamos nos dias finais do Advento em preparação para o Natal do Senhor. É a vinda de Jesus Cristo – Deus feito homem por amor de nós – a este mundo para nos redimir das correntes aprisionadoras do pecado e oferecer-nos a possibilidade da vida eterna. É o grande mistério da nossa redenção a respeito do qual somos sempre convidados a refletir.
Sim, o Papa São João Paulo II nos recorda que “o nascimento de Jesus em Belém não é um fato que se possa relegar para o passado. Diante d’Ele, com efeito, está a história humana inteira: o nosso tempo atual e o futuro do mundo são iluminados pela sua presença. Ele é ‘o Vivente’ (Ap 1,18), ‘Aquele que é, que era e que há de vir’ (Ap 1,4). Diante d’Ele, deve dobrar-se todo o joelho no céu, na terra e nos abismos, e toda a língua há de proclamar que Ele é o Senhor (cf. Fl 2,10-11). Cada homem, ao encontrar Cristo, descobre o mistério da sua própria vida. Jesus é verdadeiramente a realidade nova que supera tudo quanto a humanidade pudesse esperar, e tal permanecerá para sempre ao longo das épocas sucessivas da história. Deste modo, a encarnação do Filho de Deus e a salvação que realizou com a sua morte e ressurreição são o verdadeiro critério para avaliar a realidade temporal e qualquer projeto que procure tornar a vida do homem cada vez mais humana” (Incarnationis mysterium, n. 1).
Importa entender como a Igreja define o grande mistério da Encarnação, ou seja, aquela verdade que sintetizamos, com a cabeça levemente inclinada, no Angelus: “E o Verbo se fez carne. E habitou entre nós”. Pois bem, o Catecismo da Igreja Católica assim expressa, muito ricamente: “O acontecimento único e absolutamente singular da Encarnação do Filho de Deus não significa que Jesus Cristo seja em parte Deus e em parte homem, nem que seja o resultado de uma mistura confusa do divino com o humano. Ele fez-Se verdadeiro homem, permanecendo verdadeiro Deus. Jesus Cristo é verdadeiro Deus e verdadeiro homem. Esta verdade da fé, teve a Igreja de a defender e clarificar no decurso dos primeiros séculos, perante heresias que a falsificavam” (n. 464). Depois de expor sumariamente as heresias cristológicas dos primeiros séculos, o Catecismo conclui: “Assim, a Igreja confessa que Jesus é inseparavelmente verdadeiro Deus e verdadeiro homem. É verdadeiramente o Filho de Deus feito homem, nosso irmão, e isso sem deixar de ser Deus, nosso Senhor: ‘Id quod fuit remansit, et quod non fuit assumpsit’ – ‘Continuou a ser o que era e assumiu o que não era’, como canta a Liturgia Romana. E a Liturgia de São João Crisóstomo proclama e canta: ‘Ó Filho único e Verbo de Deus, sendo imortal. Vos dignastes, para nossa salvação, encarnar no seio da Santa Mãe de Deus e sempre Virgem Maria, e sem mudança Vos fizestes homem e fostes crucificado! Ó Cristo Deus, que por Vossa morte esmagastes a morte, que sois um da Santíssima Trindade, glorificado com o Pai e o Espírito Santo, salvai-nos!’”.
