Papa: Não se brinca com a vida, despoluir o coração para construir a paz

Menos armas e mais comida, menos hipocrisia e mais transparência: Francisco fez um discurso incisivo no Encontro de Oração pela Paz no Coliseu de Roma. A sociedade globalizada, afirmou, faz espetáculo do sofrimento, mas sem o sentir; por isso, é preciso “construir compaixão”.

Bianca Fraccalvieri – Cidade do Vaticano

A extensa lista de compromissos do Papa Francisco nesta primeira semana de outubro incluiu também um momento de oração pela paz no Coliseu de Roma.

O evento encerrou o Encontro Religiões e Cultura em diálogo “Povos irmãos, terra futura”, promovido pela Comunidade de Santo Egídio.

Não se pode brincar com a vida dos povos e das crianças

Na presença de outros líderes religiosos e autoridades políticas, entre os quais o patriarca de Constantinopla, Bartolomeu, o Pontífice fez um longo discurso para reiterar a importância das religiões na promoção da paz: “A oração é aquela força humilde que dá paz e desarma os corações do ódio”.

Tendo como pano de fundo o Coliseu, outrora palco de espetáculos fratricidas, Francisco constatou que ainda hoje se assiste à violência e à guerra, ao irmão que mata o irmão.

“O sofrimento dos outros não nos faz apressar o passo; nem sequer o dos mortos, dos migrantes, das crianças reféns das guerras, privadas duma infância despreocupada a brincar. Mas não se pode brincar com a vida dos povos e das crianças. Não se pode ficar indiferente. Pelo contrário, é preciso criar empatia e reconhecer a humanidade comum a que pertencemos.”

A verdadeira coragem: a da compaixão

A análise do Pontífice é perspicaz: a sociedade globalizada faz espetáculo do sofrimento, mas sem o sentir, por isso é preciso “construir compaixão”: sentir o outro, assumir os seus sofrimentos, reconhecer o seu rosto.

“Esta é a verdadeira coragem, a coragem da compaixão.”

 “A vida dos povos não é uma brincadeira”, disse contundente o Papa. “É a guerra que brinca com a vida humana”.

Citando o documento assinado com o Grão-Imame de Al-Azhar sobre a fraternidade humana, o Papa reiterou que os representantes das religiões são chamados a não ceder às seduções do poder mundano, mas a fazer-se voz de quem não têm voz. E renova o apelo que fez em Abu Dhabi pela desmilitarização do coração do homem.

“É nossa responsabilidade, queridos irmãos e irmãs, ajudar a erradicar dos corações o ódio e condenar toda a forma de violência.”

Menos hipocrisia e mais transparência

Mais uma vez, Francisco pediu para depor as armas, reduzir as despesas militares para prover às carências humanitárias e converter os instrumentos de morte em instrumentos de vida.

“Que não sejam palavras vazias, mas pedidos insistentes que elevamos pelo bem dos nossos irmãos, contra a guerra e a morte, em nome d’Aquele que é paz e vida. Menos armas e mais comida, menos hipocrisia e mais transparência, mais vacinas distribuídas equitativamente e menos armas vendidas imprudentemente.”

O Papa fez algumas considerações sobre a paz: não se trata de um acordo a negociar nem um valor de que falar, mas uma atitude do coração. Nasce da justiça, cresce na fraternidade, vive de gratuidade. “Nós acreditamos na importância de caminhar juntos pela paz: uns com os outros, nunca mais uns contra os outros.”

Em nome da paz, Francisco fez um apelo para “desativar” a tentação fundamentalista em cada tradição religiosa. “Enquanto muitos se ocupam com antagonismos, fações e jogos partidários, nós façamos ressoar aquele dito do Imã Ali: «As pessoas são de dois tipos: ou teus irmãos na fé ou teus semelhantes em humanidade».”

Despoluir o coração

Por fim, a necessidade de conjugar o sonho da paz com o sonho da “terra futura”: é o compromisso de cuidar da criação.

Não podemos continuar sãos num mundo doente, disse o Papa. “Nos últimos tempos, muitos adoeceram de esquecimento, esquecimento de Deus e dos irmãos. (…) Assim, derramamos sobre a criação a poluição do nosso coração. Mas oração e a ação podem endireitar o curso da história. Coragem!”

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