O 1º Domingo da Quaresma nos apresenta todos os anos o mistério do jejum de Jesus no deserto, seguido das tentações (cf. Mt 4, 1-11). Quaresma é para nós um tempo forte de conversão e renovação em preparação à Páscoa. É tempo de rasgar o coração e voltar ao Senhor. Tempo de retomar o caminho e de se abrir à graça do Senhor, que nos ama e nos socorre. É um tempo sagrado para aprofundar o Plano de Deus e rever a nossa vida cristã. E nós somos convidados pelo Espírito ao deserto da Quaresma para nos fortalecer nas tentações, que frequentemente tentam nos afastar dos planos de Deus.
Este primeiro domingo da Quaresma nos coloca diante do mistério do bem e do mal que nos habita, até as raízes mais profundas da nossa pessoa, e nos deixa vislumbrar a saída desta contradição: queda de Adão/Eva diante do tentador, no Jardim do Éden (1ª leitura), e vitória de Cristo que derrota o diabo no deserto (Evangelho) e antecipa sua vitória final na cruz e ressurreição. Cristo Ressuscitado é o novo Adão que, no jardim da ressurreição, dá início a uma nova humanidade, à qual nós pertencemos por graça, pelo Batismo que nos faz participar de sua morte e ressurreição. O salmo responsorial (Sl 50) é o salmo penitencial por excelência. Resume em si os sentimentos mais profundos do pecado, do arrependimento, da conversão, da alegria, do agradecimento pela vida renovada, pela misericórdia e o perdão de Deus. Na segunda leitura, Paulo desenvolve, em profundidade, a relação que Deus tem estabelecido entre a aventura negativa de Adão e a resposta de obediência e de amor, realizada por Cristo, “novo Adão”, início de uma humanidade nova. A transgressão de um só levou a multidão humana à morte, mas foi de modo bem superior que a graça de Deus, ou seja, o dom gratuito concedido através de um homem, Jesus Cristo, se derramou em abundância sobre todos.
Na primeira leitura – Gn 2,7-9; 3,1-7 – o Livro do Gênesis não é um livro histórico, mas é a Palavra de Deus que descreve, magistralmente, a existência do pecado e de suas consequências desastrosas para a vida humana: “Perdemos toda a beleza da graça divina e herdamos a desgraça, o sofrimento e a morte! Mas Deus, rico em misericórdia, prometeu-nos a salvação, o Messias!”
Na segunda leitura – Rm 5,12.17-19 – a morte e o sofrimento não são criaturas de Deus; são consequências de nossos pecados! Mas Deus prometeu-nos a salvação e a vida mediante a Morte e Ressurreição de Jesus Cristo. As consequências do pecado estão descritas, magistralmente, na narrativa do Gênesis: A vergonha do próprio corpo, o medo de Deus, a violência e a morte!
No Evangelho – Mt 4,1-11 – nosso Deus, feito homem, submeteu-se à tentação diabólica no deserto para nos ensinar como se vence o mal mediante a Palavra de Deus. A prática de Jesus é a indicação perfeita para o caminho da salvação! Quem nos salva não são as doutrinas, as filosofias ou as técnicas deste mundo, mas a Palavra de Deus, expressão real do amor de nosso Deus. Ele é nosso Salvador!
A Palavra de Deus nos desvenda dois mistérios tremendos: o mistério da piedade e o mistério da iniqüidade! Esses dois mistérios atravessam a história humana e se interpenetram misteriosamente; dois mistérios que nos atingem e marcam nossa vida, e esperam nossa decisão, nossa atitude, nossa escolha! Um é mistério de vida; o outro, mistério de morte. O mistério da iniqüidade destruiu o mistério da piedade? Não! De modo algum! Ao contrário: revelou-o ainda mais: “A transgressão de um só levou a multidão humana à morte; mas foi de modo bem superior que a graça de Deus… concedida através de Jesus Cristo, se derramou em abundância sobre todos. Por um só homem a morte começou a reinar. Muito mais reinarão na vida, pela mediação de um só, Jesus Cristo, os que recebem o dom gratuito e superabundante da justiça”.
O mistério da piedade, o centro da nossa fé: em Cristo revelou-se todo o amor de Deus para conosco; pela obediência de Cristo a nossa desobediência é redimida; pela morte de Cristo na árvore da Cruz, nós temos acesso ao fruto da Vida, da Vida plena, da Vida em abundância, da Vida que nunca haverá de se acabar! Pela obediência de Cristo, pelo dom do seu Espírito, nós temos a vida divina, nós somos divinizados, somos, por pura graça, aquilo que queríamos ser de modo autônomo e soberbo! Assim, manifestou-se a justiça de Deus: em Jesus morto e ressuscitado por nós – e só N’Ele! – a humanidade encontra vida!
A narrativa das tentações que Jesus sofreu mostra que Jesus “foi experimentado em tudo” (Hb 4, 15), comprovando também a veracidade da Encarnação do Verbo de Deus. Diz Santo Agostinho que, na sua passagem por este mundo nossa vida não pode escapar à prova da tentação, dado que nosso progresso se realiza pela prova. De fato, ninguém se conhece a si mesmo sem ser experimentado, e não pode ser coroado sem ter vencido, e não pode vencer, se não tiver combatido e não pode lutar se não encontrou o inimigo e as tentações.
O Senhor está sempre ao nosso lado, em cada tentação, e nos diz afetuosamente: “Confiai: Eu venci o mundo” (Jo16, 33). E com o salmista podemos dizer: “O Senhor é a minha luz e a minha salvação; a quem temerei?” (Sl 26, 1). “Procuremos fugir das ocasiões de pecado, por pequenas que sejam, pois aquele que ama o perigo nele perecerá” (Eclo 3, 27). Como Jesus nos ensinou na oração do Pai Nosso: “Não nos deixeis cair em tentação”; é necessário repetir muitas vezes e com confiança essa oração!
A maneira de combater de um filho de Deus é equilibrada: confia, em primeiro lugar, na graça de Deus e, depois, coloca todos os meios que está ao seu alcance para conseguir a vitória: oração, sacramentos, fuga das ocasiões de pecado, cultivo do espírito de penitência, uma dimensão de serviço que ajuda a descomplicar-se