A Bíblia: Palavra de Deus à Maneira humana – Cartas do Padre Jesus Priante

Nossas reflexões bebem luz da Bíblia. Exercitamos nossa Fé e nossa razão em viagem de ida e volta no território da Palavra de Deus à maneira humana. Partimos do princípio teológico de que na Biblia subsiste toda a sabedoria, ao mesmo tempo divina e humana, em permanente revelação, pois a Verdade neste mundo será sempre Caminho e não meta.

As filosofias, as ciências e crenças podem dizer novas coisas, mas nunca desmentir o que a Palavra de Deus, feita escritura, nos revela. Se diz frequentemente que a Biblia não é um livro caído do Céu, como afirmam os muçulmanes a respeito do seu livro sagrado, O Corão, mas também temos que dizer que a Biblia não brotou da terra. Ela expressa o Mistério da Encarnação: o Deus da Palavra se faz palavra humana através dos profetas, como confessamos no Credo: “Creio no Espírito Santo que falou pelos profetas”. Profeta significa em grego falar em nome de Deus ou fazer ressoar Sua Palavra e torná-La conhecida. Diferente dos ídolos, que têm boca e não falam, o Deus verdadeiro no qual cremos fala (Sl.115,5). Ele é essencialmente comunicação, que é uma outra maneira de afirmar que Ele é Amor, Criador e Salvador. Ele comunica o ser e a vida a tudo quanto existe com o poder da Sua Palavra (Jo. 1) e se dá a conhecer a Si mesmo, inspirando o sentido de toda a Criação.

O termo hebraico DABAR = Palavra, significa plano, projeto e mensagem. Faz existir todas as criaturas e as torna profetas de Deus. “O Céu e a terra narram as maravilhas de Deus”. (Sl.19). No Canto das Criaturas que se proclama todos os domingos nas Laudes, atribuído ao profeta Daniel, 3, sol, lua, estrelas, planetas, montanhas e mares, calor e frio, neves e geadas…tudo o que vive e respira bendizem (falam bem de Deus).

O idoso São Clemente de Roma (séc. I) batia com seu seu bastão nas pedras que encontrava no caminho dizendo: “ainda vos entendo”. As pedras lhe falavam como profetas em nome de
Deus. São Justino (séc. II) encontrava “sementes” do Verbo ou da Palavra de Deus em todas as culturas e povos. Todo ente é expressão e Palavra de Deus, mas só o ser humano, além de estar dotado de palavra, como Aristóteles lhe definia: “ser vivente que tem palavra”, que a posteridade pobremente traduziu como “animal racional”, não só fala de Deus como fala com Deus. Desse diálogo divino-humano, sempre vivo, todos participamos ao longo da nossa vida. Encontramos na Biblia o lugar privilegiado para falar com Deus e Ele conosco.

A PALAVRA FALA À PALAVRA.

Toda a Criação é um discurso de Deus, mas só ao ser humano Ele ensinou falar, como afirma Santo Agostinho. Não deixa de ser prodigioso o despertar, em nossos lábios, à nossa língua materna. Até nossos dias não existe uma teoria convincente sobre a origem das línguas. Elas não são mera combinação de sons, senão portadoras de Deus, do mundo e de nós mesmos. Com as palavras criamos coisas, culturas, projetos e história, entretanto, ficariam reduzidas a mero ruído e sem conteúdo se com elas não falarmos com Deus.
Precisamente, nós latinos, empregamos o termo orar, de os-osis = boca, que significa falar com Deus, e também nos consideramos existencialmente “precários”, para significar que dependemos de uma prece.

