A ASSUNÇÃO DE NOSSA SENHORA – Cartas do Padre Jesus Priante

CRISTIANISMO MARIANO

A Assunção de Nossa Senhora ao Céu, diferente da Ascensão, atribuída singularmente a Cristo após sua morte e Ressurreição, alude ao arrebatamento de Henoc e o profeta Elias que, sem passarem pela morte, foram elevados e glorificados na sua condição humana.

São Paulo, na sua carta ao Tessalonicenses, reserva este fato para toda a humanidade no fim dos tempos: “Os que estiverem ainda vivos na terra serão arrebatados para as nuvens, ao encontro do Senhor nos ares.” (1Tss.4,17). Eles não precisarão passar pela amargura da morte.

G. Jung, pai da Psicologia profunda, mesmos sendo protestante e, portanto, não predisposto a enobrecer Maria com o título de Senhora e Mãe de Deus e mãe nossa, considerava o acontecimento da Assunção de Maria, dogmatizado no ano 1950 pelo papa Pio XII, o mais importante fato da história da Salvação depois da Ressurreição de Cristo. Desde sua ótica psicanalítica, Maria enaltecida e elevada ao Céu, sem passar pela morte, revela-nos a feminilidade e maternidade de Deus, atributos divinos necessários para o equilíbrio mental das religiões.

Medo e Terror

Nisso, Jung aceitava a tese de Freud: “a religião é uma neurose”. Uma religião exclusivamente patriarcal cria um mórbido sentimento de medo e terror. Nem sequer invocando-o como misericordioso, nos permite irmos a Ele com total confiança e certeza de sermos acolhidos sendo pecadores. Constatamos esse sentimento no AT, no judaísmo, Islã, em toda religião e na maior parte dos cristãos não evangelizados. Cristo veio revelar-nos o Deus do amor e da Misericórdia, desconhecido pelos povos antes Dele. Embora nos ensinou a chamá-lo Pai, seu rosto é mais materno do que paterno. A mãe é, humanamente pensando, a única pessoa à qual podemos ir confiantes e sem receio com nossas misérias e erros. Só podemos ver Deus como pecadores se Ele for misericordioso que, na linguagem hebraica, “rahamim” expressa entranhas maternas a gerar e dar vida por amor de maneira gratuita e generosa.

Patriarcalismo

O patriarcalismo religioso tortura nossas consciências. O tão temido inferno está mais presente do que o Céu. Basta ler o Alcorão e perceber esse drama do patriarcalismo religioso. Boa parte dos seus ensinamentos resumem-se em ameaças de castigo dos incrédulos e maus e sua condenação no inferno. Nunca aparece Allah, ainda que invocado frequentemente como “Clemente e Misericordioso”, salvando o pecador. Nem sequer há para os condenados uma chance de salvação que muitas religiões concedem através de uma possível reencarnação ou do Purgatório, como os católicos professam. A novidade do Deus revelado por Cristo consiste em que somos amados e salvos mesmos sendo pecadores (Rm.8). Nenhuma religião conhece um Deus assim, mais matriarcal do que patriarcal.

Vidas Paralelas

Plutarco, autor grego de “Vidas Paralelas”, século I a.C., afirmava ser preferível sermos ateus do que crer num Deus de temor e medo. Psicologicamente, só um Deus materno nos brinda essa confiança. Daí a importância, segundo Jung, da figura de Maria dentro do cristianismo, para o equilíbrio mental da nossa Fé. Ela é, nos diz o Concílio Vaticano II, “sinal de consolo e segura esperança”. Sacramento de nossa Salvação. Por que ela está no Céu, também nós estaremos, com maior razão por ser Mãe de Deus e mãe nossa.

Uma mãe prefere a vida dos seus filhos à sua propria.

Marianismo

O Cristianismo é essencialmente mariano. Durante quatro séculos de cristianismo, o mistério de Cristo foi racionalmente controvertido. Alguns viam Cristo apenas como homem elevado por Deus a ser Seu Filho. Outros pensavam que era Deus com aparência humana. Outros viram Nele duas pessoas: a divina e a humana. Umas vezes agia como homem e outras como Deus .

No ano 431, na cidade de Éfeso (Turquia) onde Maria morou durante 10 a 15 anos com São João, celebrou-se um Concilio Ecumênico no qual Maria foi declarada solenemente “Mãe de Deus”. De fato, sem esse pressuposto da Fé, Jesus não seria homem e, ao mesmo tempo, Deus. O marianismo cristão vai além da maternidade divina. Maria foi declarada por seu filho Jesus antes de morrer na cruz mãe da humanidade, ali representada no seu discípulo João, a quem Ele disse: “Eis a tua
mãe”.

