Dom Murilo S.R. Krieger, scj – Arcebispo Emérito de São Salvador da Bahia
No dia 8 de setembro, seguindo uma tradição dos primeiros séculos da Igreja, celebramos a festa da Natividade de Nossa Senhora. Não há, nos textos evangélicos, referência alguma ao nascimento de Maria, por uma razão muito simples: o objetivo que os evangelistas tinham ao escrever o Evangelho era o de nos apresentar Jesus Cristo. Só há referências à Virgem Maria ou a qualquer outra pessoa quando se trata de ressaltar algum fato que diga respeito ao Salvador. É verdade que a Palavra de Deus nos mostra, mesmo que deforma discreta, a presença de Maria Santíssima nos momentos centrais da História da Salvação, como a encarnação, a inauguração do ministério de Cristo, a crucifixão, o nascimento da Igreja com a vinda do Espírito Santo etc. Mas os Evangelhos não nos dão informações a respeito da família de Maria, de sua infância, de sua formação, de seu temperamento, de seu aspecto físico etc.
Encontramos dados sobre o nascimento de Maria nos chamados “Evangelhos Apócrifos”, que não são textos inspirados, mas escritos para recolher tradições orais que circulavam entre o povo. Ao lado de (poucos) fatos históricos verdadeiros, tais textos traziam (muitas) histórias fantasiosas e edificantes, para comover os fiéis. Para dar maior autoridade a tais textos, escritos a partir do segundo século da era cristã, eles eram divulgados como sendo de autoria de algum apóstolo. Segundo os Evangelhos Apócrifos, Nossa Senhora teria nascido na cidade de Nazaré, na Galileia, e seus pais se chamavam Joaquim e Ana.
A Igreja católica não costuma celebrar o dia de nascimento dos santos, mas sim o de sua morte – isto é, quando entraram para a glória eterna. Há, contudo, três celebrações de nascimento: de Jesus Cristo (Natal); de São João Batista (ainda no ventre de Isabel, manifestou-se diante da proximidade de Maria, que esperava Jesus, e que fora visitar sua parente); e o da própria Virgem Santíssima.
A Natividade de Nossa Senhora é celebrada nove meses depois da celebração da solenidade da Imaculada Conceição (8 de dezembro). É toda a Igreja que faz o convite: “Vinde, todas as nações, vinde, homens de todas as raças, línguas e idades, de todas as condições: com alegria celebremos a natividade da alegria! (…) Que a criação inteira se alegre, festeje e cante a natividade de uma santa mulher, porque ela gerou para o mundo um tesouro imperecível de bondade, e porque por ela o Criador mudou toda a natureza humana em um estado melhor!” (S. João Damasceno – século VIII).
Mais tarde, em um famoso sermão feito na festa da Natividade, Padre Antônio Vieira (século XVII) perguntou: “Quereis saber quão feliz, quão alto é e quão digno de ser festejado o Nascimento de Maria?” Ele mesmo respondeu: “Vede para que nasceu: nasceu para que dela nascesse Deus. (…) Perguntai aos enfermos para que nasce esta celestial Menina: dir-vos-ão que nasce para Senhora da Saúde; perguntai aos pobres, dirão que nasce para Senhora dos Remédios; perguntai aos desamparados, dirão que nasce para Senhora do Amparo; perguntai aos desconsolados, dirão que nasce para Senhora da Consolação; perguntai aos tristes, dirão que nasce para Senhora dos Prazeres; perguntai aos desesperados, dirão que nasce para Senhora da Esperança. Os cegos dirão que nasce para Senhora da Luz; os discordes, para Senhora da Paz; os desencaminhados, para Senhora da Guia; os cativos, para Senhora do Livramento; os cercados, para Senhora da Vitória. Dirão os pleiteantes que nasce para Senhora do Bom Despacho; os navegantes, para Senhora da Boa Viagem; os temerosos da sua fortuna, para Senhora do Bom Sucesso; os desconfiados da vida, para Senhora da Boa Morte; os pecadores todos, para Senhora da Graça; e todos os seus devotos, para Senhora da Glória. E se todas estas vozes se unirem em uma só voz, dirão que nasce para ser Maria e Mãe de Jesus.”
A Virgem Maria foi escolhida por Deus, antes de todos os séculos, para ser a Mãe do Messias, a Mãe do Filho de Deus, a Mãe do Salvador, “a estrela que precede o Sol”. Com o seu nascimento, a vinda do Emanuel, do “Deus-conosco”, começava a se concretizar. Por isso, na festa de seu nascimento, a Igreja pede: “Exulte, ó Deus, a vossa Igreja (…), pois nos alegramos pelo nascimento de Maria, que foi para o mundo inteiro esperança e aurora da salvação” (Missa – Oração depois da Comunhão).