Quem analisa os discursos mais políticos do Papa Francisco percebe logo que eles se orientam em dois sentidos: a solidariedade com os mais pobres, com os que sofrem, e o diálogo que promova a paz e o entendimento. Essas orientações são decorrências do amor ao próximo cristão, mas também poderiam ser analisadas em termos de sua eficiência política num sistema democrático (os princípios permanecem, mas a análise é um pouco diferente num regime ditatorial).
Numa democracia, o rumo político da história é definido quase sempre pelos “moderados” e pelos “não alinhados”. Por isso, os partidos fazem discursos mais extremados, com posições políticas bem definidas, quando procuram cativar militantes, e discursos mais conciliadores, capazes de atrair os eleitores “de centro”, quando acreditam ter chances de chegar ao poder.
Nós, cristãos, movidos por uma justa indignação diante das mazelas do mundo ou por paixões partidárias, frequentemente desejamos que a Igreja seja mais incisiva, faça declarações categóricas e condenações veementes – evidentemente defendendo nossos pontos de vista e condenando os dos outros. Não nos apercebemos que, na política, esses são discursos para convencer os já convencidos, converter os já convertidos. Podem até nos dar satisfação interior, mas não mudam a direção da história.
A Igreja faz diferença quando, usando sua capacidade de acolher a todos, procurando ouvir e entender todas as posições, propondo um caminho gradativo de conversão a cada um, ajuda as pessoas a mudar pelo menos um pouco a sua posição, para buscarem juntas o bem comum.
O discurso firme, mas comedido (que não é frouxo, mas procura ponderar as razões do outro), que favorece o diálogo, é aquele com o qual a Igreja mais pode colaborar para a construção de uma sociedade melhor. Isso não invalida o profetismo, mas nos ajuda a perceber que sua eficácia política – particularmente em momentos eleitorais ou em contextos muito polarizados – reside na firmeza e não na agressividade.
Papa Francisco, quando insiste no diálogo, não nega o profetismo, pelo contrário, anuncia profeticamente a necessidade de sairmos de nossas posições enrijecidas e buscar o entendimento com nosso irmão.
Falhamos quando confundimos o profetismo com a afirmação categórica de nossa posição, olhando mais para nós mesmos do que para o conjunto da realidade e para os irmãos que sofrem – pois esse olhar para os mais necessitados é justamente a principal característica do profetismo e da eficiência da mensagem cristã.
Se olhamos o modo de fazer política em nossa sociedade, vemos que os grupos – mesmo fazendo reivindicações justas – tendem a só se aliar na condição de um defender as propostas do outro.
É natural querer o bem e a justiça para si e para os que nos são queridos, mas Cristo nos convida a amar e procurar o bem e a justiça para todos (cf. Mt 5,20, 43-48). A Igreja faz a diferença quando nos motiva a reconhecer as necessidades e as reivindicações dos mais fracos, solidarizando-nos com eles sem pedir algo em troca.
Uma sociedade individualista, onde todos buscam apenas o próprio interesse, é mais instável e não consegue se desenvolver. A solidariedade acaba por favorecer a todos, mas é difícil de ser construída sem gratuidade.
Num contexto democrático, procurar um diálogo capaz de incluir todas as pessoas de boa vontade, orientado pela solidariedade aos mais pobres, é a forma mais eficiente de a Igreja exercer o seu profetismo e fazer a diferença.
Fonte: jornal o São Paulo