Comemoramos no dia 19 de junho o Dia Mundial do Refugiado, em âmbito civil, e no dia 21 de junho, o Dia Mundial do Migrante e Refugiado, em âmbito da Igreja, e recebemos a mensagem especial do Papa Francisco para este dia. Estamos também na 30ª Semana Nacional do Migrante.
Esta oportunidade nos dá a possibilidade de partilhar preocupações comuns da Igreja com a Sociedade que acolhe os refugiados e migrantes. O fenômeno das migrações no mundo sempre foi algo preocupante pelas graves implicações humanas, sociais, políticas, econômicas, culturais e religiosas que provocam. A questão dos refugiados agravou-se em nosso tempo, dando origem a uma crise humanitária que se multiplica em várias regiões do mundo, tendo frequentemente como motivo a perseguição política, religiosa e étnica, como também por questões sociais e provocando ondas de terror, intimidação e violência. Representa um grande desafio à comunidade nacional e internacional.
Dirigindo-se a um grupo de cristãos refugiados em uma igreja de Erbil, após fugir do avanço jihadista no Iraque, o Papa Francisco enviou-lhes uma mensagem por ocasião do Natal de 2014, dizendo-lhes que são “como Jesus”, pois “ele também foi expulso e teve que fugir ao Egito para salvar-se”.
Realmente, para os cristãos de vastas regiões do Oriente Médio e da África, o sofrimento de Jesus Cristo tem se reproduzido em suas vidas de tal modo que podemos encontrar no seu testemunho a continuidade do martírio que sempre acompanhou a caminhada da Igreja desde os seus primórdios.
Recorda-nos o Papa Francisco em sua Mensagem para o Dia Mundial do Migrante e do Refugiado – 2015, no qual considero que o Sumo Pontífice resumiu de maneira objetiva e, ao mesmo tempo com sensibilidade, a situação que o mundo atravessa:
“Com efeito, numa época de tão vastas migrações, um grande número de pessoas deixa os locais de origem para empreender a arriscada viagem da esperança com uma bagagem cheia de desejos e medos, à procura de condições de vida mais humanas. Não raro, porém, estes movimentos migratórios suscitam desconfiança e hostilidade, inclusive nas comunidades eclesiais, mesmo antes de se conhecer as histórias de vida, de perseguição ou de miséria das pessoas envolvidas. Neste caso, as suspeitas e preconceitos estão em contraste com o mandamento bíblico de acolher, com respeito e solidariedade, o estrangeiro necessitado”.
Na Arquidiocese do Rio de Janeiro temos o trabalho com os migrantes internacionais organizado pela Pastoral dos Migrantes, que procura acolher, encaminhar, orientar os que vêm de outros países para aqui viver. Além disso, temos as migrações internas, que é um trabalho que as pastorais sociais da Arquidiocese conduzem com muita clareza e caridade. Os problemas dos desalojados e problemas de habitação na grande cidade estão com a Pastoral das Favelas e também com o Vicariato da Caridade Social que, de uma certa forma, congregam todas as várias situações sociais da Arquidiocese.
Para o trabalho com os refugiados, de longa data já temos a Caritas Arquidiocesana, que, com seus relacionamentos nacionais e internacionais, procura responder às necessidades daqueles que para cá vêm movidos por situações de injustiça ou perseguição. Porém, de maneira extraordinária, a Caritas também tem atuado com os migrantes do Haiti, procurando acolhê-los e encaminhá-los.
Tudo isso é feito com o pano de fundo cristão, vivenciado nossa identidade católica que procura amar o próximo e acolher Cristo no próximo sem fazer proselitismo, respeitando a fé daqueles que aqui aportam. Queremos fazer o bem como cristãos, porém respeitando a diversidade cultural e religiosa de cada pessoa. Como cristãos vamos além da lei do refugiado, pois procuramos colocar em prática o mandamento de Jesus de amor ao próximo.
