Há pretérito perfeito e pretérito mais que perfeito, ou seja, em algum lugar do nosso saudosismo pátrio o passado já brilhou perfeitamente. Mas e o futuro? Teríamos possibilidades de alcançá-lo em sua perfeição. No pretérito imperfeito eu acreditava, mas no futuro do presente eu acreditarei, porém no futuro do pretérito eu acreditaria. Há aqui uma condicional. Sei que a regra numa transição é buscar as variáveis verbais e seus pronomes postos antes, no meio e posteriormente. Dizem os cultos que isso se chama próclise, mesóclise e ênclise. Pois bem, então acreditá-los-ei.
E creditar-lhes-ei. O folclore político nacional tem muitos registros até cômicos dessas variáveis. Um dia perguntaram ao grande vernaculista Jânio Quadros, presidente à jato de nossa república, por que bebia tanto? Sem pestanejar, respondeu: Bebo por que é líquido, porque se fosse sólido eu comê-lo-ia. Seus incômodos interlocutores obtiveram mais que uma simples resposta, mas também uma lição de gramática. Já o atual interino prefere uma condicional do futuro: comê-los-ei. Pelo menos é isso que se desprende de seu vernáculo culto, a volta ao futuro do presente da política nacional. Então é isso: dize-me com quem tu andas que dir-te-ei quem és.
Esse é o ponto. Saudosismo de uma cultura que se foi não resgata águas passadas. O rico e poético idioma de Camões já primou como expressão cultural de um povo. A velha e bela língua portuguesa, a última flor do Lácio, perdeu seu perfume em algum lugar de nossa história. Questão de identidade cultural e ou patriótico. Nosso linguajar se universaliza, porém acatando mais influências externas do que preservando o lirismo de nossas expressões verbais. Estamos mais susceptíveis ao modismo globalizado e – quando alguém resgata a pureza dum idioma com o qual nos comunicávamos mais objetivamente, nos entendíamos e transferíamos valores tradicionais de um povo – nos escandalizamos, ironizamos. “Sei que desagrado, mas continuarei falando assim”- comentou aquele que resgata publicamente a forma culta da língua pátria e ainda não nos disse a que veio, se vai ou se fica. O futuro, mais que perfeito, dir-nos-á. Se perfeito for…
A língua é nosso fator de unidade. Se culta ou bela, se contaminada pelos fatores da globalização, se distorcida pela negligência educacional, não importa, ainda nos entendemos. Com escuta, sem escuta, com delações premiadas ou não, com manifestações pró e contra, sem impedimentos que nos ensinaram sua forma e pronúncia inglesa, bem ou mal, deixamos um pretérito imperfeito, mas ainda não desistimos de um porvir mais perfeito. O importante é o verbo, esse que determina ações, aglutina sujeitos, requer predicados. Acreditar é o melhor deles. Esse nos oferece créditos, soma esperanças e remonta à fé, o ato da crença e o fato do mérito. Enquanto somarmos forças para preservar o que de mais precioso adquirimos dos nossos antepassados, tanto intelectual quanto moralmente, estaremos mantendo a unidade. Nosso problema não é gramatical, mas estrutural. Antes, no meio ou depois do verbo não faz diferença. Porque o Verbo já está no meio de nós, “se fez carne”, gente como nós, que grita, chora, conclama, exige, mas sobretudo, acredita. É ao redor desse verbo que conjugamos nossa história, nossas vidas. Se a questão é resgatar a cultura que nos é própria, começamos pela nossa dignidade, essa que rejeita a voz passiva de qualquer verbo. Passivo vem de paixão e indica sofrimento. Ativo, ação.
Nada mais oportuno do que fazermos de nossas vidas uma mesóclise, uma inserção ativa no Verbo por excelência, aquele que habitou entre nós. O que nos falta é uma condicional mais que perfeita: resgatá-Lo dentre nós. Quem sabe, assim, resgatar-nos-emos.