“Procuremos agora delinear grandes percursos de diálogo que nos ajudem a sair da espiral de autodestruição onde estamos a afundar” (163). Este é o preâmbulo do quinto capítulo da encíclica Laudato Si, através da qual o papa Francisco surpreendeu o mundo com sua clareza de idéias e propostas bem oportunas sobre as questões sócio-ambientais da humanidade e seu mundo. Seu horizonte: “conceber o planeta como pátria e a humanidade como casa comum”.
Não, não se trata de uma simples e bela utopia religiosa. A Igreja também está inserida na realidade do mundo e, em seu magistério, pode e deve expressar sua opinião. O papa traça algumas diretrizes: “programar uma agricultura sustentável e diversificada, desenvolver formas de energias renováveis e pouco poluidoras, fomentar uma maior eficiência energética, promover uma gestão mais adequada dos recursos florestais e marinhos, garantir a todos o acesso à água potável” (164). Sabe serem tópicos já discutidos e desejados por todos, mas que tropeçam em muitos interesses escusos de minorias. Então pondera: “Enquanto aguardamos por um amplo desenvolvimento das energias renováveis, que já deveria ter começado, é legítimo optar pelo mal menor ou recorrer a soluções transitórias. A política e a indústria reagem com lentidão…” (165). “As negociações internacionais não podem avançar por causa das posições dos países que privilegiam os seus interesses nacionais sobre o bem comum global” (169).
As diretrizes da Igreja visam o homem na sua integridade, corpo e alma, matéria e espírito. Estando em harmonia com seu mundo, estará também com Deus. “A lógica que dificulta a tomada de decisões drásticas para inverter a tendência ao aquecimento global é a mesma que não permite cumprir o objetivo de erradicar a pobreza” (175). Não se pode priorizar um projeto ecológico em detrimento do social ou vice-versa. Não é o que vemos no mundo político. “Respondendo a interesses eleitorais, os governos não se aventuram facilmente a irritar a população com medidas que possam afetar o nível de consumo ou pôr em risco investimentos estrangeiros” (178). Neste aspecto, o jogo de poder põe em risco, não investimentos, mas a vida do planeta. “Se os cidadãos não controlam o poder político – nacional e municipal – também não é possível combater os danos ambientais” (179).
A transparência nas decisões é fundamental para garantir o sucesso dos empreendimentos. O diálogo com a sociedade deve prevalecer. “Em qualquer discussão sobre um empreendimento, dever-se-ia pôr uma série de perguntas, para poder discernir se o mesmo levará a um desenvolvimento verdadeiramente integral: Para que fim? Por que motivo? Onde? Quando? De que maneira? A quem ajuda? Quais são os riscos? A que preço? Quem paga as despesas e como fará?” (185). O papa não está interferindo em assunto que não é seu, ao contrário, orienta paternalmente sobre questão que diz respeito a todo ser humano. “Repito uma vez mais que a Igreja não pretende definir as questões científicas nem substituir-se à política, mas convido a um debate honesto e transparente, para que as necessidades particulares ou as ideologias não lesem o bem comum” (188). “Quando se colocam essas questões, alguns reagem acusando os outros de pretender parar, irracionalmente, o progresso e o desenvolvimento humano. Mas temos de nos convencer que, reduzir um determinado ritmo de produção e consumo, pode dar lugar a outra modalidade de progresso e desenvolvimento” (191).
.Uma solução unilateral deixa de ser solução. O desafio é isolar interesses setoriais do meio produtivo, que visam unicamente o lucro e privilegiar o bem comum. “È verdade que, hoje, alguns setores econômicos exercem mais poder do que os próprios Estados” (196). O diálogo religioso com a ciência foi, é e sempre será uma maneira de sintonizar a voz de Deus. “Os princípios éticos que a razão é capaz de perceber, sempre podem reaparecer sob distintas roupagens e expressos com linguagens diferentes, incluindo a religiosa.” (199). Porque, ”se a humanidade perde o seu rumo, será necessário insistir para que se abram novamente à graça de Deus e se nutram profundamente das próprias convicções sobre o amor, a justiça e a paz” (200). “A maior parte dos habitantes do planeta declara-se crente, e isto deveria levar as religiões a estabelecerem diálogo entre si, visando o cuidado da natureza, a defesa dos pobres, a construção duma trama de respeito e de fraternidade”, diz Francisco (201).