Não é fácil entender uma Carta Magna que declara a vida como um direito inviolável – com exceção da vida dos nascituros
“Deixai que as criancinhas venham a mim” (Mt 19, 14): esta é uma das muitas alusões que Jesus faz às crianças no Evangelho. É como se, propositalmente, Ele quisesse nos fazer entender o lugar que cada criança ocupa no seu coração e no coração de Deus Pai.
Não é por acaso que hoje existem campanhas de defesa da vida, da educação, do bem-estar e da integridade física e emocional de todos estes pequenos no mundo inteiro. Os direitos das crianças estão acima dos direitos dos adultos, a quem corresponde protegê-las.
Apesar de tudo isso, testemunhamos inúmeras ações que atentam contra a vida das crianças. Desde antes de nascer, seu direito de viver é violado, pois se considera mais importante o direito à saúde ou “honra” da mãe.
A manipulada e eufemística linguagem dos que afirmam que no óvulo fecundado há vida, mas não existe um ser humano, ou dos que falam de “limpeza uterina”, mas não de aborto, para não atormentar a própria consciência, leva a ideias cada vez mais fortes nas legislações de muitos países que se declaram modernos e laicistas (como contraposição à Igreja ou às diversas confissões religiosas, como se a fé fosse contra a lógica ou ameaçasse a liberdade humana).
Antes, os abortos eram praticados de maneira clandestina, e o medo de ser julgados pela lei levava muitas pessoas a camuflar-se nas clínicas de aborto. Hoje, com a garantia da própria lei (que estabelece na Constituição a defesa da vida e o direito a ela), defende-se a interrupção da gravidez em diversos casos: má-formação, risco de vida para a mãe, estupro.
Parece que todos têm direito de viver, menos os não nascidos. Este é o jogo do Estado frente a uma Constituição que cheira a hipocrisia. Não é fácil entender uma Carta Magna que declara a vida como um direito inviolável, com exceção da vida dos não nascidos.
Ainda assim, muitos continuam praticando abortos clandestinos, talvez por saber que, ainda que a lei permita, o coração dita outra coisa. É mais fácil optar pela clandestinidade, para não ter de enfrentar a censura moral externa nem ter de explicar a ninguém os motivos da decisão.
O fato de uma ação ser legal não significa que ela seja moralmente boa. O consenso, a democracia, a tomada de decisões generalizadas não muda o objeto da ação. O aborto sempre será um crime – a razão e o instinto humanos sabem isso perfeitamente. Ainda que se conte com o aval de um juiz, a pessoa carregará nos ombros e na consciência o peso de uma vida interrompida.
O aborto é a clara manifestação da degradação da consciência, da ruptura dos valores humanos, que antes reconheciam que a vida está acima de tudo, mas hoje concebem o livre arbítrio, a comodidade e o prazer como os verdadeiros referenciais da existência.
Como se não bastasse, todos os que defendem a vida da concepção até a morte natural são considerados como uma “seita minoritária” e atacados pelo fato de buscarem ser a voz dos que não têm voz; são declarados intolerantes por aqueles que acham que sua liberdade vale uma vida alheia e que ninguém tem o direito de interferir em suas funestas decisões.
Nosso mundo é estranho: uns buscam mil maneiras de evitar filhos, optando inclusive pelo aborto, enquanto outros procuram concebê-los a qualquer preço, com técnicas de reprodução assistida – porque o filho é entendido como um direito, não como um dom.
E aqui reside o engano de muitos, pois o outro é concebido como um objeto a ser adquirido. Parece que o mundo já não precisa do anúncio do final dos tempos, porque nós mesmos estamos causando a condenação e o desaparecimento da raça humana.
Fonte: Aleteia