A Palavra fala à palavra. O Deus da Palavra e nós, viventes dotados de palavra, fazemos nesta vida uma narrativa de salvação. Ele nos pergunta se entendemos o que somos e vivemos, se sabemos de onde viemos e para onde vamos, e nós lhe perguntamos porque há “ser” de algo e não “nada”, por que há sofrimento, mal e morte, se há uma outra vida e um outro mundo imortal e feliz. Nesse diálogo, cada um a seu modo, passamos nossa vida sem termos a resposta total, porque a Palavra de Deus é superior à nossa compreensão e nossas perguntas excedem as nossas palavras. O sentido último da palavra criadora e salvadora de Deus se nos dá em forma de promessa, além de toda resposta. O mistério de Deus e da Sua Criação revela-se sempre de novo, ao mesmo tempo que permanece oculto.

O teólogo inglês Bultmann diz que nossas perguntas chamam-nos a saber o que Deus nos diz em Cristo, “mistério tão alto que não podemos compreender” (Ef.3,19).

A PALAVRA SE FEZ CARNE E HABITOU ENTRE NÓS (Jo.1,14)

Jamais a razão poderá entender que Aquele que não cabe no universo pudesse habitar na massa corporal de um simples ser humano. Em Cristo cumpre-se a definição que Nicolás de Cusa (séc. XVI) dava de Deus: “união dos extremos”,
do finito e o infinito, do alto e da profundidade, da vida e da morte, do pecado e da graça, da criatura e do Criador, da terra e do Céu. A Palavra de Deus nos revela que o limite de nossa existência é a morte, que o pecado e o mal são superiores a nós. Por isso só em Cristo Ressuscitado encontramos sentido e esperança. A Palavra de Deus não é doutrina que afirma ou nega a morte e o pecado do mundo, senão acontecimento, carne, história, plano (“Dabar”) da Salvação que, ao mesmo tempo que diz, faz.

Ultimamente temos adotado o costume de iniciar a leitura da Biblia em nossas celebrações dizendo: “Proclamação da Palavra de Deus” e não como simples leitura, pois não é mera narrativa, senão anúncio da ação salvífica de Deus que acontece na mesma proclamação. Por isso teríamos de adotar o Amém = isso é verdade, como resposta ao que Deus nos diz e faz. Jesus de Nazaré é a plenitude da Palavra de Deus, o novo “Big-Bang”
da Nova criação, o universal concreto no qual se realiza a Palavra (Dabar) ou plano criador e salvador de Deus. Na sua morte morrem todas as mortes, ate das mesmas estrelas, por isso na ua agonia na cruz, o sol, durante três horas, deixou de brilhar, em nome de todas as galáxias. Mas, na Sua Rssurreição, antes do sol nascer, nascia o novo mundo glorioso e imortal que esperamos habitar. A Palavra encarnada em Cristo, afirma Moltmann, habitará entre nós até o fim dos tempos de maneira dialética. Vida e morte, pecado e graça estarão em conflito até toda a Criação atingir a comunhão com Deus. Leibniz (séc. XVII) dava uma explicação filosófica para justificar o mistério da Palavra feita carne. De fato, dizia, todo conhecimento humano deriva-se da sensação, seguindo o princípio aristotélico “Nada há na inteligência sem antes estar nos sentidos”, Se Deus é inacessível aos sentidos, pois “ninguém pode ver a Deus”, não o poderíamos conhecer a não ser feito carne e osso,
acessível aos nossos sentidos, como São João nos revela: “A Vida (Deus) se deu a conhecer e nós o temos visto com nossos olhos e apalpado com nossas mãos.” (1Jo.1,1-2) Ele ficou também de maneira sensível em forma de palavra humana no livro sacramental da Biblia e no pão da Eucaristia. É claro que, como os que viram e tocaram Jesus de Nazaré, Deus feito carne, tiveram de vê-Lo não só com os olhos do corpo como também da com os olhos Fé. Nada anormal, pois nossa inteligência também tem de fazer um ato de Fé para entender ou crer que uma pedra nao é pão. Cremos mais do que sabemos, afirma Ortega e Gasset. Apontamos a verdade, mas não a temos.