Fazendo uma breve abordagem sobre a situação dos refugiados no mundo, e segundo dados do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados, divulgados por ocasião do Dia Mundial dos Refugiados do ano passado, temos informação de que existe no mundo um total de 51.2 milhões de deslocados forçados, que representa um grande número de pessoas necessitadas de ajuda, com implicações tanto para os orçamentos de ajuda internacional de doadores das nações mundiais, como para a absorção e as capacidades de hospedagem dos países que se encontram na linha de frente das crises de refugiados.
Os dados de deslocamentos abarcam refugiados, requerentes de asilo e deslocados internos. Entre esses, o número de refugiados totalizou 16.7 milhões de pessoas no mundo, dos quais 11.7 milhões estão sob os cuidados do ACNUR e o restante está sob os auspícios da Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina (UNRWA). Este total é o mais alto do ACNUR desde 2001. Vale acrescentar que mais da metade dos refugiados sob os cuidados do ACNUR (6.3 milhões) estavam, no final de 2013, no exílio há mais de cinco anos.
No geral, as maiores populações de refugiados sob os cuidados do ACNUR por país de origem são afegãos, sírios e somalis – que juntos representam mais da metade do total mundial de refugiados. Paquistão, Irã e Líbano, por sua vez, acolhem mais refugiados que outros países.
Agrava-se nestes últimos tempos a catástrofe humana de milhares de migrantes e refugiados que padecem em barcos na travessia do Mar Mediterrâneo, muitas vezes ao encontro da morte. Estes acidentes, como por exemplo, os da Ilha de Lampedusa, têm chocado a opinião pública, e desafiam a comunidade internacional na busca de soluções para evitar a perda de tantas vidas. São urgentes não só as medidas de intensificação dos resgates no mar, como também o estabelecimento de vias legais de entrada na Europa, tudo isso visando à prevenção de futuras tragédias. O Papa Francisco esteve presente na ilha de Lampedusa e várias vezes fez referência a essas tragédias no Mar Mediterrâneo. Assistimos também com tristeza ao fechamento de muitos países ao acolhimento dos necessitados que fogem com medo de seus países e, quando não encontram a morte no mar, acabam se deparando com a rejeição dos países “desenvolvidos”.
Além da preocupação com o acolhimento aos refugiados é preciso erradicar, com a mesma urgência, as razões que impelem populações inteiras a deixarem sua terra natal, fugindo de guerras, fome e perseguições. Esta é uma tarefa imensa, pois os movimentos migratórios assumiram tais proporções que só uma colaboração sistemática e concreta, envolvendo os Estados e as Organizações Internacionais, poderá alcançar soluções para o problema.
Assim se expressou o Alto Comissário Antonio Guterres: “A comunidade internacional tem que superar suas diferenças e encontrar soluções para os conflitos de hoje no Sudão do Sul, na Síria, na República Centro-Africana e em diversos outros lugares. Doadores não tradicionais necessitam dar passos ao lado dos doadores tradicionais. Como muitas pessoas se encontram deslocadas hoje em dia, os números representam populações de países médios e grandes como Colômbia ou Espanha, África do Sul ou Coréia do Sul”.
O Brasil é signatário dos principais tratados internacionais de direitos humanos e é parte da Convenção das Nações Unidas de 1951 sobre o Estatuto dos Refugiados e do seu Protocolo de 1967. O país promulgou, em julho de 1997, a sua lei de refúgio (nº 9.474/97), contemplando os principais instrumentos regionais e internacionais sobre o tema. A lei adota a definição ampliada de refugiado estabelecida na Declaração de Cartagena de 1984, que considera a “violação generalizada de direitos humanos” como uma das causas de reconhecimento da condição de refugiado.
A lei brasileira de refúgio criou o Comitê Nacional para os Refugiados (CONARE), um órgão interministerial presidido pelo Ministério da Justiça e que lida principalmente com a formulação de políticas para refugiados no país, com a elegibilidade, mas também com a integração local de refugiados. A lei garante documentos básicos aos refugiados, incluindo documento de identificação e de trabalho, além da liberdade de movimento no território nacional e de outros direitos civis.
