A multiplicação dos pães

    Todos os feitos de Jesus, registrados nos Evangelhos neste mundo são admiráveis. A primeira multiplicação dos pães (Jo 6,1-15), porém, oferece detalhes sumamente instrutivos para os seguidores do Salvador. A intenção de João ao narrar o grandioso espetáculo é eminentemente doutrinária, uma vez que não se preocupou com a precisão cronológica. A direção do mar da Galileia que tomara Jesus também não foi descrita com rigor. Cristo e seus discípulos fizeram a travessia ao norte da curva em que estava assentada Cafarnaum, a cidade então missionada pelo Filho de Deus até a costa oriental dominada ao norte por Betsaida Julíades. O evangelista, porém, com razão mostra que aquele mar da Galileia era conhecido também como mar de Tiberíades, ou seja, assim denominado em homenagem ao imperador romano naquele tempo reinante, Tibério. O entusiasmo popular com relação à figura de Jesus tinha chegado ao auge. Herodes Antipas imaginava que aquele famoso taumaturgo era João Batista que havia ressuscitado, enquanto outros estavam inclinados a vê-lo como sendo o profeta Elias. Os milagres então operados por Cristo fizeram com que a multidão que aumentara com os peregrinos que demandavam Jerusalém para a festa da Páscoa observassem a partida do meigo Rabi da Galileia. Não se contentaram em contemplar a ida dele, resolveram acompanhá-lo, mas a pé contornando o lago. Jesus, do outro lado, assentou-se com os apóstolos numa eminência do terreno vislumbrando a planície que hoje tem o nome de El-Bateha. Com a chegada do povo, Jesus se ocupou até ao entardecer em doutrinar a multidão, operando, também, novas curas dos enfermos. Seu coração se enternece ainda mais ao perceber, com a chegada da noite, que aquelas pessoas estavam sem se alimentar. Aí vem um detalhe impressionante. Ele consulta Felipe sobre a possibilidade de comprar pão para lhes dar de comer. Diz João que tal indagação era para experimentar seu seguidor. A resposta de Felipe foi ingênua, dizendo que duzentos dinheiros de pão não dariam nem um pedacinho para cada um. É que durante todo tempo em que estivera com seus discípulos, dada a fraqueza humana, Jesus teve que conviver com uma fé muito diminuta da parte deles com relação a sua onipotência. Bastaria Felipe ter dito, por exemplo, o seguinte: “Senhor, vós que tendes poder para curar tantos doentes e para ressuscitar mortos, sabeis perfeitamente como saciar a fome destas milhares de pessoas”. O expediente de André, não menos surpreendente, merece reparo. Ele disse a Jesus que havia ali jovem com cinco pães de cevada, portanto, um rapaz pobre, pois pão de cevada não era alimento de ricos, e também com dois peixes, mas logo raciocinando: “Que é isto para tanta gente”? Pode-se perfeitamente pensar que o irmão de Simão Pedro, no íntimo demonstrara mais certeza no poderio de Jesus, antevendo, quem sabe, que ele multiplicaria aqueles alimentos. Jesus foi delicado com André e deu a entender que gostou de sua ideia, pois mandou a multidão se assentar e operou a multiplicação dos pães. Eram mais de cinco mil homens, sem contar as crianças. Numa lição valiosíssima de economia os discípulos recolheram doze cestos de pedaços dos cinco pães  de cevada que sobejaram aos que tinham comido. Santo Agostinho alerta que não se detenha no exterior do prodígio, como alguém que admira uma bela caligrafia, mas não sabe ler. Cumpre todo o esforço para a compreensão deste milagre e não sua mera apreensão ocular ou imaginativa. Este Jesus, Verbo de Deus, “por quem subsistem todas as coisas”, ali alimentou o povo com uns poucos grãos de trigo e é o mesmo Verbo encarnado que se multiplica também em milhares de altares à hora soleníssima da Celebração Eucarística. No momento em que a Assembleia Litúrgica se reúne para a festa do Pão, nos instante comovedor da Missa, prodígios se operam. Um viciado em drogas, hoje inteiramente reabilitado, se tornando em São Paulo notável professor, declarou que sua conversão se deu durante sua participação numa Missa, na qual fora só para atender o convite de um amigo. Uma mudança radical se deu em sua vida! Além disto, a mensagem de economia que advém do fato dos Apóstolos terem recolhido aos pedaços de pães que sobraram, deve levar a todos a outra preocupação que é problema hídrico. A falta de água potável, mesmo a não tratada, já atinge hoje metade da população do mundo. Não se pode desperdiçar o valioso líquido. É preciso o uso racional da água, pensando nas gerações futuras e mesmo em quem vive atualmente, pois  inclusive o racionamento de água já é uma realidade no Brasil. Recolher do episódio da multiplicação dos pães todos estes ensinamentos é transformar o Evangelho numa lição de vida na prática do cotidiano de cada um! * Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.