Vamos servir, Jesus manda servir! É a grande expressão do mandamento do amor, que transborda do Coração Amantíssimo de Jesus na noite santa em que Ele se nos dá inteiramente na instituição da Eucaristia, perpetuada pelo sacerdócio ministerial, dom de amor, para sempre fazer presente o memorial de sua morte e ressurreição até o fim dos tempos. Vamos servir, Jesus manda servir e o Papa Francisco, apesar de não ser imitado por poucos, nos dá o testemunho com a sua vida simples, sem triunfalismos ou sem arroubos de auto-suficiência.
Não podemos resistir à sua palavra, nascida do seu exemplo: “Compreendeis o que vos fiz? Vós me chamais Mestre e Senhor, e dizeis bem, porque o sou. Se eu pois, Mestre e Senhor, vos lavei os pés, deveis lavar os pés uns dos outros. Dei-vos o exemplo, para que, como eu vos fiz, assim também vós devais fazer.”
No início do Evangelho desta noite santa de quinta-feira santa, Jesus assegura a sua condição divina, o Pai lhe colocara em suas mãos todas as coisas, é o Rei do Universo. Saira de Deus e a Deus iria voltar, ressoado no hino que São Paulo entoa na Carta aos Filipenses (2,5-11) recomendando-nos a ter os mesmos sentimentos de Cristo, que se fez escravo, obediente até a morte e morte de escravo, a morte de cruz.
A escravidão, a pior das submissões contrapondo-se ao senhorio, que se pretende deus, como nosso pai Adão na sua revolta contra o Criador – “sereis, como deus” disse a serpente. O escravo devia fazer para o seu senhor as coisas mais humilhantes, como o lavar os pés do seu senhor, pena dos castigos mais cruéis, a morte humilhante da cruz.
Hoje também temos a escravidão, talvez de forma mais sofisticada, como a submissão moral, a repulsa social, a recusa do perdão inclusive para o penitente, pela absurda razão de “não posso perder a autoridade e o poder do mando”.
Jesus deu-nos o exemplo, sendo submetido ao poder arrogante dos chefes do povo, dos sacerdotes, dos homens da lei do povo eleito e à arrogância e medo de perder o cargo, do governador dos gentios dominadores. Ele nada respondeu às acusações, somente afirmou para ambos sua condição divina.
Esse momento deve nos levar a uma profunda reflexão sobre nossa vida à luz deste preceito da caridade, tanto para nós que vivemos em comunidade e que devemos ser solícitos às necessidades dos irmãos, como também par aqueles a quem foi conferido o dever (não o privilégio) da autoridade, a quem cabe distribuir com justiça os bens da natureza e a punição dos delitos, em vista do bem comum.
O exemplo de Cristo vai bem mais longe. Se lermos atentamente, vamos observar que, em tentativa misericordiosa, lavou e osculou os pés do traidor, como, no Horto, não recusou o seu beijo, lançando um último apelo à conversão.
Nossos tempos estão difíceis, a vingança e o ódio enchem as páginas de nossos jornais e mancham de sangue a tela dos televisores, e não passa desapercebida nem mesmo nas hostes eclesiásticas. Até politicamente se colocou o ódio entre os cidadãos, filhos da mesma pátria e, para a qual cada um dentro com suas possibilidades deveria trabalhar e contribuir para seu engrandecimento. Mesma atitude nos meios religiosos, não se considerando somente as diferenças de credo, mas entre nós mesmos. Não sabemos perdoar. Não sabemos amar. Muitos não querem enxergar a revolução do Papa Francisco que nos pede misericórdia e não punições por perversidade.
O mestre da Lei, questionando a Jesus e questionado por ele, teve a graça de afirmar a similaridade dos dois preceitos, do amor a Deus e do amor ao próximo, quando Jesus lhe respondeu que tinha dito bem e estaria próximo do Reino.
E aqui, parafraseando o apóstolo João na sua Carta, podemos sentir em muitas pessoas, e em nós mesmos, que é muito fácil dizer que amamos a Deus e que amamos ao próximo, mas nossa vivência não condiz com essa afirmação. Quantos que tem jurisdição, vivem sorrindo para esconder a sua perversidade, vivem uma vida somente voltada para perseguir os irmãos e irmãs?
Onde está a caridade, aí também está Deus, cantamos na solenidade desta noite santa, assim também, durante a cerimônia do lava-pés, o texto joanino: “Nisto todos hão de reconhecer que sois meus discípulos, se vos amardes uns aos outros, como eu vos amei.”
Em todos os tempos na Igreja há testemunhos desta vida de caridade, de amor de serviço e de perdão. Também nos nossos dias, Maximiliano Kolbe, que se ofereceu para morrer pelo irmão condenado à morte pela fome. Tereza de Calcultá que, enquanto cuidava das chagas de um leproso, ouviu a arguição de um passante: “por dinheiro nenhum eu faria isso” e ela humildemente respondeu: “também eu”, porque seu coração era impelido por uma razão que tudo supera, o amor. São João Paulo II perdoa publicamente quem o ferira para tirar-lhe a vida. O sangue dos mártires continua a correr pelo chão, vítimas do ódio, como o do beato Oscar Romero em defesa dos pobres e abandonados.
Este amor, que levou Cristo a perpetuar a loucura da cruz no sacramento eucarístico, “no qual se consome o próprio Cristo e nosso coração se enche de graça e nos assegura o penhor da glória futura”, deve impregnar nosso coração, fazendo-nos ultrapassar da beleza da contemplação do sacramento para a vida real do amor que se expressa no serviço, tornando-nos praticantes da Palavra e não simples ouvintes, como ensina o apóstolo Tiago, enganando-nos a nós mesmos. Ninguém tem maior amor que aquele que dá a vida por seu irmão. E continuando o hino quaresmal com que iniciamos, continuemos, “Ele serviu ao Pai e aos seus irmãos. Quero acolher Senhor tua Palavra, seguir o teu exemplo”.