O “Santo e Grande Concílio” das Igrejas Ortodoxas realizado de 19 a 26 de junho na Academia Ortodoxa em Chania, na Ilha de Creta, debateu sobre seis temas principais. Transcrevemos agora o artigo “Princípios ortodoxos”, do Padre Hyacinthe Destivelle (enviado especial ao Concílio Pan-Ortodoxo) – publicado no L’Osservatore Romano – e que trata do Matrimônio, tema do quinto documento:
“A questão do matrimônio foi objeto dos debates do Santo e Grande Concílio da Igreja Ortodoxa nos dias 23 e 24 de junho passado. Constava da ordem do dia do Concílio desde 1961 com o título Impedimentos ao matrimônio. Na época tratava-se de estabelecer as mesmas regras no conjunto da Igreja Ortodoxa. De fato, a proibição dos matrimônios mistos tornou-se um problema particularmente importante para a ortodoxia contemporânea, pois muitos fiéis ortodoxos não vivem mais em contextos confessionais homogêneos, obviamente na diáspora, mas também no Oriente Médio, onde a convivência entre cristãos é estreita, sobretudo no âmbito urbano. A questão pareceu suficientemente importante a ponto de ser colocada em segundo lugar na ordem do dia do Concílio fixado em 1976. Pouco a pouco a importância do documento foi ampliada para apresentar a visão ortodoxa do matrimônio. É portanto com o título O sacramento do matrimônio e os seus impedimentos que o documento foi inserido na ordem do dia do Concílio pela sinaxy dos Primazes, em janeiro de 2016.
A primeira parte do documento, intitulada O matrimônio ortodoxo, apresenta os princípios ortodoxos sobre o matrimônio. Depois de ter declarado que “a instituição da família está hoje ameaçada pelo fenômeno da secularização e também pelo relativismo moral”, o texto recorda que a condição indispensável ao matrimônio é “a união livremente aceita entre um homem e uma mulher”. Acrescenta, depois, uma outra condição preliminar ao matrimônio cristão: “A fé em Jesus Cristo, uma fé que o esposo e a esposa (o homem e a mulher) devem compartilhar”. Fazendo referência a Adão e Eva, depois às Bodas de Caná, o documento sublinha que “o mistério da união indissolúvel entre um homem e uma mulher é a imagem da união entre Cristo e a Igreja (cfr. Efésios, 5,32)”. O matrimônio cristão é portanto “uma pequena igreja ou uma imagem da Igreja”, cuja unidade está alicerçada sobre a “unidade em cristo, para que, mediante a bênção do amor conjugal por meio do Espírito Santo, o casal possa refletir o amor entre Cristo e a sua Igreja”.
Afirmando que “o matrimônio é o coração da família e a família justifica o matrimônio”, o documento denuncia “a pressão exercida hoje na sociedade para que sejam reconhecidas novas formas de convivência, (a qual) constitui uma real ameaça para os cristãos ortodoxos”. Recorda em particular que “a Igreja não aceita para os seus membros, contratos de convivência entre pessoas do mesmo sexo ou de sexo diferente, e nenhuma outra forma de convivência além do matrimônio”.
Quanto ao matrimônio civil, este constitui “um simples ato jurídico de convivência validado pelo Estado, diferente do matrimônio abençoado por Deus e pela sua Igreja”. Os cristãos que contraem tal matrimônio devem portanto “ser tratados com a devida responsabilidade pastoral, para fazer entender a eles o valor do Sacramento do matrimônio e as bênção que dele derivam”.
A Encíclica do Concílio completa estes princípios recordando as dimensões ascéticas e escatológicas do matrimônio. O faz recordando oportunamente o rito oriental, muito sugestivo, da coroação: “As coroas colocadas sobre a cabeça dos esposos durante a celebração do sacramento fazem referência ao sacrifício e à dedicação a Deus e a dos esposos entre si. Sugerem também a vida do Reino de Deus, mostrando a referência escatológica do mistério do amor”.
