A admoestação de Jesus poderia parecer uma exigência desmesurada: “Uma vez feito o que se vos ordenou, dizei: ”Somos servos inúteis; fizemos o que devíamos fazer” (Lc 17,10). Trata-se, porém, de uma questão de fé. Antes de dar esta diretriz os apóstolos haviam pedido: “Aumenta-nos a nossa fé” (Lc 17,5). Com efeito, Deus que é o doador de tudo que cada um possui é o senhor com todos os direitos e a criatura humana nada tem que exigir dele. O existir, o agir, o ter vem da prodigalidade de sua bondade e cabe a cada um trabalhar para sua glória e o bem do próximo. É certo que para quem ostenta uma fé humilde grande recompensa estará reservada, mas segundo os critérios divinos. Como Ele quiser e da maneira que Ele assim desejar. É evidente também que sendo Ele o juiz clemente de todas as ações humanas saberá premiar todo o bem feito sem ulteriores interesses egoístas, mas isto cabe a Ele. Quem se julga servo inútil é desta maneira que concebe os deveres cotidianos. Mesmo porque quem possui uma fé arraigada procura sempre viver dentro dos planos do Criador, servindo os outros, seja qual for a atividade, e no contexto no qual a Providência o colocou. Sendo assim, para quem crê nada se torna impossível, ainda que seja uma fé como o grão de mostarda, como Jesus deixou claro na comparação que fez. De fato, com o poder desta virtude se poderia dizer a uma amoreira: ”Arranca-te e transplanta-te para o mar“, e ela obedeceria. É que Deus oferece sempre a todos que servem de boa vontade os meios para um serviço eficiente quer para sua glória, quer para a ajuda aos semelhantes. Pode, às vezes, o dever de cada hora parecer pesado, mas o cristão que se sente um servo inútil diz sempre a Deus: “Tua graça me basta, Senhor, e é ela que eu te imploro”! Então por mais pesada que possa parecer a cruz que Deus reservou a cada um não há um retrocesso e com Davi no salmo 108 se pode repetir: “Com Deus faremos proezas” (Sl 108,13). Ele, realmente, calcará aos pés todas as dificuldades e não desamparará o servo fiel. Fará com que ele veja sempre horizontes fulgentes, se não nesta terra, certamente, um dia na eternidade venturosa para sempre. Com a força de seu amor nada causa desânimo ao cristão que persevera não tendo em seu coração outra luz que não sejam as promessas de Deus aos que O amam e fazem sua vontade santíssima. Ficam assim afastados um fatalismo desesperador ou um conformismo deformado, porque o verdadeiro cristão faz o que deve fazer de acordo com o querer daquele que o chamou a esta vida para servir. Tudo isto fruto não de uma fé meramente intelectual, artificial, mas daquela que leva a uma prática coerente desta virtude teologal. Esta conduz a uma adesão pessoal a Deus. Como ressaltou o Cardeal Newman, ser cristão é possuir um senso radical da presença de Deus em si mesmo. Esta fé gera uma disposição invencível para enfrentar as dificuldades cotidianas. Trata-se de uma luminosidade divina que faz as ações humanas eminentemente ativas. Estas são o fruto opimo daquele que colabora com este dom celestial que vivifica toda a existência do autêntico servidor de Deus. A fé é como um sol que quer aclarar aos que se submetem a seu Deus e que permitem que os raios deste sol penetre todo o seu interior. É o que queria dizer o São João Maria Vianney, o Cura d`Ars, ao asseverar: “Aqueles que não têm a fé têm a alma bem mais cega do que aqueles que não têm olhos. Nós estamos neste mundo como em um nevoeiro, mas a fé é o vento que dissipa este nevoeiro e que faz brilhar sobre a alma um belo sol”. É preciso, porém, sempre repetir a prece dos Apóstolos: “Senhor, aumenta a nossa fé”. Então, sim, depois que tivermos feito tudo que deveríamos realizar. diremos: “Somos servos inúteis, fizemos o que devíamos fazer”. Estará assim vencida na existência e cada um a pretensão de qualquer soberba ou indolência.* Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.