As Dores de Nossa Senhora

    Nesta Sexta-feira Santa, ao percorrer as ruas da cidade com a imagem de Nossa Senhora das Dores junto ao seu filho Jesus, que morreu na cruz, uma meditação que ocorre é o olhar para Maria contemplando suas dores. Também a imagem de Nossa Senhora da Piedade com seu Filho sem vida nos braços é uma oportunidade de pedir a intercessão de Maria pelas dores de seus filhos nos tempos de hoje.
    A meditação dos sofrimentos que marcaram a vida da Mãe das Dores abre os corações para acolher o grande presente da salvação que o seu Divino Filho oferece à humanidade com a sua entrega incondicional ao Pai no Calvário. Nossa Senhora é sempre Aquela que nos conduz a Cristo e, por isso, na celebração desta Semana Maior de nossa fé, mais uma vez nos valemos da sua preciosa intercessão materna, volvendo confiantes para ela o nosso olhar filial. Acreditamos ser Maria mesma quem nos toma pela mão e nos introduz na riqueza inestimável do Tríduo Pascal, ajudando-nos a celebrar frutuosamente os mistérios da Paixão, morte e ressurreição de Cristo, e a guardar suas preciosas lições que, devidamente praticadas, podem melhorar a qualidade de nossa vida cristã no caminho do discipulado e da missão.
    Jesus não explicou o porquê do sofrimento, não ensinou teorias sobre essa experiência tão desafiadora para todo ser humano. Mas, ao assumir, por amor, o caminho da paixão e morte de cruz, deu um significado às dores e provações que marcam o nosso cotidiano. Jesus transformou o sofrimento em redenção, em fonte de vida plena para a humanidade.
    Convido todos vocês, irmãos e irmãs, contemplando a veneranda imagem da Senhora das Dores, a meditar, a partir de algumas cenas descritas por São Lucas, sobre o sentido do sofrimento na vida de Maria, necessitados que somos de lidar melhor com a cruz presente em nossa vida e na vida do nosso povo. Que a bondosa Mãe da Soledade nos ensine o segredo de sua maturidade espiritual na hora das provações, e nos alcance uma fé profunda que nos permita perceber a presença e a ação de Deus também nas horas mais sombrias de nossa peregrinação neste mundo.
    Percorrendo o Evangelho da infância narrado por São Lucas, percebemos vários momentos de escuridão e perplexidade no caminho espiritual de Maria, de algum modo preparados pela observação que encerra o episódio do nascimento de Jesus e da visita dos pastores: “Maria (…) conservava cuidadosamente todos esses acontecimentos e os meditava em seu coração” (Lc 2,19).
    Parece que desde o momento do Natal, na periferia de Belém, Nossa Senhora já está vivendo o seu crescimento interior disposto por Deus. Como Mãe, deveria sentir-se no centro dos acontecimentos, mas os fatos lhe mostram que o Filho recém-nascido já, então, escapa ao seu controle, é infinitamente maior do que ela. Desde o início, aquela Criança, o fruto bendito do seu ventre, torna-se o centro da atenção e do interesse de todos. Maria é simplesmente a mãe que, ao exercer sua função, deve aprender a colocar o Filho no centro e contentar-se em ficar ao lado, cuidando Dele com todo o desvelo de seu coração. Maria deve aprender a fazer tudo para Jesus, deve aprender até mesmo a não ocupar nenhum lugar de honra e de destaque. Sua presença será sempre uma presença discreta, apontando para o seu Filho, levando todos a Jesus, deixando que Ele seja tudo para todos.
    No episódio da apresentação do Filho recém-nascido no templo de Jerusalém, encontra-se a referência mais forte ao mistério da Cruz presente na vida de Maria, quando Simeão lhe diz: “eis que este menino foi posto para a queda e o soerguimento de muitos em Israel e como um sinal de contradição – e a ti uma espada traspassará a tua alma! – para que se revelem os pensamentos íntimos de muitos corações” (Lc 2,34-35).
    É difícil determinar com clareza o significado dessa misteriosa “espada” de que fala Simeão na experiência daquela jovem Mãe. Nós, que conhecemos os evangelhos, espontaneamente pensamos que a espada é uma alusão ao momento doloroso do Calvário, em que Maria, conforme a narrativa de São João, estará ao pé da cruz. (cf. Jo 19,25) associada ativamente do martírio de Cristo. Sem dúvida, aquele foi um momento significativo, uma experiência inesquecível em que o coração da Mãe foi dolorosamente marcado pela intensa participação no mistério do sofrimento do Redentor.
    No entanto, o sentido dessa trágica espada que haveria de transpassar o coração de Nossa Senhora não se limita apenas ao momento crucial do sacrifício supremo de Jesus. O significado da espada de dor deve ser buscado no próprio contexto de toda a profecia de Simeão, no contexto inteiro do evangelho de Lucas e de toda a vida de Cristo. Simeão fala de Jesus como “sinal de contradição”, como motivo de queda e soerguimento para muitos em Israel. No Antigo Testamento, a espada é o símbolo da inimizade, da guerra e da destruição. Desse modo, podemos compreender a espada no coração de Maria como a sua participação íntima no destino de seu Filho, o profeta rejeitado, o homem das contradições, cuja vida foi marcada por toda sorte de sofrimentos até a dor mais aguda do martírio, na pena capital da morte no Calvário. A grande cruz que Maria aprendeu a carregar, de maneira heroica, foi a cruz de ver o seu querido Filho incompreendido, perseguido, caluniado, maltratado pelos adversários, jurado de morte, vítima da crueldade humana, das maquinações dos chefes do poder religioso e político. Ela participará diretamente desse sofrimento, estará totalmente envolvida no drama dilacerante da missão do Redentor, que aparecerá sempre mais como “sinal de contradição”. No entanto, ela, como mãe zelosa, não poderá socorrê-Lo, não poderá poupá-Lo dos confrontos com os adversários nem evitar a crueldade humana das dores da paixão e do martírio na cruz.
    Maria vivenciou o evangelho do sofrimento, ajudando o seu Filho a ensinar à humanidade o significado positivo da cruz e das crises da vida. A espada profética de Simeão a preparou para acompanhar todo o drama do seu Filho, vítima inocente das forças do mal que, ainda hoje, querem silenciar quem faz o bem, quem luta pela justiça, quem constrói a paz, quem é coerente com seus valores.
    Apresentemos à materna solicitude de Maria os idosos e as pessoas deprimidas, as vítimas das drogas e do alcoolismo, da violência e das injustiças sociais, as famílias que choram as vítimas de “balas perdidas”, os povos que veem seus filhos sendo martirizados por serem cristãos, os que sofrem discriminação, os deficientes físicos e mentais, os presos e os que choram seus entes queridos falecidos. Peçamos à Senhora das Dores que sustente a esperança dos desempregados, dos que lutam pelo direito à moradia, à saúde, à educação, ao emprego e salário dignos.
    Que a Senhora das Dores seja amparo para os jovens, inspiração para as famílias e apoio para as crianças e adolescentes.