A PALAVRA SE FEZ LIVRO

Durante 800 anos,desde Abraão até Davi, o povo de Israel falou com Deus oralmente, criando uma memória dos fatos e ditos divino-humanos onde encontrava sentido para sua vida e o acontecer da história. A partir do ano 1000 a.C., para facilitar a memória das futuras gerações, algumas pessoas do povo de Israel passaram a escrever aquela palavra oral divino-humana, em pequenos fragmentos de argila, papiros, ou couro de animais.

A Palavra de Deus se fez livro, dividido em AT e NT, o que faz referência às duas Alianças: com Moisés e em Cristo. No ano 50 a.C., escreve-se o último livro do AT, a Sabedoria, em Alexandria, como um postulado da
razão ou da lei pela vida, que só a Ressurreição de Cristo nos brindaria. Por isso o primeiro texto do Novo Testamento foi 1Cor.15, cinco ou seis anos depois de Cristo, fazendo explícita alusão à Sua Ressurreição, fundamento do NT ou Nova Aliança que nos une vitalmente a Deus. Com a morte de São João, no ano 103, finaliza a Palavra feita livro, de vida e de esperança por todos os séculos. São João dá como razão para a Palavra de Deus encarnada na palavra humana ter sido escrita, o sustento de nossa Fé: “Tudo isto foi escrito para que creiam que Jesus é o Cristo, Filho de Deus, e crendo, tenhais a Vida Eterna” (Jo.20,31). São Paulo diz que a finalidade da Palavra escrita é para brindar-nos a sabedoria que nos conduz à Salvação. Ela é útil para nos ensinar, corrigir e guiar no bem. Faz perfeito o homem e o prepara para toda missão” (2 Tm, 3, 15-17) Depois do Concílio Vaticano II, a Palavra é qualificada como a Eucaristia, de “pão”, que nos comunica a vida de Deus e que temos duas mesas: a mesa da Palavra e a mesa da Eucaristia. O Deus da Palavra, Cristo, está realmente presente na Eucaristia e na Bíblia. Por isto ambos sinais são usados para abençoar o povo. Poderíamos, com toda propriedade, denominar a Biblia de “sacramento” da Palavra. Não seria exagerado venerar e adorar o livro sagrado da Biblia e fazer a ela um pequeno altar em nossas casas, favorecendo nossa Fé em Cristo, presente em nossas vidas, com quem falar de nossas alegrias e tristezas, saúde e doenças, encontrando sempre nele e na sua Palavra a “razão de nossa esperança” e “comungar” todos os dias o Pão da Vida ainda que fosse através da pequena porção de um versiculo a ser lido.

A PALAVRA É VIDA QUE DÁ VIDA

A memória da Palavra gravada na Biblia é mais poética e criadora do que científica e dogmática. Não é depósito, senão fonte.É palavra viva e vivificante. São Efrem (séc. IV) a compara à fonte da qual sempre bebemos água nova ou árvore que nos brinda novos frutos. E acrescenta: “Deus pintou Sua Palavra de cores, escondendo Nela Seus tesouros, para que cada pessoa possa encontrar o que busca: a vida”.

Duas Leituras

Até o século VIII, século que encerra a chamada Patrística da Igreja, a Bíblia era interpretada de maneira viva, a falar com seus leitores, iluminando e vivificando suas vidas. Embora coexistiram duas maneiras de ser lida: a literal da Escola de Antioquia; e a alegórica da Escola de Alexandria, nunca foi letra morta nem texto amortizado. A ortodoxia e heresia do povo eram estímulo para encontrar na Biblia uma palavra mais atual e viva em constante diálogo com cada uma das pessoas em si mesmas e no devir da História. A partir do século IX, no ocidente, a Bíblia vai adquirindo a inércia dos dogmas, de verdades definidas e canônicas m, de caráter legalista. Consolida-se a tese de que a Revelação de Deus teve lugar uma só vez. Fala-se do “depósito da verdade” aos cuidados da Igreja, mais hierarquia do que povo. A maneira de iguaria congelada, o teólogo ou simples leitor recebia desse grande frigorífico da verdade eterna uma porção racionada e comedida pelo Magistério Eclesiástico. Ficou como slogan popular: “Roma locuta, causa finita”, falou Roma, assunto terminado.

