Reprogramação genética, impressão de órgãos em 3D, criogenia, transplante de microbiota, transfusão de sangue de doadores jovens e até “transplante de mente”: por que tamanho afã em fugir da hora de morrer?
Para não poucos críticos, o empenho de um grupo de bilionários do Vale do Silício em prolongar quase infinitamente a duração da vida humana sobre a terra parece já ter ultrapassado as fronteiras da obsessão.
Entre as tentativas de driblar a morte que estão em curso mundo afora, a mídia já nos trouxe notícias de reprogramação genética, impressão de órgãos em 3D, criogenia, transplante de microbiota e até transfusão de sangue de doadores jovens, sem falar em teses que parecem extraídas de episódios de “Black Mirror“, como a transferência da consciência para servidores na nuvem a fim de posteriormente reinstalá-la num corpo sintético – ou seja, “transplante de mentes” (ou de corpos, a depender do ponto de vista).
Nesta miscelânea de projetos que vão do teoricamente possível até o escancaradamente estapafúrdio, valores estratosféricos despejados em startups dedicadas a conquistar a “vida infinita” jorram de bolsos dentre os mais recheados do planeta, como são os de Larry Ellison (Oracle) e Peter Thiel (PayPal).
Outros bilionários, como Jeff Bezos (Amazon) e Sergey Brin (Google), não chegaram explicitamente a declarar uma guerra à morte, mas injetam fortunas em tentativas de adiá-la o máximo de décadas que seja possível.
Nem todo bilionário quer matar a morte
É preciso registrar, como contraponto, que outros bolsos fabulosamente polpudos, como os de Elon Musk e Bill Gates, não estão dispostos a pagar pelo “capricho” de não morrer.
O fundador da Microsoft já afirmou que considera “bastante egocêntrico” esse afã de bilionários pelo elixir da vida infinita enquanto bilhões de pobres morrem de “malária e tuberculose”. De fato, é bem conhecido – e objeto de muitas polêmicas – o engajamento de Gates com a indústia das vacinas.
Por sua vez, Elon Musk já declarou, em entrevista ao Business Insider, que “não devemos tentar fazer as pessoas viverem por muito tempo”, já que, a seu ver, “isto asfixiaria a sociedade”. Segundo o dono da Tesla, da SpaceX, da Neuralink, da Boring Company e de várias outras empresas disruptivas, a morte natural seria necessária para o avanço da sociedade, pois cada geração que morre levaria consigo “velhos conceitos” que obstruiriam a nossa evolução.
Não custa lembrar, porém, que, embora se declare avesso a financiar a vida infinita, Musk está investindo pesado no chip de implantação cerebral da Neuralink: além de alegadamente voltado a combater doenças como o mal de Alzheimer e o de Parkinson, o chip seria, segundo alguns teóricos da futurologia (ou da conspiração), o precursor do tal “transplante de mentes” (ou de corpos).
Bilionários com pavor de morrer?
Enquanto isso, Peter Thiel, cofundador da PayPal e da Palantir, e Sam Altman, diretor executivo da badalada OpenAI, criadora do ChatGPT, injetaram milhões e milhões de dólares na Retro Biosciences, uma empresa criada em 2021 com o propósito de driblar a morte mediante projetos como o de potencializar o processo celular de autofagia, pelo qual as células eliminam as toxinas que causam o seu próprio envelhecimento.
Aos 55 anos, Thiel afirma não entender como é que alguém não iria querer viver para sempre: “Dizem que a morte é natural, apenas parte da vida. Nada poderia estar mais longe da verdade”, proclama ele. O bilionário acrescenta que a sociedade se divide entre aqueles que aceitam a morte e aqueles que a recusam. “Eu sou basicamente contra e prefiro combatê-la”, resume.
Thiel patrocina também a Unity, uma “biotech” fundada em 2011 com o mesmo intuito de criar tecnologias que impeçam o envelhecimento celular. Para isto, a empresa já recebeu investimentos de cerca de 290 milhões de dólares. O executivo ainda injetou 11 milhões de dólares na Methuselah Foundation, uma organização que se declara sem fins lucrativos e que pretende transformar “os 90 nos novos 50” até 2030. Repare na referência do nome da organização ao bíblico Matusalém, símbolo de longevidade extrema.
Outro bolso poderoso contra a morte é o de Larry Ellison, fundador da Oracle. Aos 78 anos, ele afirma que “a morte nunca fez sentido”. E questiona: “Como é que uma pessoa pode estar aqui e, de um momento para o outro, simplesmente desaparecer?”. Desde 1997, a Ellison Medical Foundation já aplicou 500 milhões de dólares em pesquisas contra o envelhecimento.
Dispêndios ainda maiores do que esses – formidavelmente maiores, aliás – foram destinados ao retardamento da morte por Jeff Bezos, fundador da Amazon e da Blue Origin. Detentor do título de terceiro homem mais rico da atualidade, depois de já ter chegado a ser o primeiro, Bezos investiu incríveis 3 bilhões de dólares na Altos Lab, uma startup de biotecnologia que pretende reprogramar as células para combater doenças e prolongar consideravelmente a duração da vida. Numa primeira etapa, o objetivo é adicionar ao menos 50 anos à atual expectativa de vida já alcançada em sociedades desenvolvidas. Em países como o Japão e a Suíça, ela está hoje na casa dos 83 anos.
Sergey Brin, cofundador do Google (hoje Alphabet), revelou em 2008 que sofre de uma predisposição genética a desenvolver a doença de Parkinson, o que o levou a investir desde então 1 bilhão de dólares em estudos sobre esse quadro neurodegenerativo. Em 2013, Brin e seu sócio cofundador Larry Page anunciaram o lançamento da Calico Labs, outra startup engajada no desenvolvimento de soluções que prolonguem a vida.
Os resultados obtidos de lá para cá, no entanto, não parecem entusiasmantes: há dois anos, o próprio cofundador da Calico Labs, Bill Maris, se declarou decepcionado com a falta de resultados da startup.
Driblar a morte ou viver a vida?
Essa decepção poderia ser a deixa para se pensar mais a fundo sobre o grau de sensatez que de fato existe num frenesi tão insustentavelmente caro para se escapar do inescapável.
Enquanto os devaneios de “vida infinita” se chocam contra a morte inexorável dos seus próprios idealizadores, os bilhões de dólares desperdiçados nesta fuga ilusória poderiam potencializar avanços revolucionários no tratamento de doenças da vida real, proporcionando à humanidade mais qualidade de vida antes que a morte chegue.
Se mesmo assim o pavor de morrer fala tão mais alto que a possibilidade real de melhorar a vida de 8 bilhões de pessoas, então é certamente o caso de nos perguntarmos se o que assusta tanto é mesmo a morte ou é aquilo que pode vir depois dela.