Há 15 anos, em 13 de novembro de 2008, o Brasil e a Santa Sé assinaram um marco importante em suas relações bilaterais: o Acordo Brasil-Santa Sé, formalizando o entendimento entre o Estado brasileiro e a Igreja Católica. Ele foi ratificado pelo Congresso Nacional em 2009 tornando-se assim lei para nosso país e promulgado pelo poder executivo em 2010.
Esse acordo não foi apenas uma formalidade diplomática, mas sim um documento com grande relevância para as relações entre a Igreja e o Estado, consolidando a colaboração mútua em diversas áreas e fortalecendo o papel da Igreja Católica na sociedade brasileira. Um documentado esperado desde a proclamação da República.
Por ocasião da comemoração dos 15 anos desse acordo, a CNBB, por meio da Comissão Episcopal para o Acordo Brasil Santa Sé, realiza de 17 a 19 de setembro, em Brasília (DF), um Simpósio sobre a Laicidade do Estado e a Liberdade Religiosa. O Simpósio celebra os 15 anos do Acordo Brasil Santa Sé, documento que dá amparo aos direitos essenciais ao desenvolvimento da missão da Igreja Católica no Brasil.
Essa comissão de implantação tem a missão de refletir como implementar os temas do acordo na legislação e, também, de divulgar o Acordo entre os Assessores jurídicos da Dioceses e também fazer conhecer os termos para os juristas brasileiros. Esse Simpósio de altíssimo nível ocorre na Casa Dom Luciano em Brasília.
A celebração dos 15 anos do Acordo nos permite examinar seus impactos, significados e relevância, tanto para o Brasil quanto para a Santa Sé, em um contexto de respeito mútuo e cooperação.
O Acordo Brasil-Santa Sé surgiu em um momento de amadurecimento das relações entre a Igreja Católica e o Estado brasileiro. Embora a Igreja tivesse uma presença marcante no Brasil desde os tempos coloniais, a assinatura do Acordo em 2008 foi uma forma de consolidar, em termos jurídicos e diplomáticos, direitos e deveres que, até então, eram pautados por uma convivência não formalizada.
A Constituição de 1988 do Brasil, ao declarar o Estado como laico, consolidou a liberdade religiosa, garantindo igualdade entre as diversas expressões de fé. Um país laico é aquele que respeita e promove todas as religiões. Se fosse ateu estaria assumindo uma forma religiosa, mesmo que contra todos. O Brasil é o maior país católico do mundo, e a influência da Igreja Católica no desenvolvimento da cultura, educação, saúde e caridade no país é inegável. O Acordo veio, então, como uma necessidade de reconhecer essa influência e estabelecer parâmetros claros para a atuação da Igreja em campos como a educação, a preservação do patrimônio religioso e o trabalho de caridade. Esse acordo também promove o reconhecimento da liberdade de expressão de todas as religiões em nosso país.
De acordo com o texto do Acordo, alguns dos principais pontos tratados incluem o reconhecimento da personalidade jurídica da Igreja e suas instituições, a garantia de liberdade de culto, o respeito ao patrimônio histórico-religioso e as isenções e imunidades fiscais para atividades religiosas. Além disso, o Acordo fortaleceu o ensino religioso plural nas escolas públicas, que, embora opcional, deve ser oferecido com pluralidade de crenças, garantindo que a educação religiosa seja conduzida de maneira livre e sem imposições
Um dos principais pontos de impacto do Acordo Brasil-Santa Sé é no campo da educação. A Igreja Católica tem uma longa tradição de atuação na educação brasileira, desde o período colonial até os dias atuais, sendo responsável pela fundação de inúmeras escolas, universidades e instituições de ensino. O Acordo reafirmou o direito da Igreja de continuar a oferecer educação religiosa nas escolas públicas, em conformidade com a legislação brasileira e respeitando o caráter laico do Estado.
O Papa Francisco, em uma de suas mensagens, enfatiza o papel da educação como ferramenta de transformação: “A educação é um ato de esperança que, do presente, olha para o futuro” (mensagem em vídeo por ocasião do Simpósio na Casina Pio IV, no Vaticano, 16/12/2020). Este pensamento se reflete nas ações da Igreja no Brasil, onde a educação religiosa busca não apenas formar bons cidadãos, mas também seres humanos íntegros, comprometidos com o bem comum.
O Acordo também influenciou a preservação do patrimônio cultural e histórico religioso. A Igreja Católica possui um vasto acervo de igrejas, museus, bibliotecas e outros bens culturais que fazem parte do patrimônio histórico do Brasil. O reconhecimento do papel da Igreja na preservação desse patrimônio, muitas vezes em parceria com o governo, garantiu a continuidade de projetos que visam não apenas a preservação de bens materiais, mas também a valorização do patrimônio imaterial ligado às tradições religiosas.
