A OITAVA DO NATAL

    A Igreja, com profunda sabedoria espiritual, prolonga a celebração do Natal por oito dias, formando aquilo que chamamos de Oitava do Natal. Não se trata de uma repetição ritual nem de um prolongamento sentimental da festa, mas de uma necessidade teológica e espiritual. O mistério que celebramos no Natal é grande demais para ser contido em uma única data. O Verbo se fez carne. Deus entrou na história. O eterno assumiu o tempo. Tal acontecimento exige contemplação prolongada, silêncio interior e amadurecimento da fé.

    Na lógica do mundo, as festas passam rápido. O que ontem era central hoje já foi esquecido. A Oitava do Natal vai na contramão dessa lógica. Ela nos ensina que o essencial não pode ser consumido com pressa. O nascimento de Cristo não é um evento a ser arquivado no calendário, mas um mistério que deve moldar a vida inteira. Por isso, a Igreja insiste: ainda é Natal. Ainda é tempo de contemplar, de acolher, de deixar-se transformar.

    Durante a Oitava, a liturgia nos faz percorrer diferentes faces do mesmo mistério. Contemplamos Maria, Mãe de Deus; celebramos Santo Estêvão, o primeiro mártir; recordamos São João, o discípulo amado; fazemos memória dos Santos Inocentes; e, ao final, somos conduzidos à contemplação da Sagrada Família. Tudo isso não fragmenta o Natal; ao contrário, revela sua profundidade. O presépio não é uma cena isolada, mas o início de um caminho que passa pela cruz, pelo testemunho e pela fidelidade.

    A Oitava do Natal nos ensina, antes de tudo, que a Encarnação acontece dentro da história concreta, com suas luzes e sombras. O Menino que nasce em Belém não nasce em um mundo ideal, mas em um mundo marcado pela violência, pela perseguição e pela rejeição. Já nos primeiros dias, vemos o contraste entre a luz que vem de Deus e as trevas que tentam sufocá-la. O Natal não elimina automaticamente o pecado do mundo, mas o confronta.

    Por isso, a liturgia não nos permite reduzir o Natal a uma experiência emocional. O Menino da manjedoura é o mesmo Cristo que será rejeitado, perseguido e crucificado. A Oitava nos mostra que presépio e cruz não se separam. Quem acolhe verdadeiramente o Natal deve estar disposto a acolher também as exigências do Evangelho, que são sempre exigentes, desinstaladoras e transformadoras.

    As leituras proclamadas ao longo desses dias insistem numa verdade fundamental: Deus se fez próximo. Ele não salvou o mundo à distância, mas assumindo nossa carne, nossa fragilidade e nossa condição histórica. O prólogo do Evangelho de São João, tão caro à liturgia do Natal, afirma: “O Verbo se fez carne e habitou entre nós”. Não se trata de uma visita passageira, mas de uma morada. Deus escolheu permanecer, “armou a sua tenda” entre nós.

    Essa permanência de Deus na história dá um novo sentido ao tempo. A Oitava do Natal nos ajuda a compreender que o tempo não é apenas algo que passa e se perde, mas o lugar onde Deus age, salva e transforma. Cada dia da Oitava proclama que Deus continua presente, mesmo quando não O percebemos, mesmo quando o mundo parece dominado pelas trevas.

    Entretanto, a Oitava também revela que essa presença divina provoca reações contraditórias. Santo Estêvão é apedrejado; os Santos Inocentes são assassinados; a Sagrada Família precisa fugir. O Natal não gera unanimidade. A luz incomoda. A verdade desestabiliza. A presença de Cristo obriga a tomar posição. Não existe neutralidade diante do mistério da Encarnação.

    Essa é uma das grandes lições da Oitava do Natal para a Igreja de hoje. Não podemos anunciar um Cristo inofensivo, domesticado, reduzido a símbolo cultural. O Cristo que nasce é o Senhor da história. Sua presença questiona estruturas injustas, denuncia a violência e revela a mentira dos poderes que se absolutizam. Quando a Igreja perde essa dimensão profética, ela trai o Natal que celebra.

    A Oitava também nos educa para uma espiritualidade da perseverança. Celebrar oito dias o mesmo mistério é aprender a permanecer, a não desistir, a não viver de entusiasmos passageiros. Em um mundo marcado pela superficialidade e pelo imediatismo, a Oitava nos ensina que a fé se constrói no tempo, com paciência, fidelidade e escuta constante da Palavra.

    Além disso, a Oitava do Natal nos convida a olhar para a realidade com os olhos da fé. Se Deus se fez carne, então nada do que é humano pode nos ser indiferente. A vida concreta das pessoas, especialmente dos pobres, dos pequenos e dos vulneráveis, torna-se lugar teológico. Onde a dignidade humana é ferida, o mistério do Natal está sendo negado.

    Por isso, não há contradição entre celebrar o Natal e denunciar a injustiça. Pelo contrário: quem celebra verdadeiramente o Natal não pode ser indiferente à dor do mundo. O Menino de Belém continua sendo rejeitado sempre que a vida é descartada, sempre que a pobreza é naturalizada, sempre que a violência é justificada. A Oitava impede que o Natal seja transformado em fuga espiritual.

    A culminância da Oitava na celebração da Sagrada Família reforça essa perspectiva. Deus escolheu nascer e crescer dentro de uma família concreta, marcada pela simplicidade, pelo trabalho e pela obediência à vontade divina. Isso confere à vida cotidiana uma dignidade extraordinária. O lar, o trabalho, o cuidado mútuo tornam-se lugares privilegiados da presença de Deus.

    Ao percorrer a Oitava do Natal, a Igreja nos educa para uma fé adulta, capaz de contemplar a ternura de Deus sem perder de vista as exigências do Evangelho. Ela nos ensina que a alegria cristã não é superficial, mas nasce da certeza de que Deus está conosco, mesmo em meio às contradições da história.

    Que esta Oitava do Natal não passe por nós como mais um rito cumprido. Que ela nos ajude a acolher verdadeiramente o mistério da Encarnação, a rever nossas escolhas e a renovar nosso compromisso com a vida, a justiça e a paz. Que o Natal celebrado nesses dias se prolongue em atitudes concretas ao longo de todo o ano. Vivamos, intensamente, esta oitava luminosa que nos conduz ao mistério da fé: Deus se fez homem para nos salvar e apagar o pecado original.

    E que, iluminados pela luz que brilha na manjedoura, saibamos caminhar como filhos da luz, testemunhando no mundo que Deus armou sua tenda entre nós e não nos abandonou.

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