Estamos caminhando neste mês da Bíblia, enquanto Igreja que peregrina no Brasil, no conhecimento da Palavra de Deus para descobrir, com gestos concretos, quem é Jesus para cada um de nós. Por que caminhos temos de andar para que a nossa vida seja plenamente realizada? A liturgia do 24.º Domingo do Tempo Comum responde: a realização plena do homem passa pela obediência aos projetos de Deus e pelo dom total da vida aos irmãos. Quem quiser salvar a sua tranquilidade, o seu bem-estar, os seus interesses, os seus bens materiais, destruirá a sua vida para sempre; quem aceitar servir de forma simples e humilde, cuidar dos mais frágeis e necessitados, lutar por um mundo mais justo e humano, alcançará a plenitude da existência, pois a sua vida alimenta-se de amor.
A liturgia deste domingo nos transmite a fé no Messias sofredor, Servo que padece, Justo que entrega sua vida.
A primeira leitura – Is 50,5-9a – é um recorte do terceiro cântico do Servo, que nos traz a palavra e o drama de um profeta anônimo, que no cumprimento da sua missão, enfrenta a incompreensão, a prisão, a tortura, a condenação. Apesar de tudo isso, o profeta não sente que a sua vida tenha sido um fracasso. Está absolutamente convicto de que Deus virá em seu auxílio e fá-lo-á triunfar sobre a perseguição e a morte. Os primeiros cristãos viram neste “servo de Deus” a figura de Jesus. O Servo mostra-se dócil e impassível, sem recuar diante das dificuldades. O Servo tem sua esperança em Deus. Essa profecia cumpre-se plenamente em Jesus: Ele é o Servo de Deus que sofre, não um messias triunfalista, mas o Justo que se compadece do ser humano.
O Evangelho – Mc 8,27-35 – apresenta Jesus como o Messias de Deus, enviado pelo Pai para indicar aos homens o caminho que conduz à Vida verdadeira. Ora, segundo Jesus, o caminho da Vida plena e definitiva é o caminho da cruz, do dom da própria vida, do amor até ao extremo. Jesus vai percorrer esse caminho; e quem quiser ser seu discípulo, tem de aceitar percorrer um caminho semelhante.
Pedro, na primeira parte do Evangelho, faz uma bela profissão de fé, reconhecendo a Jesus como o Enviado de Deus. Na segunda parte, Jesus faz aos discípulos o anúncio de sua Paixão, assumindo para si a missão do Servo que sofre. O mesmo Pedro, agora, diante de tal anúncio, repreende o Senhor. Jesus chama a atenção do chefe dos Apóstolos. Somente aos olhos da fé conseguiremos reconhecer Jesus como o Cristo e compreender sua missão. Na lógica do mundo, a cena da Cruz torna-se loucura e escândalo. Pela fé, a Cruz não é escândalo e nem loucura, mas sinal eficaz de salvação, doação e serviço humilde e gratuito.
Na segunda leitura – Tg 2,14-18 –, um “mestre” cristão lembra aos seus irmãos na fé que o seguimento de Jesus não se concretiza com belas palavras ou com teorias muito bem elaboradas, mas com gestos concretos de amor, de partilha, de serviço, de solidariedade para com os irmãos. Para São Tiago, há uma “fé viva” e uma “fé morta”. A primeira é aquela que produz “frutos de bem”; a segunda não produz nenhuma ação concreta, consiste simplesmente no ato intelectual de adesão a uma ideia. Sem caridade, em que pesem os bons desejos e as boas palavras, o indigente não é defendido contra o frio nem sua fome é saciada. Demonstra-se a fé pelas obras de caridade. A fé é algo dinâmico que nos leva ao compromisso com aquilo em que acreditamos.
Neste domingo somos chamados a carregar a nossa cruz de cada dia. Nós devemos nos questionar sobre quem é Jesus para nós. Jesus tem que ser sempre o Messias que se doa a todos, dando atenção e carinho especial aos menores e sofredores, assumindo as consequências da missão. O discípulo participa da missão de Jesus assumindo a cruz, a qual é consequência concreta, e não princípio. Jesus nos quer participantes de sua missão, não sofredores sem causa; Jesus nos quer discípulos seus, com uma vida que se doa, ganha sentido e se plenifica no seio do próprio Deus.
+ Anuar Battisti
Arcebispo Emérito de Maringá, PR