A PAZ E A DIVISÃO

                “Não vim trazer a paz, mas espada” é uma das mais controversas afirmativas de Jesus, registrada em Mateus (10,34). Até hoje, muitos se debruçam sobre este texto e não conseguem penetrar a fundo a seriedade dessa afirmativa. Essa é a terceira parada do texto-base da CFE 2021, que diz: Cristo é a nossa paz: do que era dividido fez uma unidade. Há aqui uma aparente contradição? Então vejamos.

                É exatamente a definição de unidade ou mesmo de paz o maior fator de divisão entre nós. Primeiro porque para muitos unidade soa como uniformidade, igualdade de pensamento, harmonia e paz. Esse é nosso primeiro grande conflito, gerador maior de nossas discordâncias e desavenças, de nossas guerrilhas existenciais, que, acumuladas, nos levam às guerras. A predominância do pensamento único é geradora dos conflitos entre nós. É na diversidade que se constrói a verdadeira unidade e não na unidade a custa da força, da espada, do poder. Mas na unidade toleramos a diversidade. Eis o segredo da nossa fé, dita e proclamada por Cristo no auge de suas pregações: “Eu não vim trazer a Paz!”.

                Não a Paz do conformismo, da acomodação, da aceitação sem questionamentos, da subserviência, do medo, da falta de diálogo e compreensão mútuas. Essa não é a proposta de Cristo. A alienação da realidade não combina com a proposta libertadora que nos trouxe o Mestre. Por isso não existe cristianismo onde haja incapacidade de “derrubar os muros das divisões”, como nos desafia a atual campanha ecumênica.

                Esta nos dá exemplos práticos. Primeiro, manter o diálogo ecumênico. Se de fato buscamos a unidade, não podemos fechar nossas portas. A construção da paz entre os homens só será possível se, por primeiro, houver paz entre os seguidores do Príncipe da Paz. Como almejar harmonia entre todos os homens se esta não existe entre nós?

                Segundo: aumentar a convivência inter-religiosa. Talvez seja este o maior desafio da atual campanha. Tolerar até nos toleramos, mas conviver, celebrar juntos, respeitar o outro, o rito, a fé, sua maneira de cultuar, ah!… paciência, nem tanto, não é? É lógico, não concordamos com isto ou aquilo, com a aparente “infantilidade” demonstrada por aquele que julgamos “pensar pequeno”, provando-nos sua “ingenuidade na fé”, mas nos esquecemos de que Deus é maior do que nossa refinada teologia, nossa religiosidade sem caridade.

                Terceiro: praticar missões ecumênicas. Aqui o desafio ultrapassa a lógica, quando sequer compreendemos a amplitude do trabalho missionário. Por si, já o realizamos com o intuito de impor nossas crenças e tradições, esquecendo-nos do respeito às crenças e tradições do outro. Como trabalhar em conjunto num cenário destes? Temos muito chão pela frente… Mas a simples ideia desse processo ecumênico já é um largo passo em direção ao amadurecimento do diálogo entre nós. A espada, a divisão, a competição entre iguais são as pedras que nos aponta Jesus para nos oferecer sua Paz.

                Quarto: A violência contra as mulheres é um capítulo à parte. Jesus foi o maior defensor da dignidade feminina e o promotor primeiro de sua importância na Obra Criadora (Eva) e Redentora (Maria). “Mesmo que mulheres sejam as que percentualmente mais participam… elas ainda ocupam poucos espaços de liderança”, diz o texto. O quinto exemplo desse desafio interessa a todos: Cuidar da casa comum. Como construir a Paz num mundo de conflitos e contínuo descaso contra suas fontes de vida e harmonia? Dar testemunho é essencial. “Esta proclamação precisa estar profundamente alicerçada nos princípios evangélicos com pleno respeito e amor ao próximo e à criação”. Essa é nossa espada, nossa bandeira, nossa cruz!

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