Rui Saraiva – Porto
O tempo de pandemia que estamos a viver tem sido momento propício à leitura e à reflexão. Nesse sentido, propomos aqui o essencial da parte final do texto do Papa dirigido aos jovens na sua Exortação Apostólica “Christus Vivit”, “Cristo Vive”. Francisco propõe um tema fundamental: o discernimento. Para que seja possível suscitar e acompanhar nos jovens a alegria da vocação.
Exercitar a consciência
Francisco, no último andamento da sua Exortação aos jovens de todo o mundo, após o Sínodo dos Bispos de 2018, dedica o capítulo IX ao discernimento. Depois de ter abordado no capítulo VIII o tema da vocação, o Santo Padre desenvolve, nesta derradeira parte do seu texto pós-sinodal a importância da atitude do discernimento:
“Sem a sapiência do discernimento, podemos facilmente transformar-nos em marionetas à mercê das tendências da ocasião». E «isto revela-se particularmente importante, quando aparece uma novidade na própria vida, sendo necessário então discernir se é o vinho novo que vem de Deus ou uma novidade enganadora do espírito do mundo ou do espírito maligno» – diz o Papa.
O Papa afirma ainda que o discernimento significa “entrever o mistério” do “projeto único e irrepetível” de Deus. Francisco recorda a importância do “exame de consciência”: “um exercício no qual não se trata apenas de identificar os pecados, mas também de reconhecer a obra de Deus na própria experiência diária, nas vicissitudes da história e das culturas onde se está inserido, no testemunho de muitos outros homens e mulheres que nos precederam ou acompanham com a sua sabedoria” – escreve o Papa.
Como discernir a tua vocação
O Santo Padre no seu texto refere que para discernir uma vocação é preciso ter “espaços de solidão e silêncio”. Um silêncio que não seja uma forma de isolamento, mas um “discernimento orante” que se predisponha a escutar “o Senhor, os outros, a própria realidade” – diz o Papa.
“Quando se trata de discernir a própria vocação, há várias perguntas que é preciso colocar-se” – lembra o Papa. Conheço-me a mim mesmo, para além das aparências ou das minhas sensações? Sei o que alegra ou entristece o meu coração? Quais são os meus pontos fortes e as minhas fragilidades? E, logo a seguir, vêm outras perguntas: Como posso servir melhor e ser mais útil ao mundo e à Igreja? Qual é o meu lugar nesta terra? Que poderia eu oferecer à sociedade? E surgem imediatamente outras muito realistas: Tenho as capacidades necessárias para prestar este serviço? Em caso negativo, poderei adquiri-las e desenvolvê-las?” – pergunta Francisco na sua Exortação.
O chamamento do Amigo
“Para discernir a própria vocação, é preciso reconhecer que a mesma é o chamamento dum amigo: Jesus” – lembra o Santo Padre sublinhando que a um amigo não se dá necessariamente a prenda mais cara, mas aquela que “dará alegria ao outro”. E para isso é preciso discernir a amizade: “Este discernimento de amizade é o que proponho aos jovens como modelo se quiserem compreender qual é a vontade de Deus para a sua vida” – escreve o Papa.
O Santo Padre salienta que “quando o Senhor suscita uma vocação, não pensa apenas no que és, mas em tudo o que poderás, juntamente com Ele e os outros, chegar a ser”.
O Papa afirma ainda que “antes de toda a lei e dever, aquilo que Jesus nos propõe escolher é um seguimento como o de amigos que se frequentam, procuram e encontram por pura amizade. Tudo o mais vem depois; e até os fracassos da vida poderão ser uma experiência inestimável de tal amizade que não se rompe jamais” – diz Francisco.
Escuta e acompanhamento
Num dos últimos números da sua Exortação aos jovens o Papa sublinha que “há sacerdotes, religiosos, religiosas, leigos, profissionais e até jovens qualificados, que podem acompanhar os jovens no seu discernimento vocacional. Quando nos toca ajudar o outro a discernir o caminho da sua vida, a primeira coisa a fazer é ouvir” – afirma o Santo Padre. Francisco declara que “a escuta pressupõe três sensibilidades”:
“A primeira sensibilidade ou atenção é à pessoa” – escreve o Papa sublinhando que “o sinal desta escuta é o tempo que dedico ao outro”. “Não é questão de quantidade, mas de que o outro sinta que o meu tempo é dele” – diz o Santo Padre.
“A segunda sensibilidade ou atenção é no discernir. Trata-se de individuar o ponto certo onde se discerne o que é a graça e o que é tentação” – escreve o Papa propondo algumas questões para fazer refletir aquele que escuta: “O que é que, exatamente, me está a dizer esta pessoa? Que me quer dizer? Que deseja ela que eu compreenda do que lhe acontece? São perguntas que ajudam a entender onde se ligam os argumentos que movem o outro, e a sentir o peso e o ritmo dos seus afetos influenciados por esta lógica” – escreve Francisco.
O Papa propõe uma “terceira sensibilidade” ou atenção que “consiste em escutar os impulsos” que o outro experimenta andando em frente. É a escuta profunda do ponto «para onde o outro quer verdadeiramente ir»” – diz o Santo Padre.
No final da sua Exortação Apostólica aos jovens, o Papa declara que “o discernimento” é “um instrumento de compromisso forte para seguir melhor o Senhor”. Francisco afirma a necessidade de não se “impor percursos” mas “suscitar e acompanhar processos”.
“Trata-se de processos de pessoas, que sempre são únicas e livres” – salienta o Papa que conclui o seu texto dizendo aos jovens: “A Igreja precisa do vosso ímpeto, das vossas intuições, da vossa fé. Nós temos necessidade disto! E quando chegardes aonde nós ainda não chegamos, tende a paciência de esperar por nós” – escreve Francisco.
Laudetur Iesus Christus