Quando os israelitas chegaram à terra prometida – depois de seu longo peregrinar pelo deserto – receberam do Senhor a ordem de guardarem memória do seu passado. Os israelitas jamais deveriam se esquecer de que tinham sido escravos no Egito, de que o Senhor Deus os havia libertado de lá com “mão forte e braço estendido” e os tinha conduzido a uma terra em que manava “leite e mel”. Guardar essa memória não era um exercício inútil, pois lhes fazia saber quem eles eram. Durante os conflitos e momentos difíceis pelos quais os israelitas deveriam passar, sempre teriam a certeza de que Deus continuaria ao lado deles, como tinha estado quando os havia tirado da escravidão do Egito.
Nossa identidade está sempre ameaçada. Vemos no Evangelho que a identidade de Jesus é ameaçada pelo demônio, pelo tentador. Este deseja comprar Jesus com a promessa de riqueza e de poder. Tudo isso para que Jesus renuncie a sua identidade e a sua missão. O fato de Jesus manter-se firme diante do demônio e de suas tentações tornou possível o cumprimento de sua missão, ou seja, que fosse nosso salvador e que desse testemunho do amor que o Pai tem, sem exceção, por toda a humanidade.
Nossa identidade é complexa. Somos cristãos, mas, também, temos uma cultura própria, pertencemos a um povo e temos uma história. Ao assumir as transformações que são produzidas em nossa cultura, corremos o risco de abandonar e desdenhar nosso próprio passado. Esta é a grande tentação de nossa época. Como tentou ao Senhor, o demônio nos tenta com riquezas e poder, com a sedução de outras tradições que podem nos levar ao desprezo da nossa própria. Seria um grande erro se nos esquecêssemos de nossas raizes, de nossa identidade. Sem as raizes, as árvores morrem. Sem identidade, as pessoas se perdem.
Parte de nossa herança como povo é a fé cristã. Acreditamos que o Deus de Jesus Cristo é nosso Pai, que Ele nos ama e procura nosso bem. Convém que nós reafirmemos nossa identidade, reencontremos nossa herança para que possamos reforçá-la. Não para nos colocarmos contra alguém, mas para compartilhar aquilo que é nosso, com todos. Não há culturas inferiores nem superiores. São simplesmente diferentes. E, no diálogo, todos enriquecemos. Mas não há diálogo possível se não valorizamos aquilo que é nosso, se nos envergonhamos de nosso próprio passado.
O demônio tentou roubar a identidade de Jesus. Não o conseguiu. Que seu exemplo nos sirva para que consolidemos ainda mais aquilo que é nosso e, orgulhosos de nossa herança, saibamos compartilhá-la com todos os povos da terra, particularmente, neste ano santo em que a misericórdia deve ser a tônica da nossa Quaresma!