A segunda parte do documento trata dos impedimentos ao matrimônio. Os primeiros dizem respeito aos diversos tipos de parentesco por consanguinidade, afinidades e adoção. Os segundos dizem respeito à existência de um matrimônio “que não é irrevogavelmente dissolúvel ou anulado”, ou de um “terceiro matrimônio pré-existente”, Tendo havido o matrimônio definido acima como “indissolúvel”, teria sido interessante se o documento tivesse dado uma explicação teológica, canônica e pastoral da dissolução à qual faz referência. O terceiro e quarto caso de impedimento, diz respeito à existência de um compromisso monástico ou de uma ordenação sacerdotal já recebida, mesmo que “o sacerdócio por si só não constitua um impedimento ao matrimônio”.
O documento, por fim, declara que “o matrimônio entre ortodoxos e não ortodoxos é proibido segundo a akribìa canônica”, em clara referência ao cânone 72 do Concílio Quinisextium de Trullo (ndr – realizado em Constantinopla em 692). A questão dos matrimônios mistos foi a mais debatida antes e durante o Concílio. O esboço pré-conciliar estabelecia que um matrimônio do gênero poderia todavia ser celebrado “por condescendência e amor por parte do homem, contanto que os filhos nascidos de tal matrimônio fossem batizados e educados na Igreja Ortodoxa”.
Esta frase foi criticada por algumas Igrejas, sobretudo pela Igreja da Geórgia que pediu que fosse eliminada, defendendo que nenhuma disposição de um Concílio Ecumênico poderia ser modificada. De fato, o Santo e Grande Concílio eliminou esta possibilidade geral no documento final, preferindo combinar o adiamento à akribìa canônica com a possibilidade da economia decidida localmente: “É importante que a possibilidade de aplicar a economia eclesial referente aos impedimentos ao matrimônio seja decidida pelo Santo Sínodo de cada Igreja Ortodoxa autocéfala, segundo os princípios dos santos cânones e em um espírito de discernimento pastoral em vista da salvação do homem”. Esta disposição parece também aplicar-se à linha seguinte que concerne o matrimônio entre ortodoxos e não-cristãos, “absolutamente proibidos segundo a akribiá canônica”.
O objetivo inicial do Concílio, que era unificar as diversas práticas eclesiais na matéria, não foi alcançado na sua totalidade, mas foi uma escolha sábia ter deixado às Igrejas locais a tarefa de encontrarem sozinhas as formas de aplicação do princípio de economia para os matrimônios mistos. Esta delegação às Igrejas locais na aplicação do princípio de economia se encontra também no documento conciliar sobre o jejum. Em matéria de matrimônios mistos, as Igrejas locais com efeito atuam em contextos sociais e confessionais muito diferentes. Por exemplo, a Geórgia é bastante homogênea do ponto de vista confessional e os seus habitantes emigram pouco, enquanto os fiéis da Igreja de Antioquia encontram-se em uma situação de minoria ou de diáspora. Não é de se estranhar, neste contexto, que estas duas Igrejas – por motivos muito diversos – não tenham assinado o documento pré-conciliar durante a sinaxy dos Primazes em janeiro de 2016.
Os matrimônios mistos entre ortodoxos e católicos, como também o batismo das crianças nascidas de tais matrimônios, foram já objeto de diversos acordos locais, que diferem entre si segundo o contexto. Pode-se, por exemplo, citar o acordo de 1971 entre os bispos católicos e ortodoxos dos Estados Unidos ou aquele que os Patriarcas católicos e ortodoxos do Oriente Médio assinaram em Charfeh (Líbano) em 1996, onde estabeleceram que os matrimônios mistos seriam celebrados na Igreja do esposo e que os filhos nascidos de tais matrimônios seriam batizados na Igreja do pai. Pode-se esperar que a decisão do Santo e Grande Concílio de encarregar as Igrejas locais de encontrar sozinhas as formas de aplicação do princípio de economia aos matrimônios mistos encoraje a
Fonte: Rádio Vaticano