No Iluminismo ( séc. XVIII) a Palavra de Deus converte-se em instrumento de defesa contra o pensar apenas racional, sem aportar sangue novo.

O Concílio Vaticano I dá por finalizada a Revelação com a morte do último apóstolo Sao João, embora abra a porta à razão para encontrar uma interpretação mais conveniente nos textos bíblicos, mas sem acrescentar nada novo, apenas uma maior compreensão subjetiva.

O Concílio Vaticano II, articula a Palavra de Deus (“Dei Verbum”) na pessoa de Cristo. Ele é a mesma Palavra que vai falando conosco de maneira nova e viva, como “Pai de família que tira dos seus tesouros coisas novas e antigas” (Mt.13,52). Ele, Cristo, se faz acompanhar do Espírito da Verdade nesta viagem com o ser humano até o final da História, para nos lembrar o passado e as coisas futuras a nos conduzir á “verdade total” (Jo.16,12-14). Este texto maravilhoso iluminou o exímio teólogo uruguaio, Juan Luis Segundo na década de 1980 a escrever seu esplêndido livro “A Evolução dos Dogmas” , mostrando que a Palavra de Deus é viva e vivificante, a nos revelar coisas novas e antigas. Diriamos que a Bíblia escreve-se, inspirada pelo próprio Espírito Santo, por todo leitor que busca nela
a luz da vida, Cristo. A Biblia torna-se assim o livro para todos: letrados e iletrados, encontrando todos ali a palavra da Salvação, livre de toda heresia, pois não é mais doutrina ou idéia, mas a pessoa de Jesus que quis ficar vivo conosco no Pão da Eucaristia e no Pão da Palavra para nós deles comer e termos a Vida Eterna.

Cristo é a Palavra que cria e salva crentes e ateus. A diferença está em que o crente sabe que é salvo e o não crente o ignora, é a mesma diferença, diz Santo Agostinho, que existe entre um vidente e um cego. Ambos vivem, mas um enxerga e outro não. Outra diferença que nos distingue consiste em que os que cremos recebemos a salvação no pecado e na morte, por isso a recebemos como dom gratuito e não fruto de nossos méritos.

O descrente, se for humano, tentará salvar-se com seu esforço, claudicando na sua luta. Os discursos deste mundo buscam o Evangelho, a boa notícia da Salvação.

“OS FRUTOS MOSTRAM A ÁRVORE; DA MESMA FORMA, AS PALAVRAS REVELAM O CORAÇÃO DO HOMEM” (Eclo. 27,5-8)

O povo traduz esta palavra bíblica dizendo: “a boca fala daquilo que o coração sente”. A terapia psicanalítica aplica esta filosofia para diagnosticar e tratar seus pacientes. A “cura pela palavra” consiste em sermos autênticos, nós mesmos, mediante nossa própria confissão.

O “desabafo” nos liberta de muitos traumas e problemas. Sermos sinceros, termo que significa “sem cera”, capa que se usava para proteger as obras de arte, nos faz reais e verdadeiros. Toda falsidade é um vazio existencial. A Palavra de Deus, feita humano-divina em Cristo, revela-nos o Mistério de Deus e também de nós e da Criação. Cristo revela o homem ao homem, afirma o Concílio Vaticano II. “Nada do que é humano é estranho a Cristo” (Gs 1). A Palavra de Deus não é estranha ao saber humano. Razão e Fé mutuamente se buscam, diz Santo Agostinho: “Creio para entender e entender para crer”. O Reino dos Céus, embora não se realize, neste mundo, está presente nele à maneira de semente ou fermento que espera consumar-se no fim da História. O saber humano sem Fé é miope, mas serve-se dos olhos para ver telescopicamente o infinito.

