Acolher

    A liturgia deste 16º Domingo do Tempo Comum é marcada pela reflexão sobre a realidade do acolhimento. O acolhimento do outro é reflexo do acolhimento que fazemos do próprio Cristo. O acolher faz com que as coisas aconteçam e se renovem cada dia mais. Não renove somente nossas vidas, mas renove também todo o mundo e todas as circunstâncias ao nosso redor.

    Há, ao nosso redor, muitas técnicas de acolhimento que são ensinadas. Há empresas que oferecem a altos preços técnicas para isso. No caso dos cristãos, não nos referimos a isso. Nós nos referimos à capacidade de poder ver Cristo na presença do outro que vem até nós. Poder fazer isso de coração aberto não por uma motivação profissional, mas por vivenciar a fraternidade. Assim como Jesus que acolhia a todos e era julgado e criticado, também nós o somos e seremos, sendo acusados de preferir umas mais que outras, sendo julgados por acolher gente de “má vida”. Mas a Palavra de Deus é muito clara em suas considerações sobre esse assunto.

    Acolher o outro é algo que vem do encontro com o Senhor. Quanto mais acolhemos o Senhor em nossas vidas, mais saberemos acolher também a vida do outro. Uma grande dificuldade que se apresenta hoje em uma sociedade individualista, padronizada e padronizante, é acolher o outro em suas necessidades, em sua singularidade e em sua integridade. Nossos espaços paroquiais, nossas secretarias, são muitas vezes marcadas pela frieza e pela burocratização em relação ao que vem, ao novo que se aproxima.

    O Evangelho deste domingo nos recorda (Lc 10, 38-42): Naquele tempo: Jesus entrou num povoado, e certa mulher, de nome Marta, recebeu-o em sua casa. Sua irmã, chamada Maria, sentou-se aos pés do Senhor, e escutava a sua palavra. Marta, porém, estava ocupada com muitos afazeres. Ela aproximou-se e disse: ‘Senhor, não te importas que minha irmã me deixe sozinha, com todo o serviço? Manda que ela me venha ajudar!’ O Senhor, porém, lhe respondeu: ‘Marta, Marta! Tu te preocupas e andas agitada por muitas coisas. Porém, uma só coisa é necessária. Maria escolheu a melhor parte e esta não lhe será tirada.’ Por muito tempo, a passagem de Marta e Maria foi vista como referência da vida contemplativa (Maria) e da vida ativa (Marta). Na verdade, em todas as vidas nós temos as marcas de Marta e Maria. Na vida do missionário é necessário agir como Maria: parar, escutar, colocar-se aos pés do Senhor, como a vida do contemplativo deve também se traduzir em obras.  A grande questão, que poderia até se tornar um problema, é quando essas realidades complementares não combinam dentro de nós: quando esquecemos de fazer o bem, de acolher bem as pessoas, ou às vezes não acolhemos por estar imerso em nossos trabalhos ou imersos demais em nós mesmos. O equilíbrio entre Marta e Maria mostra essa necessidade de ser aqueles que tem iniciativa e preparam as coisas, como também ser aqueles que param para escutar e se colocam atentos para acolher interiormente.

    O Evangelho nos fala em várias ocasiões desses três irmãos: Lázaro, Maria e Marta, com quem Jesus tinha contato de amizade. As palavras de Jesus não se apresentam tanto como uma reprovação à atitude de Marta, mas sim um elogio da atitude de Maria, que escuta a palavra do Senhor, segundo comenta S. Agostinho: “Uma se agitava, outra se alimentava. Uma fazia muitas coisas. Outra estava atenta em fazer somente uma. As duas ocupações eram boas.” Alguns autores identificaram em Marta o símbolo da vida da terra e Maria a vida do céu. Outras vezes consideraram Marta como símbolo da vida ativa e Maria da contemplativa.  Na Igreja, há diversas vocações, mas ação e contemplação devem estar presentes em toda a vida cristã. Cada cristão batizado está chamado a alcançar uma unidade de vida em que contato com Deus e fidelidade à vocação e missão se harmonizam. Uma vida ativa que se esquece da união com Deus acaba sendo estéril. Uma vida que pode ser chamada de oração, mas que deixe de lado a missão também deve ser completada. O segredo está em saber unir as duas vidas. Essa união profunda entre ação e contemplação pode ser vivida de diversas formas, segundo a vocação concreta que cada um recebe de Deus. O cristão, seguindo este ensinamento do Senhor, deve se esforçar em alcançar esta unidade de vida: vida de intensa piedade e ação orientada para Deus, feita por amor e com retidão de intenção, que se manifestará na missão, nos deveres profissionais e na santificação da vida do dia a dia.

    Devemos examinar nossas vidas a cada dia e constatar se deixamos ou não um tempo para escutar o Senhor e de preparação para acolher Jesus no outro. Isso faz toda a diferença onde exercemos nossas relações sociais: nossas casas, nossos escritórios, nossos ambientes de trabalho e lazer, nossas secretarias paroquiais e etc. Quanto mais escutamos o Senhor mais estaremos aptos para acolher a pessoa e a integridade do outro. Acolher o Senhor e saber-se acolhido por Ele faz toda a diferença em nosso modo de agir em meio aos homens: Assim como o Senhor nos acolhe como somos, de maneira íntegra, somos chamados a acolher o outro como ele é, não fazendo do outro uma projeção de nossas realidades internas, mas aceitando-o em sua singularidade.

