Leão XIII e Leão XIV, semelhanças e diferenças

Um olhar dos Papas sobre as coisas novas ao longo dos tempos

Corria o ano de 1891 quando o Papa Leão XIII publicou uma encíclica intitulada Rerum Novarum, que quer dizer, sobre as coisas novas. Nela, fez uma espécie de compêndio da Doutrina Social da Igreja, que são as diretrizes para a ação do católico na sociedade.

O mundo passava por grandes transformações naquela década que concluía o século XIX. Para ter uma noção, no mesmo ano da Encíclica Rerum Novarum houve a primeira revolta contra a monarquia portuguesa e a eleição e renúncia do primeiro presidente brasileiro.

No horizonte do Papa surgia um tema importante de ser debatido: a condição dos operários. A revolução industrial estava incidindo de maneira forte na produção, comércio e consumo de diversos bens, mas também mudava de maneira impactante a vida das pessoas com novas relações, expansão das cidades e a inserção ampla dos cidadãos nas dinâmicas de produção e consumo.

Atualidade

É um pouco curioso que nesse novo milênio um Papa retome o nome de Leão, que teve o primeiro no século V. Mas o Papa Prevost explicou que escolheu esse nome justamente por causa de Leão XIII e sua abordagem sobre o tema social de sua época. Segundo o atual Papa Leão, a Igreja deve “responder a uma nova revolução industrial e aos desenvolvimentos da inteligência artificial, que trazem novos desafios para a defesa da dignidade humana, da justiça e do trabalho”.

O jornalista Amadeo Lomonaco explica que, de fato, alguns trechos da encíclcia de 134 anos atrás, cabem bem para os tempos atuais. “Na encíclica Rerum Novarum, é destacado o bom ou o mau uso dos bens. Esse critério é igualmente válido para a abordagem a ser seguida hoje no uso das tecnologias digitais”, destaca Lomonaco.

Tem destaque, na Rerum Novarum, as condições dos operários nas fábricas: “Não é justo nem humano exigir do homem tanto trabalho a ponto de fazer pelo excesso da fadiga embrutecer o espírito e enfraquecer o corpo” (25). No nosso tempo, assim como no final do século XIX, o mundo do trabalho é um dos pilares que sustentam o tecido social. Relendo a encíclica do Papa Leão XIII, focada nas condições das massas operárias, e inserindo essas reflexões no contexto atual, podemos projetar uma espécie de “Rerum digitalium”, uma releitura sobre as “coisas digitais”. Seguindo o caminho traçado por Leão XIII, é possível considerar a questão do trabalho e os direitos dos trabalhadores à luz das profundas mudanças causadas pelas novas tecnologias.

O caminho dos papas

A releitura, reinterpretação, atualização do Papa Leão XIV sobre esse tema social se liga à constante atualização que os papas fazem do tema. O Papa Pio XI publicou em 1931, a Encíclica Quadragesimo anno recordando a s quatro décadas da publicação da Encíclica Rerum Novarum. Nela destaca como o Evangelho pode aperfeiçoar a ordem social.  É um texto marcado pela crise econômica de 1929 que além de reforçar o que foi indicado por Leão XIII, abordou de forma forte a questão da desigualdade.

Mais uma década adiante, em 1941, o Papa Pio XII se dirigiu aos fiéis por meio de uma radio mensagem para recordar, em meio à Segunda Guerra Mundial, a necessidade de um “espírito social forte, sincero e desinteressado”, como ensinado na Rerum Novarum.

O Papa João XXIII, em 1961, também pelo rádio, indica aos fiéis o estudo da Rerum Novarum como uma “luz nova e apropriada às modernas circunstâncias do mundo”.

Em 1971 o Papa Paulo VI publicou  Octagesima Adveniens na qual atualiza os ensinamentos de Leão XII para os desafios daquele período que iam do crescimento das cidades até o desemprego.

O Papa João Paulo II, na recorrência dos 90 anos da Rerum Novarum, publicou Laborem Exercens sobre o trabalho humano; em 1991 para o centenário da Encíclica do Papa Leão XIII publicou Centesimus annus. O contexto era o fim do comunismo e a realidade do capitalismo de mercado. Nela, João Paulo II reforça que o trabalho não é mercadoria, que o bem-estar social é um direito e um dever, e que a propriedade privada é um direito fundamental que contém uma hipoteca social, ou seja, serve ao bem comum.

Por que temas sociais?

Podemos nos perguntar isso sempre, porque às vezes achamos que a fé não tem ligação com a sociedade. E por quê repetir uma encíclica de um outro contexto social? O Papa Paulo VI respondeu seus contemporâneos e pode nos responder hoje: “A Igreja e o próprio Papa já haviam denunciado outras vezes os erros sociais, especialmente de ideias, que vinham gerando graves inconvenientes nos novos tempos, precisamente os do trabalho industrial; mas, daquela vez, a palavra foi mais forte, mais clara, mais direta; hoje, podemos dizer que foi libertadora e profética”

O Papa Bento XVI também tratou das questões sociais na Encíclica Caritas in Veritatem na qual acrescenta os desafios humanos de construir uma vida coerente em meio aos desafios do mundo do trabalho.

O Papa Francisco tratou da questão da dignidade do trabalho em Fratelli Tutti e acrescentou o contexto da pandemia em que tantas certezas foram desfeitas.

Cabe ao novo Papa e aos fiéis reler, compreender e dar sua contribuição para nosso tempo sobre a ação dos católicos na sociedade, sobretudo no contexto digital. Entre os riscos associados às novas tecnologias, e em particular à inteligência artificial, estão os de novas formas de escravidão e exploração. Além das sombras, também há muitas luzes relacionadas às oportunidades que esta era digital pode oferecer a toda a família humana e, em particular, às novas gerações.

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