Inspirado pelo Cântico das Criaturas de São Francisco de Assis, que este ano completa 800 anos, o arcebispo de Palmas (TO) e presidente do regional Norte 3 da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), dom Pedro Brito Guimarães, concedeu uma entrevista ao portal da Conferência sobre a necessidade de contemplar a beleza da criação, obra de Deus, e a necessidade de “treinar” a sensibilidade para uma nova relação com a Casa Comum: “Nós não somos proprietári0s. Somos cuidadores dessa obra”, disse.
O presidente do regional Norte 3 da CNBB foi um dos participantes, escolhido pelo Papa Francisco, para o Sínodo da Amazônia, realizado em outubro de 2019. Ele foi um dos formuladores da tese da conversão ecológica. “Pela graça de Deus, minha surpresa e alegria foi contemplada no Documento Final no número 82“, relembrou.
“Conversão é um retornar para Deus. Conversão ecológica significa que existe um pecado ecológico. Pecado ecológico é tudo aquilo que incide contra a obra criada por Deus. Não deixar espaço para as gerações futuras se beneficiarem pelas obra de Deus”, disse. Leia, abaixo, a íntegra
1 – A CF 2025 marca os 800 anos de composição do Cântico das Criaturas de São Francisco. O que a letra deste poema tem a ensinar para as novas gerações sobre a beleza da Criação e a relação dos seres humanos com a casa comum?
“Onipotente e bom Senhor, a ti a honra, a glória e o louvor”. Quem de nós já não pronunciou essas palavras ou cantou essa letra numa melodia qualquer? Esse ano, comemoramos 800 da criação, por São Francisco, do poema chamado Cântico das Criaturas. De forma poética, São Francisco coloca o amor do ser humanos por todas as criaturas e o enaltecimento de Deus criador de todas as coisas. Esse cântico fez história, atravessou o mundo e chegou até nós. Ele é uma peça fundamental para animar a Campanha da Fraternidade deste ano.
Eu, certamente muitos de nós, passamos por várias fases da vida. Uma fase mais possessiva e interesseira, em que se olha para a terra como produto a ser adquirido para plantar, colher, para fazer casas e comercializar. Na verdade, essa é uma necessidade que temos. Faz parte da lógica do mercado.
Mas tem uma outra dimensão, que eu chamaria de franciscana, que nos faz olhar a natureza e contemplar com o olhar a beleza e fazer um ato de reverência ao Deus criador de todas as coisas. Hoje me encontro numa fase mais franciscana; o meu olhar hoje é mais cuidadoso, mais amoroso e esperançoso com relação à natureza. Deixe a natureza em seu lugar, eu quero contempla-la e encontrar os vestígios de Deus criador nesta natureza tão bela.
E podemos afirmar que o Brasil é um paraíso terrestre. Tudo que quisermos de bom e belo, nós temos na natureza, infelizmente, às vezes, destruída, desmatada, poluída e envenenada. Clamo a todos a dizer como São Francisco: “Onipotente e bom Senhor. Louvado seja meu senhor pela terra, pela água, pelos animais, pelo ser humano, pela morte e pela vida e por tudo que existe.
2 – Como desenvolver a sensibilidade do olhar e do cuidado com a obra da Criação?
Olha para a natureza, com olhar cuidadoso, amoroso e esperançoso é questão de sensibilidade. Aliás, muitas coisas na vida depende da sensibilidade. Eu quando morava em São Raimundo Nonato, lá tem o parque nacional da Serra da Capivara, ouvi uma vez da Daniele Guidon uma frase dizendo:”O turismo da Serra da Capivara é um turismo de sensibilidade”. Se você vai a São Raimundo Nonato ver a história e o berço do homem americano e não tiver sensibilidade, você vê grafite, resquícios, pedaço de pedras e outros elementos mas não vê nada. Mas se tem sensibilidade, você vê o essencial. O essencial da vida se vê pela sensibilidade e a sensibilidade a gente também treina. É um dom que Deus dá, mas também trabalho que se faz.
