“Vivemos tempos líquidos. Nada é para durar” , disse o sociólogo do momento Zygmunt Bauman. Mas nós sabemos realmente o por que tudo tem se esvaído entre os dedos em tão pouco tempo?
Conheci a história de um casal (conterrâneo) que após setenta anos de relacionamento, casaram-se. Ela com noventa anos e ele com cento e três. Quando questionaram-na sobre o segredo da durabilidade da história, ela apenas respondeu: “perdoar”. Também, antes da minha avó morrer, bati um papo com ela sobre relações. Eu jovenzinha, com o amor e a decepção vazando pelos olhos e ela velhinha e grande em sensatez: “se a pessoa valer a pena, pense uma, duas ou quantas vezes for preciso. Tem gente que é feito agulha em palheiro.” Aqui ficam minhas perguntas: quantas vezes é preciso pensar e o que deve ser levado em consideração?
Se eu perguntei é porque obviamente não sei sobre as respostas, mas tenho pistas, você tem pistas. Já parou pra ouvir o que teu coração diz sobre ou teu ego inflou tanto que te tapou até os ouvidos? Existem pessoas raras, aquelas que te estendem a mão quando você está no fundo do poço e aquelas que ás vezes não estendem, mas ficam lá em cima te animando pra que você consiga subir sozinho(a). Existem aquelas que vão por você seja lá onde você esteja e em que horas você precise, não dependem dessas condições pra ir, dão seus pulos. E aquelas que cuidam? Despendem de seus dias, horários e às vezes até de afazeres pra poder amparar o outro? Existem também aquelas que nos fazem sorrir em momentos inapropriados, seja lá por qual motivo for a “carranca” a pessoa te rouba um sorriso que você nem sabia onde tinha guardado. Existem aquelas que estão quando todos se foram, aquelas que nem sempre possuem soluções mas esperam junto por um amanhã melhor. Existem aquelas que compartilham as alegrias e a bonança, tiram de si e dão para o outro. No pouco, no muito… E tem aquelas – as melhores – que te surpreendem com algo que você jamais imaginaria que merecesse.
Eu poderia passar algumas horas descrevendo essas raridades pois felizmente já pude conhece-las, mas isso não será necessário porque você também já conheceu alguém com pelo menos uma dessas características (ou outra que não listei e você considera importante). Porém, meu papel aqui é te ajudar a pensar. É fácil desistir do outro porque as coisas não dão certo. Simples não é, devido a demanda que a decisão requer, mas é fácil, bastam algumas palavras. Difícil é insistir. Difícil é calar um pouco a voz da razão e abrir a tampa do ego pra que ele murche. Difícil é pensar na raridade que se tem nas mãos quando o desespero e o medo te engolem. Parece que todas aquelas características cintilantes, se apagam. Difícil é quando tua raridade te surpreende com defeitos que você julga não saber lidar, afinal, raridades possuem defeitos?
Sim, eu sei que é difícil e exatamente por saber que escrevo, pois assim como você eu já fraquejei. Perdi algumas agulhas nesse enorme palheiro que é a vida. Não julguei meus motivos como não julgo os teus. Crescer é aprender a arcar com os prejuízos de nossas decisões. Mas e agora? E hoje? Se cada novo dia é uma chance que a vida nos dá, por que não fazer diferente? Por que não se propor a pensar uma, duas ou quantas vezes forem necessárias? Se tua agulha no palheiro ainda é uma agulha no palheiro, pra que tanta proteção? As características que a fizeram cintilar um dia, são as mesmas que podem fazer com que você decida não a perder. São nas boas coisas que devemos nos debruçar quando julgar-mos não ter mais motivos ou força pra continuar. “Mas minha agulha já não cintila mais.” – E você sabe por que? Quem sabe ela não esteja precisando de uma boa polida?
Novamente, não sei sobre respostas, sei de pistas. Tampouco posso julgar nossos limites e motivos, mas, em meus quase vinte e três anos de jornada já perdi muita agulha no palheiro que hoje já não encontro. O que me faz escrever aqui não é remorso ou culpa, mas algo parecido com certa missão. Talvez eu faça parte daquela porcentagem que acredita no valor e na durabilidade das relações (sejam elas quais forem), que vê liberdade nisso e por isso queira propagar. Talvez eu faça parte daquela porcentagem que nada contra a maré da liquidez, não por medo de algum tipo de solidão, mas por acreditar que quando se acha uma agulha no palheiro temos mais é que agarra-la com as duas mãos até que isso faça algum sentido, e se não fizer que ao menos se crie algum sentido.
Já parou pra pensar que estamos nos tornando potentes descartadores de corações? Que o consumismo se estendeu até nisso? Que os descartados de ontem são aqueles que descartam amanhã? Continuamos enquanto aquele coração nos trouxer satisfação, caso contrário, a gente substitui por outro que nos satisfaça ainda mais. Sempre como um objeto encontrado mas nunca como um “produto” que requeira um longo (difícil) esforço e boa vontade. Vejam bem, eu não estou aqui para balancear os dois lados, mas me respondam: como podemos enfrentar as dificuldades da vida sem o amparo daquelas “pessoas raridades”? Sem uma companhia que esteja pronta para compartilhar os altos e baixos?
Não vim contar nenhum segredo, pois se soubesse de algum não estaria aqui, dissertando pra que nossas relações não sejam tão superficiais. Meu papel é te ajudar a pensar, quantas vezes forem necessárias. É te ajudar a ter força pra lutar pelo que se vale a pena. Não é fácil, não vai ser, mas (citando “Marley e Eu”) quantas pessoas fazem você se sentir extraordinário? Raro, puro e importante? Permita-se construir uma história e lutar por ela, apesar da relatividade do tempo e da força da maré, as mais bonitas, inspiradoras e admiradas histórias, foram construídas assim: com determinação, paciência e coragem.
Onde é que está a tua agulha, agora? No palheiro ou com você?
(Obvious)
Fonte: Aleteia