Todas as solicitações de refúgio apresentadas no Brasil são analisadas e decididas pelo CONARE, que é composto por representantes dos ministérios da Justiça, das Relações Exteriores, da Educação, do Trabalho e da Saúde, além de representantes da Polícia Federal, da Caritas Arquidiocesana do Rio de Janeiro, como titular, e da Caritas Arquidiocesana de São Paulo e do Instituto de Migração e Direitos Humanos. O ACNUR é parte do comitê apenas com direito a voz.
Dados do CONARE de outubro de 2014 indicam que o Brasil tem 7.289 refugiados reconhecidos pelo Governo Brasileiro, e mais 8.302 solicitantes de refugio aguardando decisão.
Em vista da relevância do trabalho com os refugiados acolhidos pela Cáritas Arquidiocesana do Rio de Janeiro, é bom recordar que o acolhimento e o compromisso com os pobres faz parte de nossa vida como Igreja, porém os trabalhos mais organizados tem uma data que iniciam e começam a desenvolver.
A Arquidiocese de São Sebastião do Rio de Janeiro começou o trabalho com refugiados em abril de 1976, atendendo refugiados procedentes da Argentina, Chile e Uruguai. O Cardeal D. Eugenio Sales, então Arcebispo, informou as autoridades militares da época que iria começar esta atividade e que estava entregando a tarefa à Caritas Arquidiocesana, braço social da Arquidiocese, porém sob sua responsabilidade. Era impensável alguma ação como esta em função de os candidatos a refúgio serem considerados subversivos, sendo alguns deles procurados internacionalmente. Em agosto do mesmo ano, o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados iniciou suas atividades no Brasil, reconhecendo os solicitantes de refúgio sob mandato do ACNUR, dando-lhes proteção internacional e conseguindo um terceiro país que os recebesse. Até 1988 passaram pela Cáritas em torno de 5.000 pessoas oriundas destes três países. O atendimento a refugiados até 2008 era realizado no Palácio São Joaquim. Hoje continua em sua sede na Catedral Metropolitana.
Com dados de Dezembro de 2014, a nossa entidade tinha computado o atendimento a 6.547 pessoas, dos quais 3.212 refugiados e os demais (3.335) solicitantes. Desses 22% são mulheres e os demais (78%) do sexo masculino.
E elas são de mais de 60 diferentes nacionalidades. Entre as principais nacionalidades estão: Angola, República Democrática do Congo, Colômbia e Síria. Atualmente o fluxo migratório tem sido principalmente da República Democrática do Congo, Bangladesh, Senegal e Síria. E nesses dados não está computado o trabalho da Pastoral do Migrante e nem mesmo o da Caritas com o acolhimento dos haitianos. Trabalho realizado sempre com a caridade cristã e respeitando a convicção de cada pessoa que aqui aporta.
O trabalho da Cáritas ele tem quatro importantes vertentes: a) acolhida; b) proteção legal; c) integração e d) articulação.
É sempre bom lembrar que este trabalho se dá com profissionais, em geral assistentes sociais. O clima é de quem é cristão e acolhe a todos, além de profissionais com o amor e caridade cristã, porém sem fazer proselitismo e respeitando a todos em suas convicções.
Isto significa que o trabalho tem sido de receber e dar as primeiras orientações aos solicitantes de refúgio, acompanhá-los nos primeiros passos na cidade e, em seguida, ampará-los durante seu processo de refúgio, dando assessoria jurídica adequada. Ao mesmo tempo, a equipe tem, desde os primeiros momentos, tomado as medidas necessárias para que eles tenham acesso à cidadania, ao trabalho, à saúde e a todos os direitos previstos. E, por último, o trabalho tem sido de sensibilizar a sociedade, convencer as autoridades e reunir forças em torno do tema.
A integração na sociedade é o tema mais complexo, pois envolve problemas como moradia, idioma, adaptação à cultura, relações de trabalho, recursos financeiros para se movimentar, entre outros. Há limitação dos recursos oriundos do ACNUR e do Ministério da Justiça.
O protocolo de intenções celebrado entre o Ministério Público do Trabalho e a Caritas Arquidiocesana do Rio de Janeiro já resultou no recebimento de subsídios oriundos de Termos de Ajustamento de Conduta, que possibilitou a Cáritas aumentar o atendimento para que possa enfrentar a questão da integração dos refugiados, principalmente em relação ao trabalho. Isso nos deu oportunidade de aumentar o número de salas e horários para ministrar aulas de português aos refugiados. Temos também esperança em obter mais um para aplicarmos em um novo alojamento provisório.
