No marco do Ano da Família Amoris Laetitia, convocado pelo Papa Francisco e que se desenvolve sob o auspício do Dicastério para os Leigos, a Família e a Vida, um grupo professores do Diplomado em Pastoral Familiar da Pontifícia Universidade Gregoriana em Roma oferecerá um webinar entre os dias 23 e 24 de abril sobre a experiência das igrejas locais quanto à prática do discernimento, um tema controvertido por ter sido objeto de um pedido formal de esclarecimento por parte de 4 cardeais da Igreja em 2016.
O evento, que poderá ser acompanhado pelo canal Youtube da Gregoriana, leva o título: Fórum sobre discernimento em âmbito familiar.
Na página da Universidade Gregoriana pode-se ler sobre o contexto e os objetivos do seminário: “Cinco anos após a publicação da Exortação Apostólica do Papa Francisco “Amoris laetitia”, o grupo de professores do Diploma de Pastoral Familiar pretende refletir sobre a experiência das Igrejas locais quanto à prática do discernimento na vida das famílias e para a vida das famílias, nas diferentes fases de planejamento, crescimento e crise”.
Os trabalhos terão início na tarde de sexta-feira, 23 de abril (16h30), com uma saudação do Cardeal Kevin Farrel , Prefeito do Dicastério para os Leigos, Família e Vida, e do Padre Nuno da Silva Gonçalves SJ, atual Reitor da Pontifícia Universidade Gregoriana.
Serão os professores do Diplomado em Pastoral Familiar da Gregoriana quem oferecerão as seguintes reflexões na sexta-feira, 23 de abril e na manhã do sábado, 24 de abril, após as saudações de Dom Dário Gervasi, Bispo referencial para a Pastoral da Família da Diocese de Roma e do Pe. Philipp Renczes SJ, Decano da Faculdade de Teologia Gregoriana terá lugar a palestra “O desafio de discernir perante as situações inéditas”, oferecida pelo responsável do diplomado na Gregoriana, Pe. Miguel Yañez.
“Optamos por abordar o tema do discernimento porque talvez seja o menos imediato a ser focado”, explica o padre Miguel Yanez.
Padre Yañez, que é professor titular da Faculdade de Teologia da Universidade Gregoriana, tem sido um dos maiores propulsores dos temas da Amoris Laetitia no âmbito acadêmico, e já se mostrou defensor da Carta Apostólica do Papa Francisco em declarações que vão na contramão das críticas feitas ao por quatro cardeais da Igreja em 2016, no episódio que ficou conhecido como os “dubia” (dúvidas em latim).
Na ocasião, os Cardeais Carlo Cafarra e Joachim Meisner (já falecidos), bem como o norte-americano Raymond Burke e Walter Brandmuller da Alemanha, pediram esclarecimento de 5 tópicos da Exortação Apostólica do Papa Francisco sobre a Família, e entre eles, encontra-se precisamente o tema do discernimento, proposto nos parágrafos 304 e 305 da Amoris Laetitia, que inauguram a parte sobre “As normas e o discernimento”.
A pergunta dos cardeais questionava se, ainda era válido o ensinamento da igreja sobre se existem normas morais absolutas, válidas e sem exceção alguma.
O fundamento deste ensinamento, sustentaram os cardeais, estaria no parágrafo 79 da encíclica Veritatis Splendor do Papa João Paulo II.
“Segundo a ‘Veritatis Splendor’ – afirmavam – no caso de ações intrinsicamente más não é necessário nenhum discernimento das circunstâncias ou das intenções”.
Por sua parte, em entrevista publicada pelo site Religión Digital em 2016, disponível também em português, o jesuíta Miguel Yañez, toma distância da aproximação dos quatro Cardeais que pediram mais claridade ao Papa, afirmando que a Amoris Laetitia, na verdade, “apresenta luzes” sobre o tema do discernimento.
Ao ser perguntado “Que luzes o documento traz sobre o discernimento?”, Yañez respondeu: “O documento apresenta luzes e, sobretudo, apresenta desafios. Apresenta um chamado à responsabilidade. Há frases muito fortes a respeito dos ministros… para que posam levar adiante este desejo do Papa que nos convida a uma Igreja concretamente em saída. Justamente, o critério é o da abertura, o critério é o da compreensão, da misericórdia. Misericórdia significa saber compreender o outro, não o julgar, mas, ao contrário, compreender a situação na qual se encontra, ainda que seja uma situação de pecado. Deus não nos olha com um olhar de discriminação, mas com um olhar compassivo. Nós, pastores, temos que aprender dessa visão de Jesus”.
O Padre Yañez também afirmou se mostrou contrário à fundamentação da primeira dúvida dos cardeais, que trata de uma alegada contradição entre o tema do discernimento proposto no parágrafo 305 da Amoris Laetitia e a abordagem do mesmo no numeral 84 da Exortação Familiaris Consortio de João Paulo II.
Os 4 cardeais das dubia veem contradição entre os dois documentos no que diz respeito ao discernimento. O padre Yañez, à sua vez, parece perceber consonância entre ambas exortações ao afirmar: “A Familiaris Consortio reúne a teologia de João Paulo II do corpo humano sobre o matrimônio também da Humanae Vitae. Francisco reúne toda esta herança do magistério conciliar e pós-conciliar com a sua característica: vendo a partir da perspectiva pastoral e em função de uma pastoral”.
Segundo padre Yañez, o Papa Francisco “prolongou” o numeral 84 da Encíclica Familiaris Consortio, e não o contradisse, como indagaram os cardeais citados.
“O discernimento, que é uma das chaves de interpretação do documento, que já está no número 84 da Familiaris Consortio, Francisco o prolonga, procurando ver de que modo podem ser aplicadas algumas normas nos casos que são chamados de irregulares. De tal maneira que oferecendo um critério, que é o de integração, possa se integrar a maior quantidade de pessoas e de situações possíveis dentro da Igreja”, sustentou o professor Yañez.
Recorda-se que no parágrafo 84 da Exortação Familiaris Consortio, São João Paulo II dá critérios objetivos para os casos irregulares e não deixa sujeito ao discernimento o acesso dos casais em nova união aos sacramentos: “A Igreja, contudo, reafirma a sua práxis, fundada na Sagrada Escritura, de não admitir à comunhão eucarística os divorciados que contraíram nova união. Não podem ser admitidos, do momento em que o seu estado e condições de vida contradizem objectivamente aquela união de amor entre Cristo e a Igreja, significada e actuada na Eucaristia. Há, além disso, um outro peculiar motivo pastoral: se se admitissem estas pessoas à Eucaristia, os fiéis seriam induzidos em erro e confusão acerca da doutrina da Igreja sobre a indissolubilidade do matrimónio”.
O Papa Francisco não respondeu às dúvidas dos cardeais, e rebateu críticos da Amoris Laetitia em um colóquio com padres jesuítas na Colômbia, quando visitou o país em 2017, ao afirmar: “Gostaria de reiterar de forma clara que a moralidade de Amoris Laetitia é tomista, a moralidade do grande Tomás”.
“Quero afirmar isso para que possam ajudar quem acredita que a moral é puramente casuística. Ajudem-nos a entender que o grande Tomás de Aquino possui a maior riqueza, que nos inspira até hoje”, disse o Papa aos jesuítas colombianos em um texto publicado na revista La Civiltà Cattolica.