Klaus Brüschke, membro do Movimento dos Focolares, ex-publisher da Editora Cidade Nova e articulista da revista Cidade Nova.
Na conjuntura atual, muito polarizada, creio ser não só interessante como também urgente, particularmente para a comunidade católica – mas não só para ela – a existência de espaços de diálogo para a análise da situação à luz do Ensinamento da Igreja. Trata-se de um enorme desafio, pois não estamos habituados a fazer isso de maneira plural, sem nos limitarmos a considerações sobre princípios gerais ou interpretarmos o Magistério segundo nossas perspectivas pessoais.
Tais espaços deveriam, portanto, permitir não apenas a exposição de várias possibilidades de leitura da realidade, mas servir também ao discernimento do que estamos vivendo e ao testemunho desse processo dialógico.
Esses espaços poderiam, em certo sentido, atender às Diretrizes da Ação Evangelizadora recentemente aprovadas pela CNBB, constituindo, dentro de seus limites e especificidades, “pequenas comunidades eclesiais virtuais missionárias”, vivendo em espírito de comunhão e partilha, na medida que esse meio consente, onde as pessoas “estão unidas no nome de Jesus” (cf. Mt 18,20).
Por diálogo entende-se aqui não somente uma exposição recíproca e educada de diferentes pontos de vista, mas uma metodologia de “escuta” profunda e atenta recíproca. O Papa Francisco insiste em que escutemos. Fala em escutar a Palavra e também escutar o outro (Discurso aos representantes da sociedade civil, Paraguai, 11 de julho de 2015). Nesses espaços, cada um haveria de escutar a Palavra (ao escrever) e escutar o outro (ao ler seu texto). Isso significa despojar-se de pré-conceitos, procurando não só entender o mais profundamente possível o que o outro quis dizer, mas também o porquê de ele dizer aquilo.
Nesse caminho, cabe ter clareza de que não possuímos a verdade – quando muito, ela nos possui. E essa distinção não vem de nenhum autor “relativista” atual, mas do próprio Papa Bento XVI (cf. BENTO XVI. Discurso à Cúria Romana na apresentação de votos natalícios. Vaticano, 21 de dezembro de 2012). O relativismo, paradoxalmente, é a “verdade” pessoal tornada absoluta. O Papa Francisco, ao falar em diálogo, diz que devemos ter abertura, saber que nosso pensamento é incompleto, nossa verdade é aberta (cf. Entrevista ao padre Antonio Spadaro, 19 de agosto de 2013). A verdade que compreendemos é relativa a um absoluto, que é Deus, a Verdade. Gosto da expressão “verdade relacional”, a verdade que descobrimos, discernimos, aprofundamentos juntos, na relação – implicando aqui todo o esforço “coletivo” de nos aproximarmos da verdade e de suas interpretações.
O Papa Francisco, certa vez, usou o termo parresia, referindo-se à franqueza, a “coragem e a sinceridade ao dar testemunho” (cf. Discurso em no Encontro com a Comunidade dos Focolares, 10 de maio de 2018). No pressuposto da mútua e contínua caridade, a franqueza não só pode ser praticada, como é um dever: dizer tudo o que se pensa, oferecendo-o com humildade como uma dádiva.
Por outro lado, quando aplicamos as Escrituras, a Tradição e o Evangelho nas realidades humanas concretas, realizamos uma “interpretação”. E a “interpretação” é sempre limitada com relação à ideia. Assim, é preciso ter a tranquilidade de saber que nossas compreensões são cultural e historicamente colocadas e, portanto, em constante processo. Não se pode ter a pretensão, nessas análises, de afirmar coisas definitivas.
Mantendo esse espírito, é preciso captar os “sinais dos tempos”, também mediante a escuta de outras vozes com as quais talvez não compartilhemos completamente os pressupostos e as análises. Certamente também essas vozes podem ser portadoras de exigências autênticas ou mesmo de “sementes da verdade”, possibilitando pontes de diálogo (cf. SÃO JOÃO PAULO II, Discurso no encontro com o mundo da cultura, Cuba, 23 de janeiro de 1998).
Espaços assim constituídos terão sempre duas dimensões: uma ad intra, no sentido de oferecer aos cristãos subsídios para sua reflexão e atuação como “sal da terra e luz do mundo”; outra, ad extra, no sentido de um espaço de diálogo com outros homens e outras mulheres da sociedade que igualmente compartilham inquietações e esperanças numa sociedade mais fraterna.