Blondel (séc. XIX) afirma que nada existe no ser humano que não corresponda à sua necessidade de expansão ao infinito. O natural é essencialmente sobrenatural. Rahner diz que a Palavra de Deus está presente no dinamismo transcendente do ser humano. É como se, por ela, Deus nos fosse falando ao longo de nossa vida, vamos, um pouco mais e escalamos a montanha da vida imortal e gloriosa, reservada para nós no Céu. Nossas universidades privam-se do seu objetivo na busca da verdade, não deixando lugar para Cristo, trono da sabedoria e da ciência. E não para nos impor Sua Verdade, mas, para juntos, podermos conhecê-la. Nós todos temos muito a falar com Deus e Ele conosco. Nesse diálogo misterioso encontraremos o que Moltmann chama a “douta esperança”, sem a qual nossas bibliotecas serão cemitérios de palavras mortas. De fato, disse Pedro a Jesus: “Só tu tens palavras de Vida Eterna” (Jo.6,68).

Frei Luís de Leon, poeta e místico espanhol do século XVI, diz que os Santos são os sábios que neste mundo tem sido santos. “Pelos frutos os conhecereis” e sereis conhecidos. Não é uma questão moral, mas existencial. Quem se sabe pensar, vivendo em e com Deus, produzirá frutos de Vida Eterna, embora no meio do joio que nos acompanhará até o fim da História, mas, este, sem futuro, enquanto todo bem que fazemos ou desejamos fazer tendo a Deus presente frutificará exuberante na eternidade.

“QUANDO ESTE NOSSO SER CORRUPTÍVEL E MORTAL ESTIVER REVESTIDO DE IMORTALIDADE, CUMPRIR-SE-Á A PALAVRA DA ESCRITURA: A MORTE FOI ABSORVIDA NA VITÓRIA DADA POR NOSSO SENHOR JESUS CRISTO” (1Cor. 15,54-58)

Este capítulo 15 da carta de São Paulo aos Coríntios, segundo os biblistas, foi o primeiro texto escrito do NT, cinco ou seis anos depois da Ressurreição de Cristo, fundamento da pregação dos apóstolos e da nossa Fé cristã, e também da única esperança da humanidade e de toda a criação. Sem o acontecimento da
Ressurreição, o devir da história de nossas vidas e do universo carece de todo sentido.

A história do ser humano e do cosmos narra-se em linguagem de pecado e de morte. Nessa história vemos a caducidade das estrelas e de todo ser vivente mordidos pelo próprio nada. Multiplicam-se os remédios e, ao mesmo tempo, em maior número, as doenças físicas, psíquicas e sociais. São Paulo faz uma esplêndida interpretação da nossa realidade existencial dizendo: “O aguilhão da morte é o pecado e a força do pecado é a lei”. Porque não podemos ser bons, nem estar bem com nossos recursos e forças, regidos pela lei do dever, o aguilhão do pecado mata nossa vida, neste mundo e no mundo vindouro. Em Rm. 7,24, o mesmo São Paulo exclama impotente: “Quem me libertará da morte que levo dentro de mim? “Sua resposta é absoluta: só Cristo nos pode Salvar.” A morte foi absorvida pela Sua Ressurreição, e com ela também o pecado.