Além de sua presença na educação e na cultura, a Igreja Católica no Brasil tem um papel fundamental na prestação de serviços sociais, especialmente nas áreas da saúde, assistência social e caridade. O Acordo Brasil-Santa Sé reafirma e regulamenta a atuação das organizações religiosas católicas, como as Santas Casas de Misericórdia e outras entidades de saúde, que são responsáveis por uma parcela significativa do atendimento hospitalar no Brasil, especialmente para a população mais carente.
O Papa Francisco, ao destacar a importância da solidariedade, afirmou que “a verdadeira fé no Filho de Deus feito carne é inseparável do dom de si, da pertença à comunidade, do serviço, da reconciliação com os outros” (Evangelii Gaudium 88). Esta orientação encontra ressonância na atuação da Igreja no Brasil, especialmente em projetos voltados para o acolhimento de refugiados, a defesa dos direitos dos mais vulneráveis e o combate à fome e à pobreza.
O Acordo consolidou o papel das entidades católicas que, historicamente, têm prestado esses serviços à população, reconhecendo sua importância e garantindo um marco jurídico para sua continuidade. Isso significa que a Igreja pode continuar a atuar em áreas onde o poder público nem sempre consegue chegar, levando ajuda a populações marginalizadas e promovendo a dignidade humana. A Igreja católica ao colocar-se a serviço de Cristo na pessoa do pobre tornou-se a maior organização que trabalha dom os vulneráveis e na promoção da pessoa.
Outro aspecto importante do Acordo foi o fortalecimento das relações diplomáticas entre o Brasil e a Santa Sé. As duas partes firmaram um compromisso de cooperação mútua, reconhecendo o papel da Igreja Católica como parceira na promoção de valores éticos e morais na sociedade brasileira. Ao longo desses 15 anos, o diálogo entre o governo brasileiro e a Santa Sé se intensificou, permitindo uma colaboração mais estreita em temas como a justiça social, os direitos humanos e a paz. Nestes tempos de tanto relativismo e polarização essa missão é muito importante.
O Papa Francisco, em seu pontificado, tem enfatizado a necessidade de uma Igreja em saída, que dialogue com o mundo, e isso inclui a promoção do diálogo inter-religioso e do respeito à liberdade religiosa. O Acordo Brasil-Santa Sé se alinha a esse pensamento, garantindo que a Igreja Católica tenha espaço para praticar e divulgar sua fé, ao mesmo tempo em que reafirma o compromisso do Brasil com a laicidade do Estado e a convivência pacífica entre diferentes religiões.
Ao celebrarmos os 15 anos do Acordo Brasil-Santa Sé, é importante destacar não apenas seus impactos imediatos, mas também os significados mais profundos desse marco histórico. O Acordo representa o reconhecimento do papel da Igreja Católica na sociedade brasileira, não apenas como instituição religiosa, mas como parceira ativa no desenvolvimento social, cultural e moral do país.
O Papa Francisco frequentemente nos lembra da importância da Igreja estar atenta aos sinais dos tempos. Ele nos convida a uma reflexão contínua sobre nossa missão no mundo contemporâneo, afirmando: “Não devemos ter medo de ser uma Igreja que caminha nas ruas, uma Igreja aberta e presente na vida das pessoas” (Evangelii Gaudium, 20. Esta é uma mensagem que ressoa fortemente no Brasil, onde a Igreja Católica continua a desempenhar um papel central na vida de milhões de brasileiros.
Para o futuro, o desafio é continuar fortalecendo essa relação de cooperação e respeito mútuo entre o Estado brasileiro e a Santa Sé, garantindo que o Acordo continue a ser um instrumento de promoção do bem comum, da justiça social e do diálogo inter-religioso. A Igreja, por meio de suas ações e sua comunicação, precisa continuar a ser uma força de transformação, atuando em prol dos mais vulneráveis e promovendo os valores do Evangelho em todas as esferas da sociedade.
Ao refletirmos sobre os 15 anos do Acordo Brasil-Santa Sé, percebemos que ele é muito mais do que um documento diplomático. Ele é uma expressão do compromisso entre a Igreja Católica e o Estado brasileiro em promover o bem comum, garantir a liberdade religiosa e fortalecer as bases de uma sociedade mais justa e solidária. Que possamos, nos próximos anos, continuar celebrando essa parceria frutífera e, com coragem e esperança, enfrentar os desafios do mundo moderno, sempre com o olhar voltado para a dignidade humana e o cuidado com o próximo.Parte inferior do formulário