A História do Cristianismo não pode ser escrita, entendida e vivida sem Maria. Sob mais de 400 advocações, é onipresente em todo lugar e mente dos cristãos. Culturalmente, podemos afirmar que ela está mais presente do que o mesmo Cristo. No Brasil isso é fato. Nossa Senhora Aparecida é lembrada e invocada mais do que o próprio Cristo. Não por isso Deus ou Cristo ficam magoados e com ciúmes e nem é idolatria, pois nela Deus Pai se faz materno. A Teologia, ao longo da História, quis ver nela o papel de co-redentora, junto a Cristo, e também de medianeira ou canal de graça divina que nos salva.

Ir ao Céu sem Maria

Dante, na “Divina Comédia”, a enaltece dizendo: “Ir ao Céu sem Maria é o mesmo que querer voar sem asas”. São Bernardo (séc. XII), o arauto mariano do cristianismo, confessava: “Jamais ouviu-se dizer que aquele que invocou Maria tenha sido condenado”. Tive a oportunidade de fazer esta apologia mariana algum tempo atrás e nos ratificamos! Por vontade de Deus, ela foi elevada ao trono da sua divindade. Nela Deus se fez realmente homem e ela mãe de Deus.

O mistério da Encarnação reveste-se de dois aspectos: O Filho de Deus se encarna em Jesus de Nazaré para ser nosso irmão, e Deus Pai, em Maria, para ser nossa Mãe. Torço para que um dia o Pai-Nosso seja proclamado junto com o Ave Maria, pois somos filhos de Deus, Pai e Mãe em Jesus e Maria.

“APARECEU NO CÉU UM GRANDE SINAL: UMA MULHER VESTIDA DE SOL,TENDO A LUA DEBAIXO DOS SEUS PÉS, E SOBRE A CABEÇA UMA COROA DE DOZE ESTRELAS.” (Ap. 12,1-10)

Este símbolo apocalíptico foi adotado pela Comunidade Europeia na sua bandeira, pendão com uma coroa de doze estrelas. Mesmo para olhos secularistas e ateus não deixa de ser um fato político emblemático e profético, pois não há futuro para nenhum povo sem a mediação histórica de Maria, a Nova Eva que, em Cristo, gera o novo homem, imortal e glorioso.

Na visão que teve São João, Maria aparece vestida de sol, símbolo de Cristo (sol sem ocaso) que trouxe a luz da vida ao mundo. Ela tem a lua, carente de luz própria, inerte e sem vida, debaixo dos seus pés, símbolo da situação em que nós e o universo jaziamos antes de Cristo (Is.9).

A coroa de doze estrelas alude às doze tribos de Israel, povo eleito de Deus, que se faz universal através dos doze apóstolos, enviados a convocarem todos os povos para serem coroa e glória de Deus. Enquanto essa meta gloriosa da Criação não se realiza plenamente, o mal, representado por um dragão vermelho,(sanguinário) estará presente. Mas seu poder é deficiente, por isso tem dez chifres (força bruta) frente à mulher (Maria) coroada de doze estrelas, poder vitorioso e glorioso de Deus em favor de toda a Criação.

Esta Mulher, protagonista com o Filho que deu a luz (Jesus), levado junto a Deus, fugiu para o deserto para se proteger do sanguinário dragão, e ali permaneceu durante 1260 dias. O número 1000 na Biblia indica o tempo de Deus: “mil anos é como um dia e um dia como mil anos”. Os 260 dias acrescentados representam os tempos atribulados da nossa espera até a vinda gloriosa de Cristo. Quando os desejos da humanidade pela vinda de Cristo se acumularem como que em densa nuvem, diz Teilhard de Chardin, Ele descerá como abençoada chuva para saciar nossa sede de vida e felicidade. De momento, permanecemos no deserto de nossas carências e males. Toda literatura apocalíptica, presente em vários livros da Bíblia, revelam unanimemente que o fim dos tempos serão trágicos. Será preciso uma intervenção pessoal de Deus para superar e vencer o “dragão do mal”, que tem capacidade de varrer com sua cauda um terço das estrelas. Nenhum progresso humano tornará esta terra que habitamos um paraíso. A nível pessoal, esta afirmação é evidente. Todos acabaremos necessitando apocalípticamente da intervenção de Deus para sermos salvos do pecado, da dor e da morte. Assim será para todos os povos e toda a Criação. O que sim, podemos ter certeza, é que nós e o universo teremos um final feliz e glorioso.

Maria Assunta ao Céu é esse “grande sinal” a nos garantir nossa vitória em Cristo.

“COMO TODOS EM ADÃO MORRERAM, ASSIM EM CRISTO TODOS VIVERÃO” (1Cor. 15,20- 27)

De certa feita, o papa Paulo VI disse que o capítulo 8 da Carta aos Romanos lhe dispensava o resto da Bíblia para nutrir sua Fé e esperança de Salvação. São Paulo, entretanto, punha este protagonismo na mensagem que ele condensou no capítulo 15 da primeira carta aos Coríntios. De fato, o otimismo cósmico da Salvação que se nos revela em Rm.8, seria ideológico e utópico se os sepulcros permanecessem fechados. “Se Cristo não ressuscitou, vã é nossa Fé… Se nossa Esperança é só para esta vida, somos as mais infelizes de todas as criaturas”.