Eis o que, diante do presépio, contemplamos: um Deus grandioso que, sem deixar sua grandeza ou divindade, se fez pequeno por amor de nós. O Beato Charles de Foucauld, sempre lembrado pelo Papa Francisco, lembrando seu diretor espiritual, o Pe. Huvelin, assegura que Cristo assumiu de tal modo a pequenez ou o último lugar que lhe é impossível tirar. Ficamos no penúltimo lugar se queremos imitar Nosso Senhor de perto. Eis suas palavras: “Jesus tomou de tal maneira o último lugar que ninguém jamais pode tirá-lo de lá” (Irmãzinha Annie de Jesus. Charles de Foucauld. Nos passos de Jesus de Nazaré. São Paulo: Cidade Nova, 2004, p. 35). Mais: “Ao meditar sobre Lucas 2,51, o mesmo Foucauld afirma de Cristo: “Ele desceu: em toda sua vida, não fez mais que descer: descer encarnando-se; descer ao se fazer pequena criança, descer obedecendo, descer ao se fazer… pobre, exilado, perseguido, … colocando-se todos os dias no último lugar… Veio de Nazaré, lugar de sua vida oculta, da vida ordinária, da vida em família, de oração, de trabalho, de desprezo, de virtudes silenciosas… da qual nos deu o exemplo durante trinta anos” (Dom Beto Breis, OFM. Francisco de Assis e Charles de Foucauld enamorados do Deus humanado. São Paulo: Paulus, 2017, p. 64). Possamos, em sua escola, aprender tudo isso do Senhor por meio desse místico do século XX. Afinal, a vida toda de Nosso Senhor é redentora: pelo fato de ter se encarnado e vivido entre nós e igual a nós em tudo, exceto no pecado, realizou o que chamamos de redenção físico-mística e por sua morte de cruz coroou tudo isso no que denominamos redenção propiciatória. É a sábia pedagogia divina a confundir a sabedoria humana.
Diante do presépio, somos chamados a compreender, na pequenez e simplicidade, a grandeza de Deus que, exatamente por ser todo-poderoso, pode se fazer e se faz pequeno a fim de nos chamar para perto de Si. Isso nos ensina Bento XVI, em sua Audiência geral, 23/12/2009, ao afirmar que “no Natal Deus se tornou deveras o ‘Emanuel’, o Deus-conosco, do qual não nos separa barreira nem distância alguma. Naquele Menino, Deus tornou-se tão próximo de cada um de nós, tão próximo, que podemos chamá-lo por tu e manter com ele uma relação confidencial de afeto profundo, assim como fazemos com um recém-nascido. De fato, naquele Menino manifesta-se Deus-Amor: Deus vem sem armas, sem a força, porque não pretende conquistar, por assim dizer, de fora, ao contrário, deseja ser acolhido pelo homem em liberdade; Deus faz-se Menino inerme para vencer a soberba, a violência e a ambição de posse do homem. Em Jesus, Deus assumiu esta condição pobre e desarmante para nos vencer com o amor e nos guiar à nossa verdadeira identidade. Não devemos esquecer que o título maior de Jesus Cristo é precisamente o de ‘Filho’, Filho de Deus; a dignidade divina é indicada com uma palavra, que prolonga a referência à humilde condição da manjedoura de Belém, mesmo correspondendo de modo único à sua divindade, que é a divindade do ‘Filho’. A sua condição de Menino indica-nos, além disso, como podemos encontrar Deus e gozar da Sua presença. É à luz do Natal que podemos compreender as palavras de Jesus: ‘Se não voltardes a ser como as criancinhas, não podereis entrar no reino dos céus’ (Mt 18,3). Quem não compreendeu o mistério do Natal, não entendeu o elemento decisivo da existência cristã”.
Com relação ao presépio em si, devemos agradecer muito a São Francisco de Assis que, apaixonado por Deus feito homem por amor de nós, monta o primeiro presépio vivo em Greccio. O santo de Assis via aí o verdadeiro Emanuel, o Deus-conosco que habita entre nós. É, uma vez mais, Bento XVI quem nos ajuda a refletir ao escrever na Audiência geral já citada: “Na primeira biografia, Tomás de Celano fala da noite do presépio de Greccio de modo vivo e comovedor, oferecendo uma contribuição decisiva para a difusão da tradição natalícia mais bonita, a do presépio. De fato, a noite de Greccio voltou a dar à cristandade a intensidade e a beleza da festa do Natal, e educou o Povo de Deus para compreender a sua mensagem mais autêntica, o calor particular, e a amar e adorar a humanidade de Cristo. Esta particular aproximação ao Natal ofereceu à fé cristã uma nova dimensão. A Páscoa tinha concentrado a atenção sobre o poder de Deus que vence a morte, inaugura a vida nova e ensina a esperar no mundo que há de vir. Com São Francisco e com o seu presépio eram postos em evidência o amor inerme de Deus, a sua humildade e a sua benignidade, que na Encarnação do Verbo se manifesta aos homens para ensinar um novo modo de viver e de amar”.
