Aqueles que já passaram por uma enfermidade potencialmente fatal, conhecem o verdadeiro sentido do dito popular: “da vida, nada se leva, a não ser a vida que a gente leva”. Muito além de uma frase para “cards” de redes sociais, ela nos interpela sobre questões fundamentais: “o que estou fazendo da minha vida?”, “qual o sentido de minhas ações?”, “será que não estou priorizando o que passa, e esquecendo o essencial?”
Em 2002, quando conheci pessoalmente o Pe Léo, fundador da Comunidade Bethânia, ainda não sabia que passaria os próximos 4 anos e alguns meses me encontrando semanalmente com ele, nem que isso evoluiria para respeito, amizade, e, principalmente, não imaginava que eram seus últimos anos de vida.
Agora, 13 anos após seu falecimento, a Igreja Católica autoriza a abertura do seu processo de beatificação. Isso quer dizer que, de imediato, passa a ser considerado “Servo de Deus” e os testemunhos das graças recebidas por sua intercessão continuam a ser recolhidos à espera de uma primeira evidência, ou milagre que a ciência não consiga explicar, para que seja considerado Beato. Mais um milagre reconhecido, e ele será oficialmente Santo.
Mas, como se “faz” um santo? Respondo que os santos não são “feitos”, são reconhecidos. Pela vida que a pessoa levou, pelo rastro que deixou, pela memória que ainda resta dela e que leva a muitos a pedir sua intercessão, na certeza de que o falecido está com Deus, a Igreja se debruça sobre sua vida, seus escritos, suas palavras e pergunta: Temos aqui um santo? E espera a confirmação.
No caso dele, se dependesse exclusivamente de minha experiência pessoal, diria que a resposta é sim, temos um santo. Muito além da casca dura que apresentou publicamente em diversas situações (e lembro aqui de São Pio de Pietrelcina que também foi criticado nesse aspecto), vi atitudes assustadoras de misericórdia. Isso, assustadoras.
Do mesmo modo que me assusto quando vejo que estou redondamente enganado, quando percebo que não sei absolutamente nada do que achava que sabia, entendendo, de repente, a real situação da minha miséria. Quem nunca, confrontado por um modelo superior, percebeu como estava muito abaixo da linha mediana? Só quem não se conhece. Arrisco a dizer que, aqueles que conviveram com ele e, ainda hoje, consideram-se no “mesmo nível”, continuam a não se conhecer.
Mas, voltando à pergunta, afirmo que um santo só se faz por dentro. Onde ele se encontra na intimidade com Deus, e forja uma nova pessoa. Ou, usando a linguagem teológica, um outro Cristo. Tive a felicidade de presenciar esse momento de decisão na vida do Padre Léo.
Em 2004, ano duro da morte do seu pai e da co-fundadora da Comunidade Bethânia Juscélia Ludvig, ele disse para mim, e publicamente em suas pregações, que havia percebido que só poderia rever aqueles que amava se fosse para o céu. E para ir para o céu, precisava ser santo. Longe de ser uma promessa da boca para fora, nitidamente viveu e se aplicou, mais ainda, em busca de uma santidade absoluta, naqueles que seriam os últimos anos de sua vida. Vi na prática, alguém respondendo diariamente àquelas perguntas do início deste artigo: o que estou fazendo? O que verdadeiramente tem sentido? O que é essencial?
Que o Servo de Deus, padre Léo, interceda para que também nós respondamos concretamente a estas perguntas e, quem sabe, também a partir de nós, outros possam dizer: sim, convivi com um santo, vi como se faz.
*Flávio Crepaldi é colaborador da Fundação João Paulo II e colunista do Canal Formação, no Portal: cancaonova.com