Iniciamos o tempo oportuno da Quaresma. Quaresma é o grande retiro do nosso povo santo de Deus, em que a Mãe Igreja, na preparação mais próxima para o evento central da fé católica, chamado de Tríduo Pascal, é precedido da celebração destes mistérios de nossa fé. Tempo de conversão, de penitência, de jejum, de oração, de lectio divina, de caridade, de uma excelente e digna confissão, de mudança radical de vida, do pecado para a graça santificante.
A Quaresma é o tempo oportuno, o tempo de reflexão, de conversão, que se perpetuem boas mudanças em nossas vidas, nesse tempo, Deus vem ao nosso encontro com a Sua Infinita Misericórdia. A conversão não é uma tarefa do tempo, mas empenho de toda uma vida. Por isso “Quando deres esmolas, que tua mão esquerda não saiba o que faz a direita”.
A Quaresma é o tempo oportuno, o tempo da graça e da reconciliação que nos prepara para a comemoração anual do mistério pascal do Senhor Ressuscitado, por isso mesmo é um tempo oportuno para nos convertermos, para mudarmos de vida. É um tempo profundo de reflexão, de parar e pensar na nossa caminhada com Deus e verificar em que precisamos de mudança, de conversão. Não só “apontar” a mudança para os outros, farisaicas, mas viver a mudança que se aponta na sua própria vida. Por isso a Quaresma é um tempo oportuno de parada, de reflexão, de verificação.
Madre Teresa de Calcutá, atualíssima em seu compromisso com a erradicação da pobreza e a promoção da vida humana, ensinou que: “As riquezas, quer sejam materiais ou espirituais, podem asfixiar-nos se não fizermos delas uma utilização adequada. Porque nem o próprio Deus consegue colocar coisa alguma num coração que já está cheio. Mais cedo ou mais tarde, inevitavelmente, reaparece o apetite pelo dinheiro e a avidez por tudo o que o dinheiro pode proporcionar – a procura do supérfluo, do luxo na comida, no vestuário e no entretenimento. As necessidades começam a aumentar, uma coisa atrai a outra. Mas no fim fica-se com um sentimento incontrolável de insatisfação. Permaneçamos tão vazios quanto possível para que Deus possa preencher-nos”.
Nosso Senhor é um exemplo vivo disto: logo no primeiro dia da sua existência humana, conheceu uma pobreza que nenhum ser humano alguma vez conhecerá porque, «sendo rico, tornou-Se pobre» (2Cor 8,9). Cristo esvaziou-Se de toda a sua riqueza. É aqui que surge a contradição: se eu quiser ser pobre como Cristo, que Se tornou pobre embora fosse rico, que devo fazer? Seria uma vergonha para nós sermos mais ricos do que Jesus que, por nossa causa, suportou a pobreza. Na cruz, Cristo foi privado de tudo. A própria cruz fora-Lhe dada por Pilatos; os pregos e a coroa, pelos soldados. Estava nu. Quando morreu, despojaram-no da cruz, retiraram-Lhe os pregos e a coroa. Foi envolto num pedaço de tecido dado por uma alma caridosa e foi enterrado num túmulo que não Lhe pertencia. E isto quando poderia ter morrido como um rei ou mesmo poupar-Se à morte. Mas Ele escolheu a pobreza porque sabia que ela é o verdadeiro meio de possuir Deus e de trazer o seu amor para a terra.
Em tempos sombrios em que observamos que, infelizmente, até homens da Igreja vivem a fazer o mal, a destruir reputações e a perseguirem, na contra-mão do que ensina o Papa Francisco,apenas pelo desejo de destruir e de se auto promover, fale a pena relembrar as sábias palavras do Papa Bento XVI, na quaresma de 2012, que são atuais, e que sintetiza o que desejo que todos vivam neste tempo da graça: “A atenção ao outro inclui que se deseje, para ele ou para ela, o bem sob todos os seus aspectos: físico, moral e espiritual. Parece que a cultura contemporânea perdeu o sentido do bem e do mal, sendo necessário reafirmar com vigor que o bem existe e vence, porque Deus é «bom e faz o bem» (Sal 119/118, 68). O bem é aquilo que suscita, protege e promove a vida, a fraternidade e a comunhão. Assim a responsabilidade pelo próximo significa querer e favorecer o bem do outro, desejando que também ele se abra à lógica do bem; interessar-se pelo irmão quer dizer abrir os olhos às suas necessidades. A Sagrada Escritura adverte contra o perigo de ter o coração endurecido por uma espécie de «anestesia espiritual», que nos torna cegos aos sofrimentos alheios. O evangelista Lucas narra duas parábolas de Jesus, nas quais são indicados dois exemplos desta situação que se pode criar no coração do homem. Na parábola do bom Samaritano, o sacerdote e o levita, com indiferença, «passam ao largo» do homem assaltado e espancado pelos salteadores (cf. Lc 10, 30-32), e, na do rico avarento, um homem saciado de bens não se dá conta da condição do pobre Lázaro que morre de fome à sua porta (cf. Lc 16, 19). Em ambos os casos, deparamo-nos com o contrário de «prestar atenção», de olhar com amor e compaixão. O que é que impede este olhar feito de humanidade e de carinho pelo irmão? Com frequência, é a riqueza material e a saciedade, mas pode ser também o antepor a tudo os nossos interesses e preocupações próprias. Sempre devemos ser capazes de «ter misericórdia» por quem sofre; o nosso coração nunca deve estar tão absorvido pelas nossas coisas e problemas que fique surdo ao brado do pobre. Diversamente, a humildade de coração e a experiência pessoal do sofrimento podem, precisamente, revelar-se fonte de um despertar interior para a compaixão e a empatia: «O justo conhece a causa dos pobres, porém o ímpio não o compreende» (Prov 29, 7). Deste modo entende-se a bem-aventurança «dos que choram» (Mt 5, 4), isto é, de quantos são capazes de sair de si mesmos porque se comoveram com o sofrimento alheio. O encontro com o outro e a abertura do coração às suas necessidades são ocasião de salvação e de bem-aventurança”.
A síntese da quaresma é viver e testemunhar as bem-aventuranças!
Boa quaresma!