Esperamos que esta campanha ajude as pessoas, sobretudo as crianças, os adolescentes, porque às vezes estão influenciados pelo mundo urbano, do lúdico e dos interesses e talvez não se importem muito por essa página bonita da vida que é a sensibilidade. Que essa campanha crie em nós homens e mulheres contemplativos da natureza. Contemplando a natureza, contemplamos quem a criou, chegamos até a Deus.
3 – “Deus viu que tudo era muito bom!”, extraído de Gênesis 1, 31 é o lema bíblico que inspira a realização da Campanha da Fraternidade 2025. Ao olhar hoje num horizonte de contemplação para a obra da criação é possível ainda afirmar a mesma coisa?
Quando Deus criou todas as coisas visíveis e invisíveis ele disse que: “Tudo era muito bom”, como registrado no Gêneses. Hoje podemos dizer que tudo que Deus criou era muito bom. Infelizmente hoje nem tudo está muito bom e belo. Hoje em dia há espaço para a gente pensar que nem tudo está muito bom. Ao contrário, muitas coisas estão desfeitas, destruídas, matadas, envenenadas e queimadas. É preciso que a gente tenha essa consciência que quem incide sobre a criatura está incidindo sobre o criador. Por isso, é importante a gente ter discernimento.
Cada um deve pensar na qualidade do seu discernimento. Se Deus viu que tudo era muito bom, Ele quer que tudo seja muito bom, belo e perfeito. E eu não posso ser inimigo de Deus e da fé cristã que apregoa essa sensibilidade para com a obra de sua criação. Eu também tenho que dizer que tudo existe é muito bom e belo. Isto me remete a pensar que eu não posso destruir aquilo que é bom e que é belo: a obra, dom e criação de Deus. Pela minha própria inteligência, força, meu modo de ser, crer e viver, tenho que, de fato, fazer com que minha resposta seja próxima à resposta de Deus e a minha admiração seja a mesma admiração de Deus.
4 – Um olhar atento de contemplação para a Obra da Criação contribuiria para um processo de conversão a um novo modo de tratar a Casa Comum?
Quando falamos em conversão ecológica ou qualquer outra conversão, é uma forma de fazermos qualquer viagem de retorno para Deus. Conversão é retornar para Deus. Conversão ecológica significa que existe um pecado ecológico. Eu sou autor dessa tese defendida no Sínodo da Amazônia em 2019. Pela graça de Deus, minha surpresa e alegria foi contemplada no Documento Final no número 82. Pecado ecológico é tudo aquilo que incide contra a obra criada por Deus. Não deixar espaço para as gerações futuras se beneficiarem pelas obra de Deus. Tudo que incide sobre as criaturas.
Na ecologia integral, existe o elemento fundamental que é a pessoa humana. Nós não somos proprietári0s. Somos cuidadores dessa obra. Em razão disto, temos a responsabilidade de cuidar da natureza. Na natureza não existe fora ou dentro. Às vezes gente diz vou tirar de dentro da minha casa, meu quintal e cozinha e colocar na rua para que o carro pegue… Também é um pecado ecológico quando enveneno a comida que vai para o prato de outras pessoas; a destruição do meio ambiente, jogar lixo em qualquer lugar, envenenamento do solo, das águas e do ar também das pessoas são pecados ecológicos. Então é preciso a conversão ecológica porque existe um pecado ecológico.
Que nesta Quaresma, nesta Campanha da Fraternidade, nós que vamos ao confessionários e os confessores também averiguem se não praticaram um ato contra a natureza, um pecado e um delito contra os seres criados. Se nós nos convertermos todos certamente a vida ficará mais bela, a natureza agradecerá e Deus também será louvado na sua potência, beleza e na sua infinitude que criou tudo para nós.