Cultivar a Esperança

    Continuando nossas reflexões sobre o tema do ano em nossa Arquidiocese, vemos que somos chamados a cultivar o dom que nos foi concedido, e semear testemunhando a esperança cristã com toda a sua realidade nos tempos de hoje.
    A esperança é alimentada pela coragem da pessoa que quer viver e tem motivos para fazê-lo. Coragem é a grande atitude que devemos ter, dom que recebemos para sermos testemunhas cristãs. A Sagrada Escritura é alinhavada pela atitude da coragem, pois a coragem vem do coração e independe dos fatores exteriores; pois no Senhor eu encontro a minha força (cf. Is, 5,20ss) e esta será a nossa marca, a marca dos discípulos missionários de Jesus (cf. At 4,13. 31e 34).
    Temos esperança! Não se trata de uma esperança fabricada por nós mesmos para suportar e esconder dos outros a desesperança interior. Nossa esperança não é simplória, não é tênue, não é superficial, não é vaga, não é pequena, não é medrosa, não é de ontem. Nossa esperança não se limita apenas a esta vida. Se assim fosse, eu seria, então, como explica o Apóstolo Paulo, o mais infeliz de todos os homens (cf. 1Cor 15,19). Nossa esperança atravessa o vale da sombra da morte pela mesma razão do salmista: “porque o Deus Eterno está comigo” (Sl 23,4). Sabemos que a vida eterna existe e tem um esplendor ‘que olho nenhum viu, ouvido nenhum ouviu e mente nenhuma concebeu’. 
    Não estamos decepcionados com o Messias. Se Ele não libertou Israel do jugo romano, se Ele não acabou com a injustiça, se Ele não eliminou a miséria, se Ele não destruiu a morte física, se Ele não implantou de forma visível o reino de Deus — é porque Ele veio para nos salvar, veio nos dar a Vida e a Vida em abundância (cf Jo, 101,10b), dando a toda a criatura humana a liberdade da escravidão do pecado. Estamos com João Batista: “Eis o Cordeiro de Deus” (cf. Jo 1,36). Não um cordeiro qualquer, mas o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo derramando seu sangue para nossa salvação. Como os judeus piedosos dizem: “Embora Ele demore, esperarei diariamente pela sua chegada”.
    A era messiânica começou com a vinda do Messias prometido entre nós. Porém, estamos no “já” e “ainda não”. Sabemos que ainda temos as “dores do parto” para levarmos adiante o anúncio do mundo novo. A era messiânica encerrará o pecado, a dor, a doença, a morte, o pânico, a confusão, a opressão, a injustiça, a guerra e todo o mal. Não porque eu quero assim, mas eu quero assim porque assim está escrito. Foram as Escrituras que colocaram essa esperança dentro de mim. E tudo isso combina com o caráter de Deus, o poder, o amor, a misericórdia e o triunfo de Deus.
    Não podemos perder a noção de um Deus santo e justo, revestido de autoridade e poder. Pois de injustiça estamos por demais cansados. Não nos divorciamos de Deus nem ficamos sentidos com Ele e revoltados contra Ele em razão da certeza absoluta de sua justiça e da manifestação plena dessa justiça mais na frente (cf. 1Pd 3,13).
    A esperança cristã é esperança além morte, uma esperança de vida, de complemento desta vida e não de uma outra, como se fosse uma fuga. A esperança além da morte não é tal por produzir desespero e cinismo nos confrontos dos bens presentes, mas é esperança que consente o apreciar, o agradecer, a dedicação à promoção dos bens presentes, puros na lúcida e sóbria consciência do limite (morte). Daí falarmos que a pobreza nos facilita a abrir o horizonte desde que saibamos lidar com a perda e, principalmente, se nos perdemos em Deus, como nosso marco e ponto de referência na Vida que continua na Eternidade. A Teologia contemporânea suscita um renovar de reflexão ontológica sobre temporalidade, sobre história, sobre o que é opção pelos pobres, o que é pobreza rica, principalmente nesta perspectiva de perder, de ser realmente livre, pobre de tudo, aberto para abraçar a coroa da vitória, para abraçar e encontrar a própria LIBERDADE, a JUSTIÇA, o AMOR e a PAZ. Tudo isso é a nossa grande ESPERANÇA.