Os mitos da Sexta-Feira Santa

Lembro-me de uma senhora que nos contava de um homem que resolveu desafiar Deus e comer um frango no almoço daquele grave dia de jejum e abstinência

Tenho reminiscências infantis de toda a mitificação em torno da Sexta-feira Santa que, hoje, fazem-me mais benévolo com nossos antepassados, em seu esforço de diferenciar o profano do sacro…

Lembro-me de uma senhora que nos contava de um homem que resolveu desafiar Deus e comer um frango no almoço daquele grave dia de jejum e abstinência. De repente, teria aparecido um urubu e levado o frango embora, o qual, antes de ser levado, levantou-se sobre o pote e começou a cacarejar.

Outros diziam que não se penteavam os cabelos nem se varria a casa nesse dia; escondiam-se, portanto, os espelhos, como sinal de rejeição da vaidade: quem se preocuparia em ficar bonito no dia em que revivíamos a Paixão do Nosso Deus humanado?… Para fins disciplinares, os mais velhos contavam que quem desafiasse tais preceitos e ousasse olhar-se no espelho, aparecer-lhe-ia, em lugar do reflexo da face, a Sagrada Face ensanguentada de Nosso Senhor coroado de espinhos, como sinal de reprovação daquela horrenda sensibilidade.

Já chegados ao tempo do rádio e da televisão, os mesmos venerandos anciãos diziam que não se escutasse senão rezas ou músicas clássicas, tristes e penosas, e que não se ligasse de modo algum a TV, a qual deveria permanecer, neste dia, desconectada da tomada, pois satanás às vezes fazia-lhe ligar-se “sozinha” e aparecia na tela para assombrar os curiosos.

Hoje, em que vivemos na era tecnológica e se desprezam as sensibilidades míticas, os homens preferem acreditar em duendes, gnomos, na racionalidade animal, nas energias impessoais que são ativadas pela força do pensamento… Estão todos libertos do temor de Deus e passaram à grande vantagem de temer os infortúnios ou até mesmo a micro-criaturas potencialmente letais.

E eu continuo aqui, recordando os piedosos mitos antigos que nos faziam temer a Deus e a proximidade com o mal, mas que nos davam a coragem de ser adultos e de fazer a vida dar certo, apesar de todos os pesares, inclusive das dores e das paixões nossas, amenizadas e consoladas pelo fato mais estrondoso de todos os tempos: do Deus que quis se fazer nosso amigo e sofrer por nós e conosco.

Pe. José Eduardo de Oliveira, via rede social

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