Cristo Rei

    Para falar de certas realidades, mesmo tendo um vocabulário rico e variado, encontramos muitas limitações. Para falar de Deus e das realidades espirituais necessitamos a linguagem humana, pois é esta que está ao nosso alcance. A liturgia católica concluindo o Ano Litúrgico, neste domingo, celebra a solenidade de Cristo Rei. Chamar Cristo de Rei numa época em que prezamos a democracia, parece um tanto contraditório, além de criar problemas de interpretação.

    O texto bíblico de referência é João 18, 33-37 que apresenta um diálogo de Pilatos com Jesus. Pilatos quer saber se Jesus é mesmo rei e recebe como resposta: “O meu reino não é deste mundo. Se o meu reino fosse deste mundo, os meus guardas lutariam para que não fosse entregue… Tu o dizes: eu sou rei. Eu nasci e vim ao mundo para isto: para dar testemunho da verdade. Todo aquele que é da verdade escuta a minha voz”. Vale lembrar que neste tempo da história os sistemas de escolha dos governantes eram diferentes de hoje. Esta breve resposta de Jesus Cristo aponta elementos válidos para ser rei em qualquer tempo da humanidade. Além disso, o texto apresenta uma autorrevelação de Jesus e de seu reinado.

    Em primeiro lugar, Jesus repudia o uso da força e da violência para legitimar a autoridade. Se o reinado dele fosse deste mundo ele usaria os guardas para lutar. A história da humanidade é pródiga em relatar governantes que usaram a força e a violência para chegar e se manter no poder e os consequentes rastros de sangue e morte que se seguiram. Deixa claro a Pilatos que o reinado dele não segue esta metodologia.

    O reinado de Cristo está fundamentado e subsiste na verdade. Verdade e mentira no mundo estão continuamente misturadas. O discernimento do falso e do verdadeiro se torna um desfio permanente em todas as esferas e em todas as relações. Fica mais visível o conflito entre as informações verdadeiras e falsas nas campanhas eleitorais e na administração pública e das instituições. Porém, o mesmo conflito existe no ambiente familiar, na escola, no trabalho, nos negócios, etc.

    A verdade é incômoda, mas é o guia mais seguro para sair da prisão de si, do subjetivismo em direção da verdadeira liberdade. Jesus se apresenta como “testemunha da verdade”, isto é, manifesta a realidade. Neste sentido, a Verdade é o verdadeiro “Rei” que dá a todas as coisas a sua luz e a sua grandeza. O Catecismo da Igreja Católica, nº 2468 ensina: “A verdade como retidão do agir e da palavra tem o nome de veracidade, sinceridade ou franqueza. A verdade ou veracidade é a virtude que consiste em mostrar-se verdadeiro no agir e no falar, guardando-se da duplicidade, da simulação e da hipocrisia”. A verdade se torna um princípio interior de vida moral e simplifica a vida. “Seja o vosso sim, sim, e o vosso não, não. O que passa disso vem do Maligno” (Mateus 5,37).

    O reinado é possível na medida em que alguém “escuta a minha voz”, diz Jesus. Escutar é uma postura ativa de quem recebe e depois submete o que ouviu à avaliação. A reação se torna um ato da vontade e uma decisão livre. Neste sentido, Cristo é rei para aqueles que escutam a sua voz e se deixam orientar por aquilo que ouviram.

    O reinado de Cristo não pode ser entendido segundo as coordenadas políticas do termo, conforme respondeu a Pilatos. O seu reino propõe uma nova ordem de relacionamento e um apelo de colaboração para a construção de uma sociedade baseada na verdade, na justiça, na santidade, na graça, no amor e na paz.

     

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