Pergunta-se, no entanto, como isso se deu? – Bento XVI responde: “Celano narra que, naquela noite de Natal, foi concedida a Francisco a graça de uma visão maravilhosa. Viu jazer imóvel na manjedoura um pequeno menino, que foi despertado do sono precisamente pela proximidade de Francisco. E acrescenta: ‘Nem esta visão discordava dos fatos porque, por obra da sua graça que agia por meio do seu santo servo Francisco, o Menino Jesus foi ressuscitado no coração de muitos, que o tinham esquecido, e foi impresso profundamente na sua memória amorosa’ (Vida primeira, op. cit., n. 86, p. 307). Este quadro descreve com muita clareza quanto a fé viva e o amor de Francisco pela humanidade de Cristo transmitiram à festa cristã do Natal: a descoberta que Deus se manifesta nos membros frágeis do Menino Jesus”. Eis o sentido real do Natal!
A beleza do Natal está em ver que Cristo veio para todos os que desejam acolhê-Lo de coração aberto. Os primeiros convidados a adorá-Lo são pobres pastores que guardavam rebanhos nas imediações da manjedoura (cf. Lc 2,8-18). Depois, no entanto, também os reis magos vêm até Ele (cf. Mt 2,1-12). Estes eram pagãos que desejam, além da simplicidade de seus corações como a dos pastores, oferecer ao Deus-Menino dons materiais: ouro, incenso e mirra. O encontro com aqueles homens do Oriente é chamado de epifania, ou seja a manifestação de Deus a todos os homens e mulheres de boa vontade. O anúncio da Boa-Nova do Reino não exclui ninguém. No presépio, ficam lado a lado com Jesus, Maria e José – a Sagrada Família de Nazaré – pobres pastores e ricos reis magos… Todos assistidos por anjos cantores… É a harmonia do Reino de Deus que muito difere da mesquinhez humana fomentadora da divisão fratricida ou da luta de classes.
Esse mesmo conceito inclusivo do presépio é visto também nas fortes pregações de João Batista e no seu batismo de penitência em preparação para o início do ministério público de Jesus, conforme lemos em Lc 3,10-14: “Perguntava-lhe a multidão: ‘Que devemos fazer?’. Ele respondia: ‘Quem tem duas túnicas dê uma ao que não tem; e quem tem o que comer, faça o mesmo’. Também publicanos vieram para ser batizados, e perguntaram-lhe: ‘Mestre, que devemos fazer?’ Ele lhes respondeu: ‘Não exijais mais do que vos foi ordenado’. Do mesmo modo, os soldados lhe perguntavam: ‘E nós, que devemos fazer?’. Respondeu-lhes: ‘Não pratiqueis violência nem defraudeis a ninguém, e contentai-vos com o vosso soldo’”.
Eis alguns caminhos para o Santo Natal: a partilha, especialmente de roupas e alimentos; o exercício do poder com justiça e equidade, caso dos cobradores de impostos (publicanos) e dos soldados. Em uma palavra, para bem receber a Cristo que vem, de modo espiritual, ao nosso coração, precisamos nos converter. Mudar de vida: hoje ser melhor que ontem, amanhã melhor que hoje e assim sucessivamente, fazendo de cada momento um kairós ou um tempo oportuno da graça de Deus em nossa vida. Ela, certamente, mudará para melhor no relacionamento com o Senhor e com as pessoas que nos cercam. Façamos essa experiência!
Concluo convidando a cada irmão ou irmã a contemplar o presépio – ainda que seja numa gravura – e dele tentar extrair algumas lições. Sem nos afastarmos do grande centro que é Cristo, o filho obediente, observemos também as atitudes de Nossa Senhora, a mãe acolhedora, e de São José, o pai zeloso, cujo ano especial estamos celebrando, e peçamos que cada pessoa, onde quer que se encontre, tenha a graça de fazer do seu coração uma manjedoura viva para acolher o Deus-Menino e tornar-se com isso melhor para Deus, para si mesma e para o próximo. Afinal, só a conversão do coração transforma verdadeiramente o mundo.