A posição da Igreja sempre foi de solicitude pelos mais pobres e abandonados, pois foi esse o exemplo que Jesus nos deixou. Esta tem sido também a tônica que o Papa Francisco tem dado ao seu pontificado. Suas preocupações com os refugiados, perseguidos, famintos, pobres, abandonados, esquecidos, ou, como ele mesmo diz, com as periferias existenciais do mundo. Além de todos esses trabalhos, temos muitos outros nas várias questões sociais, como povo de rua, dependentes químicos, encarcerados, menores privados de liberdade e tantos outros. Muitos não conhecem esse trabalho, pois não se dá muita divulgação. Mas o fazemos com muito carinho, procurando dar nossa colaboração cristã para que esse mundo seja melhor e mais justo. Jesus também nos ensinou a reconhecer o seu próprio rosto nos mais sofredores, pois se identifica com todas as vítimas inocentes da violência e exploração: «Tive fome e me destes de comer; tive sede e me destes de beber; era peregrino e me acolhestes; nu e me vestistes; enfermo e me visitastes; estava na prisão e viestes a mim» (Mt 25, 35-36). Isso faz nossa diferença no atendimento às pessoas. O carinho e a generosidade de nossos agentes são assim inspirados para fazer o melhor pelo próximo.
O Senhor nos chama a partilhar os recursos com os mais carentes, por vezes renunciando um pouco ao que temos para colocá-lo a serviço dos outros e, assim, reduzir as distâncias que nos separam dos dramas humanos. Isso nos faz carrear recursos com coletas e doações para esses trabalhos, muitas vezes renunciando a tantas necessidades que uma Arquidiocese tem, para realizar sua missão evangelizadora e cuidar do povo que acredita e que necessita de atendimentos vários.
Hoje, os migrantes e refugiados estão entre os mais vulneráveis e marginalizados das nossas sociedades. Procuram deixar para trás duras condições de vida e perigos de toda espécie, mas, frequentemente, vão encontrar rejeição, preconceito e impedimentos sociais e legais que não lhes permitem viver com dignidade, quando não perecem em árduas viagens.
Nossa vocação, enquanto cristãos, é para a caridade. Nosso Senhor nos conferiu a missão de evangelizar os povos, o que significa transpor fronteiras e promover unidade, o que supera a mera tolerância. Esta é a “cultura do encontro”, da qual tanto nos fala o Papa Francisco e que nos parece a única forma de assegurar a convivência harmoniosa entre pessoas de diferentes origens e culturas.
Recordo ainda outro trecho da mensagem de Sua Santidade pelo Dia Mundial do Migrante e do Refugiado – 2015:
“À globalização do fenômeno migratório é preciso responder com a globalização da caridade e da cooperação, a fim de se humanizar as condições dos migrantes. À solidariedade para com os migrantes e os refugiados há que unir a coragem e a criatividade necessárias para desenvolver, a nível mundial, uma ordem econômico-financeira mais justa e equitativa, juntamente com um maior empenho a favor da paz, condição indispensável de todo verdadeiro progresso”.
A Arquidiocese de São Sebastião do Rio de Janeiro tem uma sólida tradição no trabalho com os refugiados, reconhecido no Brasil e internacionalmente. Isso se insere em nosso trabalho social, cultural, com os migrantes e todas as demais situações de marginalização nas periferias existenciais da sociedade. E isso com alegria cristã e sem fazer proselitismo.
Diante, também, da grave situação mundial no que se refere ao problema, é nosso desejo prosseguir com as iniciativas já assumidas e até mesmo intensificá-las, na medida das nossas possibilidades. Para isto, queremos reafirmar nossa disponibilidade em cooperar com as entidades com as quais já trabalhamos, de forma que possamos perseguir o ideal que a Igreja nos propõe, sob o ensinamento do Papa Francisco, de construir um mundo melhor, em que todos possam viver segundo a sua dignidade de filhos de Deus.