A Nossa Ressureição

A Ressurreição de Cristo é nossa própria Ressurreição, assim como Sua Ascensão ao Céu é também nossa Ascensão. Para reforçar esta feliz esperança, Maria, Assunta ao Céu, brinda-nos a certeza de viver após deixarmos a presente condição terrena a mesma vida de Deus. A Ressurreição de Cristo é o fundamento da nossa Fé e esperança. Sem este fato “Histórico” todo discurso é mito ou ideológico. Mas também continuaria a ser se a Ressurreição de Cristo não fosse nossa. São Paulo condiciona a mesma à nossa: “Se nos não Ressuscitamos, Cristo também não Ressuscitou”. E vincula a
Salvação de toda a humanidade a este singular acontecimento: “Como em Adão todos morremos, em Cristo todos receberão a vida”. No passado esta verdade da nossa Fé não era em nós tão certa.

Até chegou-se a crer que a Salvação era reservada para os “eleitos” ou predestinados por Deus. O calvinismo, por exemplo, e outras seitas professam essa crença até nossos dias. E todas as religiões fazem depender a Vida Eterna dos próprios méritos, crença religiosa que professam boa parte dos cristãos, ainda não evangelizados. A mensagem de São Paulo nesta carta aos Corintios, que traduz o Evangelho de Cristo, precisa se tornar carne em nossa carne para sentir, como real e certa, a esperança da nossa Salvação, obra realizada já por Deus em Cristo em favor de todos, bons e maus. Só tem a verdadeira Fé quem se sente salvo.

“MINHA ALMA PROCLAMA A GRANDEZA DO SENHOR; MEU ESPÍRITO SE ALEGRA EM DEUS, MEU SALVADOR… SUA MISERICÓRDIA PERDURA DE GERAÇÃO EM GERAÇÃO.” (Lc. 1,39-56)

Viva, a Mãe de Deus e Nossa

Na cultura dos povos, toda conquista e triunfo são celebrados com “cantos de vitória.” Ninguém celebra e canta uma derrota. Maria tinha ido visitar sua parente Isabel numa cidade da Judeia. Ela estava grávida de João Batista. Logo que chegou, Isabel a recebeu exultante reconhecendo-a como “Mãe do seu Senhor”(Deus). Foi então que Maria proclamou o canto mais belo de todos os povos, adiantando o triunfo final contra todo mal no fim dos tempos. Não deixa de ser significativo que nos Evangelhos Cristo, sendo o grande protagonista da Salvação é chamado no livro do Apocalipse “o Vencedor”, não aparece proclamando um canto de vitória nem sequer após sua Ressurreição, triunfo do “último inimigo a ser vencido” (1Cor.15,26). Inclusive quando o povo o quis proclamar rei após a multiplicação dos pães, ele retirou-se sozinho para orar na montanha. O Rei do Universo, vencedor de todo mal, delegou o canto da vitória final da criação à sua mãe, Maria, da qual a
juíza Débora,1150 anos antes, foi protótipo Dela ao derrotar o povo cananeu, inimigo do povo de Israel, matando seu valente general Sísera. Ela mesma se autoproclamou nesse dia “mãe de Israel”(Jz.5,7). Maria portaria um título ainda mais sublime: Mãe de Deus e mãe de todos os povos. Em nome de Cristo e da humanidade canta o triunfo final contra o dragão apocalíptico do mal dizendo: “Minha alma proclama a grandeza do Senhor, meu espírito se alegra em Deus, meu Salvador… Sua Misericórdia perdura de geração em geração.” E nao só proclama a glória e a vitória que pertence a Deus como também atribui a si mesma: “As gerações todas me chamarão bem-aventurada”. Esta profecia se cumpre no acontecimento da sua Assunção ao Céu, o que celebramos neste domingo.

Como Jesus, sentado à direita do Pai, símbolo da sua realeza,
também Maria ocupa o trono divino glorioso na condição de Rainha em “favor de Abraão e de sua descendência” que são todos os povos. Por isso atribuimos a Maria títulos que só pertencem a Deus: “Santíssima Virgem”,”Nossa Senhora” (Senhor = Deus) “Rainha do Céu”, ” Mãe de Deus e Mãe nossa” e outros.
Por isso, como afirmamos acima, nossa Fé cristã é essencialmente mariana.

Por Maria, Cristo veio ao mundo para sermos salvos. Em Maria, Deus transforma seu poder criador em misericórdia que nos permite, como diz o papa Bento XVI, esperar nossa Salvação de maneira segura e certa.

Padre Jesus Priante
(Edição e intertítulos por Malcolm Forest. São Paulo.)
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