Além da Crise/2: “A ocasião para colocar a nossa vida em ordem”

O novo artigo do Padre Lombardi convida a olhar o futuro que nos espera: o tempo para o Senhor, redescoberto durante a emergência, é uma fonte de significado para toda a nossa existência.

FEDERICO LOMBARDI

Uma das primeiras observações que o Papa Francisco faz na Encíclica Laudato si’, olhando “o que está acontecendo em nossa casa”, diz respeito à “aceleração”, ou seja, a aceleração contínua das mudanças na humanidade e no Planeta, junto com a  intensificação dos ritmos de vida e de trabalho. Ele observa que essa velocidade contrasta com os tempos naturais da evolução biológica e se pergunta se os objetivos das mudanças estão orientados para o bem comum e o desenvolvimento humano, integral e sustentável.

Todos nós que atingimos uma certa idade, olhando para o breve tempo de nossa vida, muitas vezes constatamos a quantidade de coisas que vimos mudar completamente e que, depois de um ciclo breve de anos, mudaram novamente. Felizmente, muitas coisas mudaram para melhor, como as condições de vida de muitas pessoas pobres, as possibilidades de tratamento e operações cirúrgicas, movimentos livres, educação, informação e comunicação. Mas, ao mesmo tempo, a obsolescência de muitos bens foi acelerada muito além do necessário, apenas para alimentar o desenvolvimento econômico e os lucros de certos setores. A publicidade impele obsessivamente ao desejo de novidades supérfluas, criando uma verdadeira dependência que faz com que o produto mais recente pareça necessário. Portanto, em muitos campos, a aceleração da mudança corre o risco de se tornar um fim em si mesma, uma escravidão e não um progresso. Parece claro que foi tomada a estrada de um ritmo insustentável, que mais cedo ou mais tarde irá se romper, como nos indicam os riscos ambientais extremamente graves.

Por sua vez, muitas pessoas ativas, bem inseridas no funcionamento do mundo moderno com papéis relevantes, geralmente estão envolvidas em ritmos de atividade muito intensos, para não dizer frenéticos. Frequentemente elas participam com paixão e bom gosto, exceto quando percebem que pagam um preço muito alto em termos de relações humanas e familiares, afetivas e equilíbrio geral da personalidade.

Agora, essa corrida cada vez mais acelerada sofreu um choque formidável. Os índices de atividades econômicas estão abalados, as nossas agendas foram revolucionadas, compromissos e viagens cancelados. Para muitas pessoas, o tempo se esvaziou e elas ficaram desorientadas.

Sim… o tempo… Como viver? Para que serve isso no final? Há o tempo da atividade, mas também o tempo da expectativa cheia de alegria, o tempo de estar juntos e do querer bem ao outro, o tempo de contemplar a beleza, o tempo de longas noites sem dormir, de espera no sofrimento… Há também a possibilidade de perder muito tempo inutilmente, amargurados por uma sensação de inutilidade e vazio… Há também o tempo para estar consigo mesmo… Há também o tempo para estar com Deus? Quando estamos cheios de vida, empurramos muitas vezes Deus para as margens da existência, porque encontramos várias coisas para fazer primeiro, que parecem mais urgentes ou agradáveis, enquanto estar diante do Senhor pode ser adiado.

Para muitas pessoas, esse tempo estranho de permanecer em casa por causa da pandemia foi um período de redescoberta da oração. Alguém se pergunta se a possibilidade reduzida de ir à igreja afetará negativamente a fé e a vida espiritual; mas também pode ser um momento em que, como Jesus disse à samaritana, aprendemos a adorar o Senhor em espírito e verdade em todo lugar, mesmo na casa em que somos obrigados a ficar, mesmo na forçada inatividade exterior. Jesus acrescenta que o Espírito sopra em toda parte e onde quer, mas sem excluir que  também nós podemos oferecer-lhe oportunidades e maneiras de soprar, ajudando-nos de mil maneiras a manter viva a presença de Deus no horizonte de nosso tempo, com o testemunho, a palavra e a proximidade na caridade.

O tempo para o Senhor pode parecer marginal durante o dia, mas, na realidade, é aquele a partir do qual pode jorrar uma fonte de significado e ordem para todo o resto de nossa vida à luz do Evangelho. O que foi bom nos meus dias, nesse meu dia? Com que espírito vivi minhas relações com as pessoas que me foram confiadas ou que encontrei? Todos nós já ouvimos falar do “exame da consciência” para nos colocar diante de Deus e, assim, restabelecer a ordem em nossa vida. Mas muitas vezes esquecemos. A pandemia que abalou os ritmos de nossas vidas não é talvez uma ocasião inesperada para reorganizá-los a fim de que encontrem o seu propósito e significado? Apenas para nós ou também para a nossa comunidade humana?

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