Nem tudo o que sonhamos alcançamos. Mas tudo o que sonhamos nos dá ânimo e coragem para ao menos lutar e tentar alcança-lo. Fernando Pessoa um dia escreveu: “Alguns têm na vida um grande sonho e faltam a esse sonho. Outros não têm na vida nenhum sonho, e faltam a esse também”. A verdade é que a vida é feita de sonhos e quem pensa não os ter, ilude-se a si próprio. Pois, no fundo, no fundo, há de encontra-los adormecidos, mas carentes de atenção.
A verdade é que muitos sonhos são como fogo de palha, que envolvem nossa existência de forma abrasadora, mas logo se extinguem. Faltam-lhes a paciência da maturação, da espera consciente e determinada a buscar com tenacidade aquilo que preenche seu ideal de vida. A fé é a mais ferrenha das companheiras daqueles que sonham. Desde que esses sonhos não interfiram naquilo que já é posse do outro. Isso tem outro nome: cobiça. Entre esta e um objetivo de vida promissor, mais adequado à sua realização pessoal e à admiração alheia, existe o limite do respeito, da ética, da moral e da fé. Sem estas, qualquer sonho é mero pesadelo. Pode tornar-se um desastre.
Mas sonhar, muitas vezes, também é sofrer. Faz parte das aspirações humanas, cujas conquistas exigem esforço e sacrifício. Há aqueles que traçam uma meta na vida, mas depositam suas capacidades na sábia benevolência divina, pois só Ele conhece nossos corações, desejos e necessidades para conceder-nos ou não aquilo que pensamos merecer. Eclesiástico nos fala dessa situação e aconselha: “Sofre as demoras de Deus; dedica-te a Deus, espera com paciência, a fim de que no derradeiro momento tua vida se enriqueça” (2,3). Aqui é que são elas: que riqueza desejas? Na maioria de nossos sonhos, apenas as que se podem tanger e acumular neste mundo. Este é o fogo ardente que contemplamos com os olhos, mas que nos queima todos os sentidos. “Pois é pelo fogo que se experimentam o ouro e a prata, e os homens agradáveis a Deus, pelo cadinho da humilhação” (Ecle 2,5).
Falta-nos a purificação de nossos sonhos. Na maioria das vezes, estes estão além de nossas capacidades, mas também e principalmente, além dos nossos merecimentos. Aqui nasce a ambição desmedida. Aqui se gera a corrupção, a usurpação, os meios oportunistas e as sabotagens que criamos para realiza-los. Às vezes até os realizamos e nos acastelamos numa ilusão de sucesso e poder, que nos queima a consciência, mas ensoberba e envaidece nosso coração de carne. Só este, pois o coração da alma estará fétido e pútrido como qualquer carne entumecida pelo fogo das ilusões. Ah, triste sina! Um dia cairá das nuvens, terá pela frente uma nova realidade, contrária aos sonhos que imaginou perenes. Um dia verá que suas ilusões se realizaram apenas momentaneamente e se apagaram como um monte de palhas ardentes, brilhantes, belas em seu apogeu de luz, mas que rapidamente se postaram ao chão da realidade, quais brasas incandescentes. Delas restou apenas cinzas. Nem carvão se tornaram, nada de útil para a posteridade!
Quem sonha alto corre o risco de um tombo maior. Quem faz de seus projetos uma paixão capaz de superar a tudo e a todos, desrespeitar as regras do jogo da vida, verá adiante os limites desse jogo. Sobretudo, a regra maior, aquela que faz de nossos sonhos, realidade… Amar, respeitar, conciliar nossos sonhos com o sonho do Pai, Senhor que nos deu a vida e tudo o que temos. Ele guia nossos passos em direção a tudo que almejamos de bom em nossas existências. “Bem sei, Senhor, que não é o homem dono de seu destino, e que ao caminhante não lhe assiste o poder de dirigir seus passos. Castigai-nos, Senhor, mas com equidade, e não com o furor, para que não sejamos reduzidos ao nada” (Jer 10, 23-24). Como palhas ao vento…