Anunciai com gritos de alegria, proclamai até os extremos da terra: o Senhor libertou o seu povo, aleluia! (Is 48,20)
Estamos celebrando o sexto Domingo da Páscoa. Em alguns lugares do mundo, na próxima quinta-feira será celebrada a solenidade da Ascensão do Senhor. No Brasil, esta solenidade foi transferida para o Domingo seguinte substituindo assim o sétimo domingo de Páscoa. Nesse domingo será comemorado mundialmente o 53º Dia Mundial as Comunicações Sociais (“Somos membros uns dos outros” (Ef 4, 25) – “das comunidades de redes sociais à comunidade humana”). Nesta semana, conforme algumas tradições, alguns iniciam a Novena de preparação para a grande solenidade de Pentecostes (outros fazem a semana de preparação após o Domingo da Ascensão), que no Brasil (e em todo o hemisfério sul) coincide com a Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos (“Procurarás a justiça, nada além da justiça” [Dt 16.11-20]). Estamos nos aproximando do final do tempo da Páscoa: é tempo de procurarmos aprofundar em como poderemos colocar em prática a unidade entre os cristãos, a comunicação formando comunidades, respondendo a Jesus que nos envia em Missão para anunciar o Evangelho e acolhendo o grande dom do Espírito Santo, ele que é o grande segredo da nossa vida. Aquilo que a Igreja viveu em seus inícios somos chamados a viver agora, atualizando o mistério da Páscoa e de Pentecostes.
A palavra de Deus que nos é dirigida neste 6º domingo da Páscoa, nos fala da importância de guardar a Palavra. O Evangelho de João (Jo 14,23-29), Evangelho que lemos no tempo de Páscoa, assim diz: “Naquele tempo, disse Jesus a seus discípulos: ‘Se alguém me ama, guardará a minha palavra, e o meu Pai o amará, e nós viremos e faremos nele a nossa morada” (v.23). Guardar a palavra é muito mais do que decorá-la. É coloca-la no íntimo do nosso coração, da nossa vida, da nossa mente e exatamente por isso colocá-la em pratica no nosso dia a dia. É passar a viver da Palavra, que é o próprio Jesus Cristo, o Verbo que se fez carne. Somos chamados a ser morada de Deus, quanto mais ouvimos, guardamos e colocamos em prática essa Palavra.
O Evangelho deste domingo está inserido no “discurso de despedida” de Jesus. Escrito no contexto do lava pés e da última Ceia, ele é utilizado pela Liturgia para preparar os fiéis ante as solenidades da Ascensão do Senhor e a de Pentecostes. Para entender a grandeza da cena e dos relatos, uma imagem pode nos ajudar: imaginemos o líder de uma grande família que se encontra em seus últimos momentos e pede para reunir a família para apresentar suas últimas palavras, que são um resumo de todos os ensinamentos que ele tenha dado ao longo de sua vida, ao mesmo tempo que as palavras dirigidas são as essenciais e que as que gostaria de deixar marcadas para a posteridade. Pois bem, nesse discurso de despedida de Jesus, três mensagens principais: na semana passada ouvimos o relato que traz o novo mandamento de amar-nos como o Senhor nos amou. No Evangelho de hoje, outros dois princípios essenciais são enunciados: a Paz e o Paráclito.
“Deixo-vos a paz, a minha paz vos dou; mas não a dou como o mundo. Não se perturbe nem se intimide o vosso coração” (v.27). A serenidade de coração como frutos da paz nos é apresentada como consequência direta de alguém que ama o Mestre e guarda a sua palavra: “Se alguém me ama, guardará a minha palavra, e o meu Pai o amará, e nós viremos e faremos nele a nossa morada” (v.23). A paz que nos é proposta pelo Senhor não é uma paz daquele que tem uma vida tranquila, que não acontece nada, que não encontra problemas, dificuldades ou tribulações. Pelo contrário! A presença do Senhor em nós nos faz encarar todas as realidades, inclusive as mais adversas, numa atitude de paz. Uma paz interior que é fruto de alguém que sabe que tudo concorre para o bem daqueles que amam a Deus e de alguém que se sabe cuidado por Deus. Por isso, “Não se perturbe nem se intimide o vosso coração” (v.27).
Logo após, ante a realidade da ausência do mestre e o suposto medo dos discípulos que agora temem caminhar só, vem a promessa do envio de um Paráclito, palavra grega que significa Defensor, advogado, aquele que vem em socorro: “Mas o Defensor, o Espírito Santo, que o Pai enviará em meu nome, ele vos ensinará tudo e vos recordará tudo o que eu vos tenho dito” (v. 26). Jesus nos promete o dom do seu Espírito. Pela ação do Espírito iremos saborear a Palavra de Deus em nossa vida. Sabemos que tudo é Dom! Tudo é Graça!
Cristo voltará para o Pai. Agora os apóstolos, seus sucessores e todo o povo de Deus vão continuar a missão que Cristo inaugurou, de instaurar o Reino de Deus. Mas não seguirão essa missão baseados em suas forças como se fosse uma ideologia humana: o protagonismo da Missão é o Espírito Santo. O protagonista da conversão dos corações é o Espírito Santo. O protagonista da vida da Igreja é o Paráclito. Quando consideramos a palavra recordar utilizada no texto, tal termo não tem somente o sentido de fazer lembrar, mas traz também a ideia de sugerir. O Espírito Santo trará aos apóstolos não somente a memória do que Jesus fez e ensinou, mas também a capacidade de descobrir a profundidade e a riqueza do que viram e ouviram. Assim como nos recorda o Vaticano II, “os apóstolos comunicaram aos seus ouvintes o que o Senhor disse e fez com aquela maior compreensão que lhes deram os acontecimentos gloriosos de Cristo” (Dei Verbum 18).
