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“Tenho um ligamento rompido no joelho, farei infiltrações e veremos”. “Estou assim há muito tempo, não posso caminhar. Antigamente os papas costumavam usar a cadeira gestatória. É preciso também um pouco de dor, de humilhação”. É assim que Francisco justifica não poder se levantar para comprimentar o diretor Luciano Fontana e a vice-diretora Fiorenza Sarzanini do jornal italiano Corriere della Sera, que recebeu na Casa Santa Marta para a entrevista que o jornal publica nesta terça-feira (03).
A conversa foi focalizada na questão da guerra na Ucrânia, contra a qual o Papa apelou desde o primeiro dia, em 24 de fevereiro passado, e para a qual até agora houve muitas tentativas de mediação, começando com o telefonema para Zelenski, a visita à embaixada russa junto à Santa Sé para pedir-lhe que calassem as armas, e sobretudo com a disposição de ir a Moscou disponibilizada imediatamente ao Presidente Putin. “Pedi ao Cardeal Parolin, após vinte dias de guerra, que enviasse a mensagem a Putin de que eu estava disposto a ir a Moscou”. Claro que era necessário – afirma o Papa – que o líder do Kremlin concedesse pequenas aberturas. Ainda não recebemos uma resposta e continuamos insistindo mesmo temendo que Putin não possa e não queira fazer este encontro neste momento. Mas como esta brutalidade não pode ser detida? Vinte e cinco anos atrás, vivemos a mesma coisa com Ruanda”.
Combate-se guerras para testar armas que produzimos
As palavras do Papa também refletem sobre as razões da guerra e o “comércio” de armas, que para ele continua sendo um “escândalo” ao qual poucos se opõem. Francisco falou de “uma raiva facilitada” talvez pelo “ladrar da OTAN à porta da Rússia” que levou o Kremlin a “reagir mal e desencadear o conflito”. “Não sei como responder, estou muito longe, a questão de saber se é correto fornecer os ucranianos – raciocina – A coisa clara é que as armas estão sendo testadas lá. Os russos sabem agora que tanques são de pouca utilidade e estão pensando em outras coisas. É por isso que são travadas guerras: para testar as armas que produzimos. Poucas pessoas estão lutando contra este comércio, mas mais deve ser feito, e o Papa cita o bloqueio de um comboio, em Gênova, que carregava armas para o Iêmen, quando os estivadores decidiram “há dois ou três anos” de impedir a passagem.
Primeiro a viagem a Moscou. O Patriarca não é um acólito de Putin
No momento não está planejada nenhuma viagem a Kiev, mas primeiro deve haver uma viagem a Moscou. Revendo os esforços feitos ou a serem feitos para deter a escalada da violência, o Papa esclareceu: “Eu não vou para Kiev por enquanto”, “sinto que não devo ir. Primeiro devo ir a Moscou, primeiro devo encontrar-me com Putin. Mas eu também sou um sacerdote, o que posso fazer? Eu faço o que posso. Se Putin abrisse a porta…”. Também em Moscou o Papa procura a possibilidade de agir junto com o Patriarca da Igreja Ortodoxa Kirill. Ele cita a conversa de 40 minutos via zoom em 15 de março passado e as “justificações” para a guerra citadas por Kirill, e retorna ao compromisso anulado em junho em Jerusalém. “Eu escutei”, disse Francisco na entrevista, “e disse-lhe: não entendo nada sobre isso. Irmão, não somos clérigos de Estado, não podemos usar a linguagem da política, mas a de Jesus. Somos pastores do mesmo povo santo de Deus. É por isso que devemos buscar caminhos de paz, para um cessar fogo das armas. O Patriarca não pode se tornar um acólito de Putin. Tínhamos um encontro marcado em Jerusalém no dia 14 de junho. Teria sido nosso segundo encontro frente e frente, nada a ver com a guerra. Mas agora até ele concorda: “vamos parar, poderia ser um sinal ambíguo”.
Um mundo em guerra por interesses internacionais
O olhar do Papa se amplia novamente para falar dos direitos dos povos em um mundo em guerra, aquela “terceira guerra mundial” tão frequentemente evocada e temida. Não é um “alarme”, esclarece, mas “a constatação das coisas: Síria, Iêmen, Iraque, na África, uma guerra atrás da outra. Há interesses internacionais em cada pedacinho dela. Não se pode pensar que um estado livre possa fazer guerra a outro estado livre. Na Ucrânia, parece que foram outros que criaram o conflito. A única coisa que é atribuída aos ucranianos é que eles reagiram em Donbass, mas estamos falando de dez anos atrás. Esse argumento é antigo. É claro que eles são um povo orgulhoso”.
O “escândalo” da Via-Sacra: não há vontade suficiente para a paz
Neste sentido, o Papa retorna à Via-Sacra da Sexta-feira Santa no Coliseu e aos pedidos do lado ucraniano que levaram à parada da leitura da meditação na 13ª estação, conduzida por uma russa e uma ucraniana. Francisco explicou a conversa que teve com o Esmoleiro, o Cardeal Krajewski, que na Páscoa esteve em Kiev pela terceira vez enviado pelo Papa desde o início do conflito. “Liguei para Krajewski que estava lá e ele me disse: pare, não leia a oração. Eles estão certos mesmo que não compreendamos completamente. Portanto, elas ficaram em silêncio. Eles têm uma suscetibilidade, sentem-se derrotados ou escravizados por terem pago tanto na Segunda Guerra Mundial. Tantos homens morreram, é um povo mártir. Mas também estamos atentos ao que pode acontecer agora na Transnístria”. Mas em 9 de maio pode ser o fim de tudo. De sua audiência com Viktor Orbán, primeiro-ministro da Hungria, em 21 de abril no Vaticano, o Papa diz ter entendido que “os russos têm um plano”. “Assim se entenderia também a celeridade da escalada destes dias. Porque agora não é só o Donbass, é a Crimeia, é Odessa, a questão é tirar o porto do Mar Negro da Ucrânia, é tudo. Sou pessimista, mas devemos fazer todos os gestos possíveis para parar a guerra”.