Operíodo que antecede o Natal costuma despertar, de modo quase universal, gestos de maior proximidade humana, generosidade e cuidado pelos mais pobres e necessitados. Em muitos lugares do mundo intensificam-se campanhas de recolha de bens, refeições solidárias, iniciativas de voluntariado e expressões de empatia que parecem emergir com mais força justamente na época natalícia. Mas por que isso acontece? E como essa sensibilidade encontra ressonância no tempo do Advento, especialmente quando iluminado pelo Evangelho de Mateus, que guia a liturgia do novo Ano A?
O Advento: um tempo de espera que transforma o coração
O Advento é, antes de tudo, um tempo de preparação interior. Não se trata apenas de aguardar passivamente o nascimento de Cristo, mas de dispor o coração para acolher uma presença que transforma a vida e o modo como olhamos o mundo. Liturgicamente, o Advento é marcado por três movimentos espirituais:
- A vigilância – estar atento aos sinais de Deus na vida (Mt 24,37-44).
- A conversão – preparar “endireitando os caminhos do Senhor” (Mt 3,1-12).
- A alegria esperançosa – reconhecer que Deus está próximo e que essa proximidade gera vida nova (Mt 11,2-11).
Cada um desses movimentos possui um impacto direto na forma como percebemos o outro, especialmente o mais vulnerável.
1A vigilância que nos faz ver quem sofre
O Evangelho de Mateus, no 1º Domingo do Advento (Ano A), convida à vigilância. A vigilância do cristão, porém, não é medo, mas sensibilidade. Estar atento à vinda do Senhor significa também estar atento ao rosto do irmão, onde Cristo continuamente se revela. Assim, a espiritualidade do Advento aguça o olhar e desperta a consciência: não se pode esperar o Deus que vem ignorando o pobre que está diante de nós.
2A conversão que exige justiça
João Batista surge no 2º Domingo (Ano A) pedindo conversão. A palavra bíblica para “conversão”, metanoia, implica mudança de mentalidade, de atitudes e de prioridades. Na leitura mateana, conversão autêntica está ligada à prática da justiça, à partilha e ao cuidado concreto com quem precisa. A preparação para o Natal, portanto, não é apenas espiritual, mas ética.
3A alegria que brota da proximidade de Deus
No 3º Domingo do Advento, Jesus responde aos discípulos de João anunciando sinais de cura, libertação e boa notícia aos pobres. Essa é a marca do Messias esperado. O Advento, por isso, recorda que a presença de Deus se manifesta na restauração da dignidade humana, sobretudo dos que sofrem.
Mateus e a solidariedade: um evangelho profundamente social
Entre os evangelistas, Mateus é o que mais sublinha a ligação entre fé e prática concreta. O Ano A, centrado nesse evangelho, oferece diversos textos que explicitam a responsabilidade do discípulo diante dos necessitados.
Um dos textos mais fortes proclamados próximo do Advento é a cena do Juízo Final, em que Jesus se identifica com os famintos, os sedentos, os estrangeiros, os nus, os doentes e os presos. A grande revelação de Mateus é:
“Tudo o que fizestes a um destes meus irmãos mais pequeninos, a mim o fizestes.”
Esta passagem dá fundamento teológico à solidariedade natalícia:
- Cristo aproxima-se da humanidade na fraqueza de uma criança pobre;
- Cristo continua aproximando-se de nós no pobre que necessita.
Assim, quanto mais o Natal se aproxima, mais o cristão é convidado a reconhecer o olhar de Jesus nos rostos que pedem ajuda.
Por que a solidariedade aumenta antes do Natal?
Há pelo menos quatro razões profundas — espirituais, culturais e humanas — que explicam esse fenômeno.
O presépio…simplicidade e pobreza
O presépio, com sua simplicidade e pobreza, recorda que Deus escolheu a periferia do mundo. Entrar no mistério do Natal é confrontar-se com a realidade de tantas famílias que, como Maria e José, vivem precariedades, deslocamentos, carências e exclusões.
O Natal desperta afetos, saudades e vínculos familiares. Esse clima favorece o desejo de reconciliação, de doação e de cuidado. A generosidade torna-se quase uma extensão da ternura que o Natal representa.
As leituras litúrgicas, as celebrações e o ambiente religioso conduzem à introspecção e ao arrependimento. As pessoas sentem-se chamadas a “fazer o bem” como forma de preparação espiritual para acolher o Menino Deus.
As comunidades cristãs, ano após ano, realizam campanhas solidárias neste período, reforçando na sociedade a importância da partilha. Mesmo quem não é crente reconhece a força cultural do Natal como época de generosidade.
A solidariedade natalícia: desafio ou hábito sazonal?
O aumento da generosidade é um sinal positivo, mas coloca uma interpelação profunda:
Por que somos mais atentos aos necessitados apenas no Natal?
A partir de Mateus 25, a mensagem é clara: a caridade não é sazonal, é critério de vida. O Advento ensina que:
- Quem vigia, vê sempre o necessitado.
- Quem se converte, muda a sua relação com os bens.
- Quem acolhe o Messias, acolhe o irmão em qualquer tempo do ano.
Portanto, a solidariedade de dezembro pode ser porta de entrada para uma solidariedade permanente.
A solidariedade que cresce no período natalício não é coincidência: ela nasce do coração da mensagem cristã. O Advento, especialmente nas leituras do Evangelho de Mateus, revela que preparar-se para o Natal é preparar-se para o encontro com Cristo vivo nos pobres.
O Natal lembra que Deus se fez pequeno, frágil, necessitado. E porque recordamos esse mistério, tornamo-nos mais sensíveis à dor dos que sofrem. A verdadeira espiritualidade natalícia, porém, convida-nos a levar esta sensibilidade para além de dezembro, construindo uma cultura de compaixão que transforme vidas e ilumine o mundo com a mesma luz que brilhou em Belém.



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