Ainda recentemente, 8 de setembro, o mundo comemorou o Dia Mundial da Alfabetização. Nada teria a dizer nesse espaço, não fosse esta efeméride uma comemoração vazia de sentido entre nós. Que vivemos tempos de desconstrução de nossas tradições e valores outrora preservados por pais, educadores e amantes da cultura e linguagem de um povo, todos bem o sabemos. Ou até preferimos ignorar, pisando firme sobre a teimosia que a autossuficiência do progresso hoje nos proporciona. Por que preservar o passado quando temos tudo o de melhor, quando a modernidade nos proporciona uma vida de conforto e bem-estar sem preocupações efêmeras? Por que queimar etapas com regras e detalhes de nosso linguajar, gramática e concordâncias, quando tradutores cibernéticos e simultâneos nos facilitam a comunicação global?
Pensar em alfabetização não se resume a questões do be-a-bá. Nesta arte primária do aprendizado está incluída a prática da leitura básica, mas igualmente o entendimento de textos, a construção destes, a verbalização de ideias, a comunicação interpessoal, a defesa de teses, de teorias, de argumentos, a proclamação de uma doutrina, a pregação pura e simples. Tais qualidades são raras no mercado dos bons argumentadores dos nossos dias. Estamos nos comunicando quase guturalmente, com monossílabos, sem os predicados necessários à boa defesa de nossas ideias. A linguagem empobrece. Perde sua poesia e poder de persuasão. Quando muito, se deixa poluir pelo modismo das influências externas (em especial a língua inglesa), perdendo sua identidade e pureza original. Isso sentimos facilmente, em especial após o advento tecnológico e seus termos técnicos.
Não prego aqui um retrocesso. Ao contrário, precisamos evoluir nesta unificação dos povos, sem, no entanto, sepultar nossa cultura ou origens. Quem se envergonha destas é alguém sem identidade pessoal, sem raízes que sustentem sua própria história. Corre o risco do ostracismo (para quem não sabe: ser ignorado por todos – pois alguém sem história não merece respeito, não atrai atenções sobre si). Um zero à esquerda de tudo o que, unida, a humanidade é capaz de criar, construir, inventar. O berço que nos abrigou, a escola que nos alfabetizou, a igreja que nos doutrinou sãos as primeiras referências que o mundo nos pede ao avaliar nossos valores, nossas capacidades.
Assim pensando, constatei e comprovei algo assustador nesta linha de raciocínio. Dos bastiões da cultura e da língua pátria que alguns poucos ainda prezam, uma instituição pode ser apontada como reserva (ainda que aquartelada) da linguagem luso-brasileira. Não pense em liceus (estes estão praticamente extintos). Nem na ABL (Academia Brasileira de Letras), demasiadamente contaminada pelos modismos e pela linguagem corrompida de muitos autores modernos). Nem numa universidade de tradição. Nada disso. Essa instituição é a igreja cristã (católica ou não), com sua bíblia e seus ritos tradicionais e liturgicamente imutáveis, bem como irrepreensíveis em suas concordâncias nominais ou verbais. Onde ainda se usa pronomes e conjugações em primeira, segunda ou terceira pessoas, singular ou plural, sem medo, mas com naturalidade? Na igreja, quem diria! O catolicismo tornou-se uma verdadeira escola de alfabetização gramatical com seus folhetos litúrgicos irretocáveis gramaticalmente, com suas preces a dignificar Deus nas alturas e a minimizar os humanos na sua indignidade como errantes contumazes. O povo católico, no andar dos fatos que vemos acontecer com a linguagem atual, poderá possuir, num futuro não muito distante, os poucos mestres da nossa velha flor do lácio, nossa boa e gostosa língua portuguesa. Nossos irmãos evangélicos, amantes da leitura bíblica, idem. Já nossos inveterados digitadores do mundo atual, tipo tds vcs tb. Bjs, ka, ka, ka… Bora lá.