São João de Latrão, uma celebração da nossa fé também física
Uma das coisas que me atraíram para a fé católica foi o seu sólido enraizamento no mundo concreto. A doutrina católica da Presença Real, os sacramentos, os objetos sacramentais, tudo isso me oferecia uma fé fortemente arraigada no mundo real, onde Jesus não é só uma lembrança que comemoramos através de simbolismos, ou uma presença espiritual que vive de forma invisível em nosso coração.
Não! Para os católicos, Ele é Corpo e Sangue, fisicamente, presente no mundo inteiro na Eucaristia. A sua graça é tangível! O batismo, a comunhão, a confissão, a confirmação, o matrimônio, a ordenação sacerdotal e a unção dos enfermos não são atos espirituais “apenas”, mas também físicos, que, além da intenção, requerem forma e matéria.
A fisicidade da Igreja é exemplificada ainda no uso dos sacramentais, ou objetos abençoados, em nossa vida de fé. Esses objetos podem ser quase qualquer coisa, desde um punhado de sal, um crucifixo, uma relíquia ou restos físicos de um santo, até um edifício inteiro.
Hoje, 9 de novembro, celebramos a natureza física da nossa fé ao comemorar a festa de São João de Latrão. É um dia festivo dedicado não a um santo, mas a um edifício sacro. Localizado em Roma, esse edifício é a Arquibasílica Pontifícia de São João de Latrão, cujo nome reduzido é confundido, de vez em quando, com um santo que… não existe. Não existe um “São João de Latrão”. O João em questão, ao longo dos séculos, foi tanto o Batista quanto o Evangelista. E o Latrão se refere ao lugar onde a igreja foi construída.
Muita gente, também equivocadamente, pensa que “a igreja do papa” é a Basílica de São Pedro. Mas não é. A catedral da diocese de Roma, da qual o papa é bispo, é São João de Latrão.
No dia de hoje, celebramos a sua dedicação pelo papa Silvestre I no ano de 324, quando ela se tornou a primeira igreja em que os cristãos podiam realizar seu culto em público. O edifício dedicado naquele ano foi depois destruído e houve várias reconstruções. A atual estrutura foi erigida pelo papa Inocente X em 1646.
São João de Latrão é notável por ser a igreja mais antiga do Ocidente, assim como pelo seu significativo papel na história da Igreja. Nela foram celebrados cinco concílios ecumênicos, estão enterrados 28 papas e, segundo a tradição, os relicários do seu altar principal contêm a cabeça de São Pedro e a de São Paulo. Até o papado de Avignon, no século XIV, os papas viviam em São João de Latrão. Eles só se transferiram para o Vaticano quando a sede da Igreja voltou para Roma e encontrou a basílica de Latrão em mau estado de conservação.
Embora haja muitas igrejas historicamente importantes na fé católica, e algumas delas com suas próprias datas de comemoração (Santa Maria Maior em 5 de agosto, por exemplo), só São João de Latrão tem o seu próprio dia de festa, como ocorre com os santos cristãos e com eventos milagrosos como a Imaculada Conceição de Maria, a sua Assunção, a Ascensão de Jesus e o Pentecostes.
E como é que um edifício “conseguiu” ter seu próprio dia da festa?
O nome “Latrão” tem origem num palácio construído para a rica família Laterani, que foi confiscado pelo imperador romano Constantino e, algum tempo depois, doado à Igreja. Trata-se, portanto, de um lugar cuja construção não se enraizou na fé, mas no excesso materialista. Como um local assim se tornou tão importante para o povo de Deus a ponto de ser celebrado todo ano com uma festa própria?
Tem a ver com a história da redenção. São João de Latrão, de certo modo, é a história de como Deus pode chamar à conversão o que e a quem Ele bem entender. O palácio construído para uma família num império em decadência moral pode se transformar num lugar santo e recordar, para os fiéis, a sua própria conversão: de propriedade do mundo para filhos e herdeiros de Deus.
A dedicação da cátedra do bispo de Roma também afirma a nossa unidade como católicos romanos e o primado do papa, na caridade, sobre os outros bispos. Não só isso: também recorda a importância das nossas próprias igrejas locais. Para os católicos, as catedrais e paróquias não são “só” edifícios: são nossas casas espirituais, nossos lugares de descanso e de restauração, onde somos gestados no batismo, na catequese e na confirmação, alimentados na Eucaristia e sanados na reconciliação.
E mais ainda, muito mais ainda: eles são como uma “casa física” de Nosso Senhor! Ele está oculto no sacrário, ou exposto para a nossa adoração, sacrificado na missa para ser o nosso alimento espiritual e físico sob as aparências do pão e do vinho.
Como católicos, a nossa fé é também física. A nossa fé também é feita de atos físicos. As nossas “posses” físicas podem – e devem – ser vistas e usadas como meios para nos ajudar ao longo da nossa viagem espiritual, pelo mundo físico, rumo à eternidade.
Ao celebrarmos a dedicação de São João de Latrão, a catedral de Roma, não celebramos “um templo construído por mãos humanas”: celebramos a nossa fé, concreta e viva também no mundo físico querido por Deus.
Fonte: Aleteia