Silvonei José – Vatican News
“Não há duas crises separadas, uma ambiental e outra social, e sim uma só e complexa crise sócio ambiental. As linhas para a solução requerem uma aproximação integral para combater a pobreza, para devolver a dignidade aos excluídos e simultaneamente para cuidar da natureza” (Papa Francisco – “Laudato Si”, 139).
Com essas palavras tem início a carta aos líderes dos países presentes na cúpula da COP26 enviada pela Conferência Eclesial da Amazônia – CEAMA e pela Rede Eclesial Amazônica – REPAM (entidades que representam a Igreja Católica no território amazônico, formado por oito países e pelo território ultramarino de Guiana Francesa que constituem o bioma da Amazônia), na qual eles se manifestam publicamente e sem ficar em silêncio frente ao evento da COP26, no qual eles estão presentes e participando.
Queremos expressar-lhes – diz a carta – nosso sentimento de desconcerto e, ao mesmo tempo, de impotência ao contemplar e experimentar o caos que vive nosso Planeta, entre outras coisas, por causa da mudança climática e suas consequências catastróficas para a humanidade e para a casa comum, como tão maravilhosamente o tem denominado o Papa Francisco (LS, 3).
Os signatários da carta cardeal Claudio Hummes, presidente da CEAMA, padre Alfredo Ferro, secretário Executivo da CEAMA, cardeal Pedro Barreto, presidente da REPAM e irmão João Gutemberg Sampaio secretário executivo da REPAM, afirmam que “como homens e mulheres de boa vontade, escutamos o grito dos pobres e também o grito da Terra que geme em dores de parto (Rm 8, 22). E é por isso que, com grande preocupação, nos dirigimos a vocês nas atuais condições em que vive nosso Planeta ameaçado e atormentado”.
Na carta recorda-se o que foi vivido e expressado em outubro de 2019, no Sínodo da Amazônia: temos “… uma consciência aguda sobre a dramática situação de destruição que atinge a Amazônia. Isto significa a destruição do território e o desaparecimento de seus habitantes, especialmente os povos indígenas. A selva amazônica é um ‘coração biológico’ para a Terra cada vez mais ameaçada. Ela se encontra numa corrida desenfreada para a morte. Ela requer mudanças radicais com suma urgência e nova direção que permita salvá-la. Está cientificamente comprovado que o desaparecimento do bioma Amazônico terá um impacto catastrófico para o conjunto do Planeta!” (Documento Final, 2).
Afirmando que a Amazônia, é um grande território de biodiversidade e de ricas culturas, sendo um lugar estratégico para a humanidade e para nosso Planeta, sublinham também que se encontra drasticamente afetada pela deterioração ambiental e pelas consequências da mudança climática, devido fundamentalmente às emissões de gases de efeito estufa.
As duas entidades enfatizam a necessidade de urgentemente lutar contra toda essa degradação numa região que “se mostra diante do mundo com todo seu esplendor, seu drama e seu mistério” (Querida Amazônia, 1). O texto evidencia ainda que a Amazônia é uma região ameaçada por diversos motivos: as políticas socioambientais de governos insensíveis e intransigentes, o modelo extrativista que impera, a desertificação que avança, o uso inapropriado do solo e sua super exploração, o desmatamento e o desprezo de nossos bosques, as queimadas indiscriminadas e em constante aumento, a contaminação das águas, além de muitos outros.
Citando uma entrevista do cardeal Claudio Hummes concedida a Europa Press em 2016, o documento destaca que “os pobres são os primeiros a pagar a conta de toda essa problemática ecológica e climática, pois terão cada vez menos acesso à água potável, à terra e ao trabalho. E também as gerações futuras, que talvez herdarão um planeta degradado, desolado e pouco a pouco inviável para a vida, o que seria muito grave”. Por isso – afirma ainda o texto da carta – “necessitamos cuidar de nossa casa comum e tomar medidas de extrema urgência diante da violência que os territórios e os povos amazônicos e suas culturas sofrem. Os impactos são imensos e todos sofremos as consequências. Já não valem mais panos quentes, promessas não cumpridas, compromissos não assumidos, nem medidas que não sejam radicais na emissão de gases e outras medidas complementares que ajudem a corrigir o Planeta e seus habitantes.
Os signatários da carta evidenciam ainda que vivemos num mundo quebrado. “É preciso começar a agir e de forma integral, para responder a toda esta realidade infernal, ratificando o Acordo de Paris e tudo o que ele implica. Todos e todas somos parte do problema, mas também da solução”.
Os membros da CEAMA E REPAM escrevem que os líderes mundiais têm em suas mãos a oportunidade de tomar providências transcendentais que revertam a grande catástrofe que se avizinha, que em parte já estamos vivendo, consequência duma série de políticas e decisões, tanto públicas como privadas. “Não podemos esperar mais, queremos ter resultados palpáveis e que conduzam a mudanças de rumo de uma vez por todas”.
Recordando que nos encontramos no risco de que o aquecimento do Planeta se eleve a 2,4°C, “necessitamos honestidade, coragem e responsabilidade, sobretudo dos países mais poderosos e contaminantes. Diante duma crise climática não se pode tolerar privilégios de alguns acima do bem comum. Não existe o direito de manter certa comodidade diante da dor e da pobreza dos outros. Esta COP26 é nossa última esperança para parar o aquecimento global a 1,5°C”.
Enfim um apelo: “esperamos que escutem a nossa súplica, bem como a de muitos povos da Amazônia que tradicionalmente cuidaram de seus territórios e hoje sentem que as opções tomadas a partir de seus países foram infrutuosas. Não podemos perder a esperança! E se a perdermos, as decisões ou opções que precisam ser tomadas deverão enfrentar de forma decidida e urgente a raiz dos problemas, para que não aconteça o que nos dizia o Prêmio Nobel de Literatura colombiano Gabriel García Márquez em sua novela “Cem anos de solidão”: “As estirpes condenadas a cem anos de solidão não tinham uma segunda oportunidade sobre a Terra”.