Klaus Brüschke, é membro do movimento dos Focolares, ex-publisher da Editora Cidade Nova, articulista da revista Cidade Nova.
A PEC 241 está sendo proposta como uma medida imprescindível para pôr o País nos trilhos. O equilíbrio das contas públicas seria condição sine qua non para que o Brasil torne a crescer. A CNBB emitiu uma nota alertando que essa medida “elege, para pagar a conta do descontrole dos gastos, os trabalhadores e os pobres […]. Além disso, beneficia os detentores do capital financeiro, quando não coloca teto para o pagamento de juros, não taxa grandes fortunas e não propõe auditar a dívida pública”.
Nas últimas décadas, no mundo globalizado, a dimensão econômica tem desempenhado um papel hegemônico na vida em sociedade. Confunde-se sociedade com mercado, progresso de um país com crescimento do PIB, cidadãos com consumidores, trabalhadores com insumo, inclusão social com inclusão na sociedade de consumo, Estado com empresa…
As várias medidas na agenda do governo não estão permeadas desse modo de ver? O projeto de País que elas contemplam, em vez de ser o de uma sociedade mais justa, fraterna, inclusiva e plural, não é preparar um mercado competitivo na economia global? A necessária reforma trabalhista, em lugar de se pautar pela primazia do trabalho sobre o capital e pela garantia dos direitos dos trabalhadores nas atuais relações trabalho-capital, não visa ao aumento da competitividade dos empreendimentos? A reforma da Previdência, em vez de assegurar uma vida digna aos idosos, não mascara o dreno de recursos públicos para o capital financeiro?
O congelamento orçamentário provocará a diminuição proporcional do Estado num País em crescimento populacional, econômico e… de demandas. Mas isso significa dar mais espaço à sociedade civil, conforme o princípio da subsidiariedade e com mecanismos de uma democracia participativa? Ou se transferem importantes aspectos da vida da população, que não podem ser condicionados pelo lucro e pela eficiência, à iniciativa privada (ou seja, ao capital)?
Será que um olhar mais atento não mostrará que, para além da crise econômica – e política, e moral –, o País passa por uma crise bem mais crônica e profunda, uma crise social? A desigualdade de renda e oportunidades – de trabalho, instrução, cultura, lazer, cidadania –, a violência – a provocar mortes em níveis de uma guerra –, os preconceitos raciais, sexuais e religiosos – com episódios escandalosos e indicadores vergonhosos – e tantos outros aspectos… “Tratar” da crise econômica sem considerar a crise social não agrava esta ainda mais? Um adequado ajuste fiscal não deve ser formulado a partir de definição de políticas públicas que encarem esses desafios?
Para enfrentar isso, urge devolver a primazia à política. Não certamente à vergonhosa caricatura que se está fazendo dela, mas àquela que é “uma forma sublime do exercício da caridade” (Paulo VI). É nesse campo que se fazem necessárias reformas. Não meras adequações institucionais, mas uma mudança radical da cultura política. Necessitamos de uma prática democrática que contemple mais do que um processo eleitoral representativo da sociedade e imune ao poder econômico. Necessitamos de informação transparente e honesta, de participação social efetiva e de pluralismo dialógico. As soluções não estão dadas por princípios definidos por um grupo político, mas são dinamicamente construídas na interação dos diferentes atores sociais durante a travessia.
Um bom início é escapar à dicotomia ou-isso-ou-o-caos e voltarmos a debater criticamente o País que queremos.