Deixo-vos a paz, a minha paz vos dou; mas não a dou como o mundo. Não se perturbe nem se intimide o vosso coração (v.27).
Estas palavras são importantes para nós em um mundo onde já não se vive mais a fé, em que se persegue a Igreja, em que se quer desacreditar os homens de fé. Somos chamados a confiar além das nossas evidências, pois temos o dom do Espírito, que além de nos fazer compreender a mensagem que o Senhor nos entregou, age fazendo com que mesmo as coisas negativas possam se tornar oportunidades de proximidade com Deus e oportunidade de anúncio da Boa Nova. O Espírito vem em socorro de nossas fraquezas, principalmente quando parece que uma avalanche de situações adversas vem contra nós. Deus luta conosco e não contra nós, como nos recorda o papa Francisco, em suas catequeses de quarta- feira sobre o Pai Nosso.
Com o dom do Espírito Santo recebemos a paz, a reconciliação com Deus e com os outros. A paz que Jesus nos dá transcende completamente a paz deste mundo, que pode ser superficial e aparente, compatível com a injustiça. Ao contrário, a paz de Cristo é, antes de mais nada, reconciliação com Deus e entre os homens, um dos frutos do Espírito Santo.
Quando Jesus diz que o Pai é maior do que ele, está considerando sua natureza humana. Assim, enquanto homem, Jesus vai ser glorificado subindo à Direita do Pai. Cristo é igual ao Pai segundo a Divindade e menor que o Pai segundo a humanidade.
A segunda leitura deste domingo (At 15,1-2.22-29) reflete as dificuldades que existiam na comunidade. Além daquelas lutas que existem fora, há as dificuldades internas de entendimentos. Quando há tensões internas, há também a oportunidade de se reunir e de ouvir a voz do Espírito por meio daqueles que tem essa missão. E o mais importante: que a resolução das desavenças seja resolvida na comunhão e na unidade: Chegaram alguns da Judéia e ensinavam aos irmãos de Antioquia, dizendo: ‘Vós não podereis salvar-vos, se não fordes circuncidados, como ordena a Lei de Moisés.’ O conflito na comunidade era grave. O problema era: a Igreja seria uma instituição acabada à qual os outros poderia se agregar, conservando suas práticas vindas do judaísmo ou seria a Igreja um povo a ser constituído, aberto para a forma que o Espírito quiser lhe dar? O Concílio de Jerusalém, apresentado nesta passagem, confirma a prática de admitir pagãos sem passar pelas instituições judaicas. Apenas, em nome do novo princípio da caridade fraterna, os cristãos do paganismo deveriam abster-se de coisas que eram realmente um tabu para os judeu-cristãos. Não respeitar isso seria dificultar a vivência da comunidade. Permanece a primazia da caridade fraterna.
O salmo responsorial (Sl 66,2-3.5.6.8) apresenta o pedido de que todas as nações possam glorificar o Senhor. O desejo e o pedido de salvação universal apresentados neste salmo encontram seu cumprimento no envio dos Apóstolos por Jesus Cristo para que pregassem a conversão a todas as nações e na implantação da Igreja na que todos os povos se unem no louvor ao Senhor.
A leitura do Apocalipse (Ap 21,10-14.22-23) chama atenção para a Missão da Igreja, ligada ás doze tribos e aos doze apóstolos: Estava cercada por uma muralha maciça e alta, com doze portas. Sobre as portas estavam doze anjos, e nas portas estavam escritos os nomes das doze tribos de Israel. Havia três portas do lado do oriente, três portas do lado norte, três portas do lado sul e três portas do lado do ocidente. A muralha da cidade tinha doze alicerces, e sobre eles estavam escritos os nomes dos doze apóstolos do Cordeiro. Não vi templo na cidade pois o seu Templo é o próprio Senhor, o Deus Todo-poderoso, e o Cordeiro. Os nomes das tribos de Israel aqui apresentados e dos doze apóstolos expressam a continuidade entre o antigo povo eleito e a Igreja de Cristo, ao mesmo tempo que indica a novidade da Igreja, que se edifica sobre os doze apóstolos. A posição das portas simboliza a universalidade da Igreja, aquela a que as nações irão recorrer para alcançar a salvação. É curioso observar que no meio dela não há Templo, pois já não há necessidade de um sinal da morada divina, pois os bem-aventurados verão Deus e o Cordeiro Face a Face.
Chegando quase ao final do tempo Pascal, a Palavra nos lembra de acolher a Palavra, acolher a paz que Cristo nos dá, saber resolver as questões internas na comunhão do Espírito. Que deixemos que Cristo seja a luz que ilumina toda a nossa vida. Que possamos estar abertos em todos os ambientes, anunciando a presença e ação do Cristo vivo, a comunhão entre nós na acolhida e no respeito às diferenças. Que o Senhor nos dê a graça de estarmos sempre abertos às maravilhas que ele tem preparado para nós.