    A leitura do Gênesis, que será proclamada como primeira leitura desse 16º domingo (Gn 18, 1-10ª) fala de um belo episódio, que coloca em evidência esta atitude de acolhida do Senhor que vem a nós na simplicidade da vida cotidiana: “Naqueles dias: O Senhor apareceu a Abraão junto ao carvalho de Mambré, quando ele estava sentado à entrada da sua tenda, no maior calor do dia. Levantando os olhos, Abraão viu três homens de pé, perto dele. Assim que os viu, correu ao seu encontro e prostrou-se por terra. E disse: ‘Meu Senhor, se ganhei tua amizade, peço-te que não prossigas viagem, sem parar junto a mim, teu servo”. (Gen 18, 1-3). Não passes sem te deteres, Senhor! “Eu tenho medo do Cristo que passa sem que eu o perceba”, já nos recordava Santo Agostinho. Passe em minha vida, Senhor e fica comigo! Sabemos quando acontece isso e de que maneira o Senhor passa em nossa vida. Estejamos sempre preparados para acolher o Senhor que passa. Mandarei trazer um pouco de água para vos lavar os pés, e descansareis debaixo da árvore. Farei servir um pouco de pão para refazerdes vossas forças, antes de continuar a viagem. Pois foi para isso mesmo que vos aproximastes do vosso servo’. Eles responderam: ‘Faze como disseste’. Abraão entrou logo na tenda, onde estava Sara e lhe disse: ‘Toma depressa três medidas da mais fina farinha, amassa alguns pães e assa-os’. Depois, Abraão correu até o rebanho, pegou um bezerro dos mais tenros e melhores, e deu-o a um criado, para que o preparasse sem demora. A seguir, foi buscar coalhada, leite e o bezerro assado, e pôs tudo diante deles. Abraão, porém, permaneceu de pé, junto deles, debaixo da árvore, enquanto comiam. E eles lhe perguntaram: ‘Onde está Sara, tua mulher?’ – ‘Está na tenda’, respondeu ele. E um deles disse: ‘Voltarei, sem falta, no ano que vem, por este tempo, e Sara, tua mulher, já terá um filho (Gn 18, 4-10a). Contemplamos o estabelecimento da grande promessa feita a Abraão. Ele não podia imaginar que dessa passagem por sua tenda, receberia essa profecia que mudaria sua vida e marcaria essencialmente a história do povo de Israel. Não sabemos como as coisas acontecem. Por isso, o importante é fazermos bem todas as coisas e estarmos atentos para acolher o Senhor que passa em nossas vidas nas formas e nos momentos mais inesperados, através de pessoas, momentos e acontecimentos. O acolhimento do outro surpreende e faz maravilhas.

    A resposta do Salmo é uma oração de súplica: Senhor, quem morará em vossa casa? É aquele que caminha sem pecado e pratica a justiça fielmente; que pensa a verdade no seu íntimo e não solta em calúnias sua língua.  Que em nada prejudica o seu irmão, nem cobre de insultos seu vizinho; que não dá valor algum ao homem ímpio, mas honra os que respeitam o Senhor (Sal 14/15).

    Acolher o outro, acolher Jesus, tendo tempo de escutá-lo e preparar essa acolhida. Acolher o outro como Abraão acolheu o Senhor na entrada de sua tenda, recebendo o anúncio da profecia que lhe havia sido dada no passado.

    A segunda leitura nos anuncia (Cl 1, 24-28): “Nós O anunciamos, admoestando a todos e ensinando a todos, com toda sabedoria, para a todos tornar perfeitos em sua união com Cristo” (Cl 1, 28). O apóstolo vem anunciando já a perspectiva de uma união com Cristo, união esta que vai renovando a nossa própria vida. Vai ainda nos lembrar nesta carta: “Alegro-me de tudo o que já sofri por vós e procuro completar na minha própria carne o que falta das tribulações de Cristo, em solidariedade com o seu corpo, isto é, a Igreja. A ela eu sirvo, exercendo o cargo que Deus me confiou de vos transmitir a palavra de Deus em sua plenitude: o mistério escondido por séculos e gerações, mas agora revelado aos seus santos. A estes Deus quis manifestar como é rico e glorioso entre as nações este mistério: a presença de Cristo em vós, a esperança da glória. Nós o anunciamos, admoestando a todos e ensinando a todos, com toda sabedoria, para a todos tornar perfeitos em sua união com Cristo.” Anunciar, proclamar, é também acolher bem. Acolher este mistério de estar com o Senhor, de preparar-se para o Senhor, recebendo e tornando atual a salvação que o Senhor nos conquistou com sua morte e ressurreição.

    Como é que acolhemos o outro? Como acolhemos o Cristo no outro? Como acolhemos Cristo que vem a nós? Eis aí uma necessidade de aprofundar esse chamado do Senhor a estarmos sempre atentos para sermos um Igreja acolhedora, que não acolhe somente aqueles que vem a ela, mas também aquela que vai ao encontro de todas as pessoas, ali onde elas se encontram, ali onde sofrem em passam por tribulações e dificuldades.

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