Intolerância religiosa

Dom Murilo: “cada religião conta com suas expressões sagradas, seus ritos e suas cerimônias próprias. A Igreja Católica, por exemplo, além da Palavra de Deus, alimenta seus filhos com os sacramentos”.

Dom Murilo S.R. Krieger, scj

Arcebispo de São Salvador da Bahia – Primaz do Brasil 

Há assuntos que só podem ser discutidos quando as palavras e expressões tiverem o mesmo sentido para todos. Quando se trata, por exemplo, da expressão “intolerância religiosa”, estarão todos os que a usam pensando do mesmo modo?

Intolerância religiosa é a discriminação contra pessoas ou grupos com opiniões divergentes no campo religioso. Segundo a Constituição brasileira, a todos cabe o direito de abraçar a religião que quiserem; também os que não têm religião alguma devem ser respeitados. A Declaração Universal dos Direitos Humanos é nessa linha: “Todo homem tem direito à liberdade de pensamento, consciência e religião” (Art. 18).

Cada religião conta com suas expressões sagradas, seus ritos e suas cerimônias próprias. A Igreja Católica, por exemplo, além da Palavra de Deus, alimenta seus filhos com os sacramentos. Esses são para os seus fiéis, isto é, para a comunidade formada por aqueles que seguem os princípios e valores da Igreja Católica. Não são para todos os que, por acaso, vierem a participar de suas celebrações. Aliás, os próprios católicos, para receber os sacramentos, devem aceitar certas condições. Pense-se, por exemplo, na comunhão eucarística, nosso dom mais importante. A eucaristia é tão valiosa que levou o apóstolo Paulo a escrever palavras muito fortes contra os que participam desse momento, “sem distinguir devidamente o corpo do Senhor”: eles comem e bebem sua própria condenação (1Cor 11,27-29).

Portanto, não é intolerância religiosa da parte da Igreja Católica limitar a santa comunhão aos seus próprios fiéis. Não há nessa decisão nenhuma atitude agressiva ou ofensiva contra ninguém. Acolhemos com alegria quem desejar participar de uma celebração nossa, mas esperamos compreensão de sua parte. Compreensão, no caso, significa que queremos ser respeitados em nossos valores e ritos. Insisto: a comunhão eucarística é restrita às pessoas que vivem de modo comprometido com o seu batismo, seguem as orientações da Igreja e testemunham a sua fé.

O mesmo vale para um católico que vai participar de um ato religioso de outra igreja cristã ou de matriz africana: cabe-lhe comportar-se ali de forma adequada, não se julgando no direito de fazer tudo o que gostaria. Intolerância religiosa é uma via de dois sentidos: o respeito mútuo é base e fundamento para uma boa convivência.

Por que essas minhas reflexões? É que, por vezes, vejo entrevistas na TV em que alguém afirma que vai abrir um processo contra um sacerdote ou contra a Igreja Católica, porque lhe foi vedado comungar numa celebração católica. Acusam-nos, então, de intolerância religiosa. Intolerante religioso, no caso, é quem não se comporta como deveria, na casa que visita.

 

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