A primazia do trabalho sobre o capital

Padre Alfredo José Gonçalves, CS

 

A expressão do título representa uma das linhas mestras da Doutrina Social da Igreja (DSI). Isso significa que a voracidade dos lucros e do acúmulo de capital, por parte das empresas, não pode atropelar os esforços para que os trabalhadores tenham condições razoáveis de vida e de trabalho. Dito de outra forma, os ganhos líquidos de qualquer empreendimento devem estar subordinados às necessidades básicas daqueles que contribuem para a produção.

Disso resulta outro princípio fundamental da DSI: a função social da propriedade privada. Ou, como dizia São João Paulo II, “sobre toda propriedade pesa uma hipoteca social”. Antes de se instalar como fonte progressiva de renda, a propriedade, seja destinada ao cultivo da terra, ao comércio, à mineração ou à indústria, deve ter em conta os desdobramentos sociais de seus negócios.

Com esse modo de ver, chegamos à trágica ruptura da barragem de Brumadinho (MG). Tratavase de um depósito de rejeitos da mineradora Vale do Rio Doce. A tragédia, aliás, trouxe de volta o fantasma da barragem do Fundão, em Mariana, de propriedade da Samarco, que se rompeu em 2015. Em ambos os casos, estamos diante de uma catástrofe humana, pelo número de mortos, e de uma catástrofe ambiental, pelos danos causados às fontes de água potável e ao meio ambiente.

No desenrolar das notícias, tornaram-se familiares termos como “retenção a montante” e “retenção a jusante”. Na primeira, a barragem de contenção dos rejeitos é reforçada a montante do rio; na segunda, o reforço é feito a jusante. Por que a Vale optou pela primeira fórmula? Simplesmente porque é “mais barata, embora seja menos segura”, como se ouviu dizer pelos jornais e telejornais.

Convém lembrar que esse método já foi banido por alguns países, incluindo o Chile, grande produtor de minério. Por que persiste na mineração brasileira? Basicamente por dois motivos: menos custos e menos fiscalização das autoridades governamentais, o que leva a maiores riscos. Como explicar essa lógica perversa aos familiares das centenas de mortos e desaparecidos?

Na verdade, a contenção dos rejeitos a montante à nascente do rio) foi descartada porque elevaria os custos sociais e ambientais da empresa. Optouse, assim, pela contenção a jusante (para o lado da foz), em vista de maiores ganhos para acionistas e especuladores. Priorizou-se o capital em detrimento da vida dos trabalhadores e famílias, da segurança da população em geral, bem como em detrimento da preservação ambiental, incluída fauna e flora. Exatamente ao contrário do que se lê no título destes parágrafos.

O que muda a partir de agora? O que mudou a partir de Mariana, quando 19 pessoas foram tragadas pelo mar de lama? Pouca coisa, dizem os estudiosos do tema. Esperemos que, desta vez, o número de mortos e desaparecidos leve a rever os métodos e instrumentos na extração de minério de ferro, seja em Minas Gerais, seja em todo o território nacional. Uma só vida humana deveria ser suficiente para causar mudanças estruturais no sistema. Lamentável que tantas pessoas devam perder a vida – depois de oferecer o trabalho – para forçar tais mudanças.

Padre Alfredo José Gonçalves, CS, é missionário scalabriniano a serviço dos migrantes, foi Superior Provincial da Pia Sociedade dos Missionários de São Carlos
 

DEIXE UMA RESPOSTA

Please enter your comment!
Please enter your name here