A resposta da reencarnação que muitos povos ainda dão ao problema do pecado e da morte prolonga a tragédia da própria vida. Pensar num reino platônico de almas nos despersonalizaria. Não seriamos nós a viver, mas algo de nós, a alma, e não nós mesmos. A Ressurreição é o grande mutante da Criação e das nossas vidas pela qual passamos de uma vida de pecado e morte a uma vida eterna e gloriosa em Deus. Fato que já aconteceu na pessoa de Jesus de Nazaré, e acontecerá no mesmo dia da nossa morte em cada um de nós, pois esta foi “absorvida” pela Ressurreição de Cristo. Por isso São Paulo, empolgado com este singular acontecimento, diz: “não morreremos, seremos transformados.” (Rm.6) E por ser o pecado sua causa, significa que o pecado, também este, será diluído na Ressurreição. A Salvação é destinada a todos, bons e maus, em e com todo nosso ser. Cristo fez questão de nos revelar esta verdade ao se manifestar com seu próprio corpo, embora de outra maneira, aos seus discípulos, após Sua Ressurreição. Nisto consiste a singularidade da Ressurreição inaugurada em Cristo. Na manhã de domingo em que Ele Ressuscitou, como “primogênito dos mortos”, todos os defuntos ao longo dos três milhões de anos das gerações humanas, Ressuscitarão com Ele, e depois Dele, num abrir e fechar de olhos, os que nascemos e vivemos neste mundo não mais morreremos, seremos transformados, ainda que esta transformação seja dolorosa e amarga. Os outros entes vivos, plantas e animais junto com toda a Criação terão de esperar o fim dos tempos, quando Cristo entregue tudo, livre do mal e da morte, a Deus Pai. Os que formos incorporados ao Corpo de Cristo pela Encarnação de Deus em Jesus de Nazaré, diz São Leão Magno (séc. V), como o corpo acompanha sua cabeça, não só Ressuscitaremos, mas também subiremos ao Céu com Ele na Sua Ascensão. Este acontecimento, contemplado por seus discípulos, completa a grandeza da Ressurreição.

“PODE ACASO UM CEGO GUIAR OUTRO CEGO? (Lc. 6, 39-45)

Alguns filósofos afirmam ser o evidente o mais difícil de se ver e de entender. A Bíblia não só nos revela coisas ou verdades escondidas como também mostra-nos o que é incontestável e evidente. O profeta Isaías contemplou a humanidade como cegos apalpando as paredes. Todos nascemos cegos, incapazes de
ver o sentido de nossas vidas. São muitos os que se atribuem o dom da luz apontando o caminho a seguir. Políticos, cientistas, idealistas e adivinhos acreditam poder guiar as pessoas e os povos. Os que se deixam conduzir por eles, como Saramago sugere na sua novela sobre “cegueira”, no campo sócio-político, carecem de um verdadeiro futuro. Uma das missões de Cristo, como Ele mesmo se atribui ao início da Sua pregação Salvadora na sinagoga de Nazaré foi “abrir os olhos dos cegos”, e ee autoafirmar radicalmente: “Eu sou a Luz do mundo”(Jo. 8,12) Não uma luz mas a única Luz. Sem Ele, nós e o universo, jazemos numa noite
interminável, como Nietzsche confessou quando optou por matar Deus dentro de si.

A luz é sinônimo de vida. A mãe dá à luz ao trazer seus filhos ao mundo. Cristo é a Luz porque nos faz nascer para a Vida Eterna. Sua Luz também nos faz conhecer-nos a nós mesmos e ver e amar os outros.

O Evangelho deste domingo, neste mesmo contexto, da Palavra de Deus que nos ilumina, guia e dá vida, nos exorta a não julgar os outros, pois isso nos cega a nós mesmos, não enxergando nossos próprios pecados e misérias.

Quem acredita e segue a Luz de Cristo tem um bom coração e tira Dele “o que é bom”, como dom de Deus, pois “toda obra boa vem do Pai das Luzes”. Jesus chamou os fariseus “cegos” porque acreditavam serem merecedores da salvação pelas suas próprias obras, tendo como luz a Lei de Moisés; que foi líder do seu povo, mas ele e o povo, lemos no livro do Êxodo, eram guiados por uma coluna de fogo à noite e uma nuvem de dia, pois era o próprio dia quem os guiava rumo à Terra Prometida.

Cristo não é só a Luz, como também o Pastor que, além de nos guiar, protege e cuida de maneira segura e certa para passarmos pelo vale escuro do pecado e da morte.

Padre Jesus Priante
Espanha
(Edição por Malcolm Forest. São Paulo.)
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